DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ordem e Decência na Liturgia Carismática



I Coríntios 14.1-40

Introdução

O capítulo 14 de 1 Coríntios é uma terceira abordagem da mesma problemática desenvolvida nos capítulos 12 e 13. Observe que o capítulo inicia-se com o verbo imperativo "diōkete"[1], em vez de um conectivo. No capítulo 12, o apóstolo dos gentios descreve os dons espirituais classificando-os em: [v.4] "diversidade de dons" (diaire,seij de. carisma,twn); [v.5] "diversidade de ministérios" (diaire,seij diakoniw/n); [v.6] "diversidade de operações" (diaire,seij evnerghma,twn). A ênfase está na unidade e diversidade dos carismas. No capítulo 13, Paulo, embora exorte os crentes a buscarem os melhores dons (12.31), sobrepõe o amor aos carismas.

Todavia, neste capítulo, o apóstolo discute a relação entre os dons espirituais e a edificação da comunidade cristã. O tema (leitmotiv) da perícope acha-se no v. 26: "Faça-se tudo para edificação" [v.12]. O termo "edificar" (oivkodome,w) aparece sete vezes no capítulo [vv.3, 4, 5, 12, 17, 26]. O sentido básico é "construir", "eregir", "construir". De acordo com Vine, procede de "oikos" (oivkoj) e "demō" (demw), literalmente "construir uma casa" e, metaforicamente, "promover o crescimento espiritual e o desenvolvimento do caráter"[2].

Contexto Histórico e Propósitos

As religiões de mistérios multiplicaram-se nos domínios greco-romanos. Os adeptos desses cultos eram conhecidos pelos seus "dotes espirituais", "transes", "glossolalia", "visões", e seus iniciados eram chamados de "pneumatikos" (pneumatiko,j), "pessoas espirituais".

Variegados membros dessas religiões converteram-se ao Evangelho e, não poucos, estavam presentes na comunidade cristã de Corinto (1 Co 12.1). Neste contexto sócio-religioso, as manifestações espirituais na igreja moviam-se entre o exibicionismo e a soberba espiritual, provocando uma balbúrdia e distorção dos carismas. No epicentro desta querela estavam os "profetas", dotados do carisma da profecia, e os "glossolalos"[3], que falavam em variedades de línguas [vv. 3,4]. Portanto, Paulo escreve com o propósito de:

1) distinguir o valor didático e coletivo da glossolalia e da profecia [vv.1-9];

2) apresentar a função didática dos carismas no culto [vv.12-19];

3) exortar à maturidade [v.20];

4) descrever ambos os dons como sinal (shmei/o,n) na liturgia [vv.22-25];

5) solicitar ordem na liturgia [vv.26-40].

Estrutura

O capítulo está dividido em quatro seções:

1) vv.1-25: Distinções, propósitos e superioridade do carisma profético;

2) vv.26-35: A liturgia e a regulamentação dos carismas;

3) vv.36-38: Autoridade paulina;

4) vv. 38,39: Síntese do discurso.

Comentário e Aplicação

O culto, tanto no Antigo ('ābad) quanto em o Novo Testamento (latreuō), significa "servir", "serviço", referindo-se à liturgia sagrada oferecida ao Senhor (Êx 20.5; Mt 3.10). O culto é um serviço de gratidão e adoração a Deus por todas as bênçãos salvíficas (Sl 116.12,13). A pessoa principal da liturgia cristã não é o crente carismático, mas o Senhor Jesus Cristo (Ap 15.3,4). Além de adorar a Deus, o culto tem como propósito a edificação da comunidade redimida [vv.4,5,12s].

A liturgia da igreja primitiva era dinâmica, espontânea e com manifestações periódicas dos carismas concedidos pelo Espírito Santo (Rm 12.6-8; 1 Co 12.4-11, 28-31). Os cultos da igreja de Corinto eram carismáticos (1 Co 12; 13; 14), pois todas as manifestações do Espírito, as diversidades de ministérios e de operações, encontravam-se naquelas reuniões (1 Co 12.4-6). Porém, a igreja estava envolvida em diversas dissensões e litígios (1 Co 1.10; 6.1-11); pecados morais (1 Co 5) e, principalmente, desordem no culto de adoração a Deus (1 Co 11.17-19; 14.26-35). A desordem era tal que o próprio culto tornou-se um entrave ao progresso espiritual dos crentes. Eles eram imaturos e carnais (1 Co 3.1-4).


