
Na primavera de 1992, exatamente às 02 horas da manhã do dia de nosso Senhor, fui profundamente traspassado pelo dúlcido amor de Jesus. A graça de Cristo veio sobre mim como o cicio delicado que suaviza o calor da rosa, mas não destrói suas pétalas.
Orávamos desde as 24 horas e 30 minutos rogando ao Senhor sua santa e melíflua presença. Sentia-me antes como uma casca seca de uma árvore centenária; desgastada pelo tempo, maltratada pelo rubro soturno do verão. Ouvia a oração dos santos como o crepitar da madeira que, plúmbeo, arde ao fogo. A súplica de cada crente parecia valiosas raízes e cascas sendo queimadas, como incenso suave e adocicado nas chamas da súplica, da intercessão e da ação de graças. As intempéries taciturnas da vida desfaziam-se a cada emanação e sopro do Espírito.
O templo estava em construção. Os vergalhões expostos semelhavam-se aos vergões de muitos irmãos que eu conhecia. Sabia que as pedras daquele organismo eram vivas, engastadas na santidade, piedade e contrição. Éramos, sim, pobres, tínhamos os mesmos entraves de qualquer igreja local, mas o Espírito jamais deixara de manifestar-se em nossas minudências. A Graça é incomensuravelmente maior do que nossos pecados e fraquezas.
Enquanto clamava ao Senhor, solicitando abundante graça, veio sobre mim o Espírito de Deus de uma forma que nunca dantes experimentara. Lembro-me do meu batismo no Espírito Santo, de certa forma até consigo descrevê-lo, mas esta nova experiência é quase inenarrável. Talvez não deva ser contada, como se fosse um segredo somente meu e de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem amo incondicionalmente. Nunca disse a minha doce Ana Paula, aos meus rebentos, ou aos meus amigos mais queridos. Até mesmo os que presenciaram essa inaudita experiência também pouco saberiam descrevê-la. Era íntima, interna, pessoal e intransferível.
O Espírito do Senhor pairava sobre mim como a pompa sobre o ninho. Todo calor e proteção eram perenes, incomunicáveis em vernáculos terrenais. Ainda ouvia a oração dos santos, tudo ao meu redor era perceptível. Até que, repentinamente, um ardor, um fogo que não se consome, traspassava-me espírito, alma e corpo. Tornei-me como um vaso que trazia dentro de si uma inesgotável fonte de águas cristalinas. Chorava. Copiosamente chorava. As lágrimas eram incontidas como as de uma comporta rompida.
Lembro-me muito bem do sentimento que a alma inundou. Senti um misto de amor e benignidade, misericórdia e cuidado; tudo como se fosse uma só coisa, mas completamente diferente, divisível. Enquanto vertia minhas lágrimas, entoava minha canção silenciosa ao Eterno. Goteava dos límpidos olhos, meus temores, anseios, sonhos, esperanças. Oh! Inaudita Graça do Salvador!
Num átimo, enquanto lacrimejava meu bulício, passeava diante de meus olhos muitas etapas e fases de minha vida. Vi minha infância sem vulto paterno, e o adolescer ressabiado. Vi eventos vulníficos que se desenrolavam diante de minhas pálpebras. Passou fulvo por meus olhos o dia em que atravessei a Getúlio Vargas, RJ, em frente ao Campo de Santana, sem os cuidados necessários e um veículo parou desesperadamente diante de minha figura esquálida. Por muito pouco não fui ceifado, pensei. Vi outros retratos sem moldura ... não os lembro.
Todavia, enquanto as lágrimas ainda faziam seu trajeto, de minha face até os odres divinos, eu via, em cada uma dessas cenas, o anjo do Senhor protegendo-me, guiando-me. Não ouvia nenhuma voz, mas o Espírito testificava ao meu espírito que eu nunca estivera sozinho, muito menos solitário. Deus cuidara de mim como um pai amoroso e atencioso cuida de seu filho mais pueril. Não se tratava de preferência, mas de cuidado, necessidade e amor.
Naquele instante prorrompi altissonante louvor. Já passávamos das 05 horas e tudo passou-se tão depressa, como um átimo de tempo. Agradeci ao Senhor por todo o seu amor, atenção e cuidado. Entendi que isto é o que chamamos Graça. Sim, o imerecido e incomensurável amor divino manifesto em nossa frágil vida.