[1] Literalmente "ir após com persistência". Ver MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1981, p. 153. Série Cultura Bíblica.
[2]
VINE, W. E. (et al.) Dicionário Vine. 7.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2007, pp.582-3.
[3]
Tradução do v.3 feita por G. Barbaglio da expressão grega "ho lalōn glōsse(i)" (o` lalw/n glw,ssh|), Ver BARBAGLIO, G. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1980, p. 339, Bíblica Loyola 4.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Neopaganização da sociedade pós-moderna


Introdução

O neopaganismo é um termo que descreve uma variedade de credos e religiosidades que, com roupagem moderna, cultuam a natureza, valorizam os mitos e as divindades pagãs da Antiguidade e da Idade Média. É o antigo paganismo destituído de seus rituais ofensivos ao homem pós-moderno. A diferença entre o neopaganismo e o paganismo tradicional pode ser visto na imagem das bruxas populares. Antes, feia, nariguda, velha, enrugada e verrugosa. Agora, bela, educada e jovem – como aparecem na mídia e na indústria de entretenimento. O neopaganismo também é conhecido nos meios de comunicação pelo nome de Wicca. São politeístas, praticam a feitiçaria, valorizam o horóscopo, cultuam a natureza e as pretensas divindades femininas. Atualmente, as idéias neopagãs são difundidas através dos desenhos animados, dos filmes e das revistas como a Witch (bruxa, em inglês – esta revista é destinada a crianças de 8 a 13 anos).

O Neopaganismo e a indústria de entretenimento

A cultura, os mitos, as lendas e os folclores pagãos tornaram-se um instrumento de entretenimento nos tempos pós-modernos. Não apenas de divertimento, mas também de riquezas. Basicamente, o mercado de vídeo games e filmes hollywoodianos faturam milhões de dólares em temas que misturam paganismo, religião oriental, gnosticismo e cristianismo, Senhor dos Anéis e Matrix são alguns exemplos. Todavia, a qualidade das produções contrasta com a mensagem e os valores difundidos. George Lucas, afirmou que "o cinema e a televisão suplantaram a igreja como grandes comunicadores de valores e crenças". E, infelizmente, essa proposição mostrou-se verdadeira.

A indústria de entretenimento costuma dar uma nova roupagem aos mitos antigos, como por exemplo, a velha bruxa é muito diferente daquelas apresentadas no seriado Charmed, ou da beleza de Nicole Kidman e Sandra Bullock no filme Da magia à sedução (Practical Magic,1998). A imagem dos demônios como seres maléficos, opostos aos homens e dispostos a oprimir a humanidade, é inteiramente alterada no filme Hellboy. O demônio é convocado do inferno e depois "civilizado", aprendendo a respeitar e amar os homens – uma ideologia perniciosa. Spawn, o soldado do inferno, era um agente da CIA, que após ser morto, vai para o inferno e negocia com o diabo para retornar ao mundo dos vivos. Nesta mesma linha encontramos os filmes que enaltecem o espiritismo, a mediunidade e os supostos fenômenos paranormais. Ron Rhodes (A verdade por trás dos espíritos, médiuns e fenômenos paranormais, CPAD, 2007), faz uma síntese dos principais programas, filmes e séries que divulgam e cultuam o espiritismo. O autor afirma que "as produções de Hollywood têm introduzido muitas pessoas ao mundo paranormal" (p.28).

Os cristãos, portanto, são chamados à reflexão, ao discernimento da cultura midiática e televisiva. Algumas vezes a mensagem ideológica transmitida pela indústria de entretenimento é tão crassa que facilmente o cristão rejeita, entretanto, muitas ideologias religiosas, espiritualismo pagão e distorções da verdade bíblica são apresentadas de modo sutil e imperceptível ao observador desatento. Algumas vezes, necessita-se de mais de uma leitura para compreender todos os símbolos, sinais rituais, e ideologias. Matrix, por exemplo, é um desses filmes que mistura filosofia, símbolos religiosos, mitologia e cristianismo. Uma leitura adequada somente é possível àqueles que conhecem religiões comparadas, história da religião, cristianismo, teoria gnóstica e Jung.

O neopaganismo e os heróis

Os heróis, que tanto fascinam crianças e adultos, são distorções da imagem divina no homem e personagens antropocêntricos. A figura dos heróis, anti-heróis e vilões são (a meu ver), representações possíveis do super-homem de Nietzsche, ideologias que atestam a potência humana, o deísmo, ateísmo, evolucionismo e a sociedade pós-cristã. O religioso apenas aparece como elemento pós-cristão, dissociado de Deus, de Cristo, das Escrituras. Alguns mais humanos e outros mais poderosos, no entanto, a temática e ideologia são a mesma: Deus não intervém na vida e história humanas, os homens, como seres evoluídos e super-poderosos, são responsáveis pelo seu próprio destino, progresso e vontades. A moral, mediante a qual os heróis agem, carece da autoridade de Cristo, são (in) valores relativos, circunstanciais e centrados no humanismo antropocêntrico. No mundo dos heróis e vilões, Deus é um personagem anacrônico, distante, substituído pelo conceito do Bem que, longe de ser metafísico, é uma realidade metamórfica sujeita ao talante das circunstâncias e à disposição dos heróis.

O neopaganismo e as religiosidades

O neopaganismo manifesta-se como um conjunto de religiosidades, sincretismo, misticismo e ocultismo. Em um mundo plural e multicultural, o paganismo ressurgiu com nova roupagem, eclético, não ofensivo à estética e ao racionalismo modernos. Trata-se, na verdade, de nova estratégia do misticismo pagão para difundir suas ideologias, doutrinas, ritos e ocultismo. Fala-se de paz, mas ignora-se o Príncipe da Paz, Cristo; ensina ecologia, mas é eco-idolatria, é mística, porém dissociada da verdadeira espiritualidade cristã. Essas religiosidades são produtos da fé cega, irracional, de caráter hedonista e antropocêntrico. A salvação é intrapessoal, está dentro da pessoa, e não extrapessoal, fora dela, como se dependesse de outro para tal; é gnóstica. A paz está na harmonia entre o homem e a natureza, no controle psíquico e nos exercícios corporais que equilibram e sintonizam o homem ao cosmos. Suas rezas e petições são mantras, isto é, encantamentos que materializam a divindade invocada. São engodos de religiões vetustas, anticristãs e marginais que se adequaram às necessidades da sociedade pós-cristã. É um novo sincretismo, mas de realidade e natureza contrárias a Cristo.

A verdade por trás do neopaganismo

O neopaganismo, neologismo usado para se referir às roupagens modernas do antigo paganismo, é uma falsa religiosidade que tem combatido o cristianismo e seduzido a sociedade hodierna. Todavia, o neopaganismo é uma religiosidade que usa máscaras para atrair os seus adeptos e afastar o homem do verdadeiro Deus.

Desde a Antiguidade hebraica, o povo eleito foi advertido, exortado e admoestado contra os cultos pagãos egípcios, canaanitas, assírios, babilônicos entre outros (Dt 12.2,3,29-32, etc.). Israel, a nação eleita e preciosa, inúmeras vezes, apesar das advertências dos profetas, sucumbiu ao culto da fertilidade e a outras manifestações do paganismo gentio (Jz 2.11-14, etc.) Infelizmente, o povo era seduzido pela orgia dos cultos da fertilidade. Em nossa obra, A família no Antigo Testamento: história e sociologia (CPAD, 2006), ocupamos um capítulo do livro para explicar esses rituais pagãos pelo que, solicito ao leitor que busque nesta obra os elementos exegéticos e históricos necessários à compreensão do tema. Os elementos mais comuns ao paganismo antigo eram: a liberação sexual e a homossexualidade praticada nos cultos orgiásticos; o sacrifício de infantes, como gratidão pela colheita; adoração à natureza, mediunidade; crença que os espíritos dos mortos intervêm no mundo dos vivos; idolatria, e o uso de substâncias psicotrópicas para entrar em êxtase ou transe. Essa é a verdadeira origem e face do neopaganismo.

Jerônimo Savonarola e o neopaganismo da Renascença

Jerônimo Savonarola (1452-1498), o "Sócrates de Ferrara", para os cultos e o "profeta de Deus", para a grande massa, criticou a sociedade européia no momento em que ela preferia os poetas em vez dos teólogos, a Grécia em vez de Jerusalém, os ídolos no lugar de Deus. Crítico mordaz de Lourenço, o Magnífico; profeta contra os pecados da famosa Florença, foi um opositor da Renascença que trouxera as novas religiões, os novos cultos e o neopaganismo.

E.Garin, em sua obra, "O renascimento", afirma que Savonarola viu "os deuses antigos, que povoavam o céu dos astrólogos, os quadros dos pintores e os versos dos poetas como expressões perigosas duma sutil superstição" (Porto: Telos, 1972, p.129). Savonarola opôs-se tenazmente aos projetos humanistas e renascentistas que procuravam retornar à idade clássica, resgatando as mitologias, cultura e deuses greco-romanos.

Savonarola questionara a dissolvência do sagrado e o surgimento de um "sagrado" afastado da revelação divina. Quais deuses regressam quando a revelação bíblica desaparece? Savonarola via a Divina Comédia de Dante como uma profanação à verdadeira revelação bíblica. Embora, culto, letrado (litteris latinis et graecis eruditissimus), não suportava a poesia que distorcia a natureza e os atributos de Deus; os artistas que sacralizavam, através de suas pinturas, os deuses pagãos. Para Savonarola a Escritura é mais forte do que a palavra dos poetas e a arte dos pintores. José Augusto Mourão, prefaciador português da obra de Savonarola, afirma a respeito do "grande teólogo", expressão de Mestre Eckhardt: "Encoleriza-o o fato que se entronizem Platão, Aristóteles e Ovídio nos altares e que os pregadores tenham fechado o livro da Escritura e em seu lugar tenham colocado os filósofos e poetas pagãos" (A função da poesia. Vega, 1993, p.17).

"Quem lê, entenda!"

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



Related Posts with Thumbnails