DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

terça-feira, 24 de abril de 2012

Pergunta: Qual o significado da expressão registrada em 1 Coríntios 10.2: Todos foram batizados em Moisés na nuvem e no mar?



O texto de 1 Coríntios 10.2,“e todos foram batizados em Moisés na nuvem e no mar”, é parte da seção que se inicia no versículo 1 e termina no 13. Nessa perícope, Paulo faz uma aplicação moral da doutrina do capítulo 9, onde havia exortado a respeito da autodisciplina que o cristão deve exercer para não ser desqualificado (9.27, no grego adokimos, traduzido na ARC por “reprovado”), assim como o faz o atleta grego (vv.24-27). 

O capítulo 9, entretanto, integra os argumentos “a respeito das coisas sacrificadas aos ídolos” iniciados em 8.1 (perì dè tõn eidõlothýtõn). Observe que a partir do versículo 14 do capítulo 10, Paulo retoma o tema da idolatria: fugi da idolatria. Logo, o capítulo 8 descreve a doutrina; o 9 a explica com base na liberdade e disciplina cristãs; e o 10 a exemplifica e a conclui. Essa interessante construção argumentativa é chamada na exegese do Novo Testamento de argumentação simbulêutica

Definido assim a estrutura de nossa passagem, passemos rapidamente aos elementos textuais. Paulo emprega a fórmula costumeira “não desejo que sejais ignorantes” (v.1), a fim de chamar a atenção do leitor e introduzir um novo elemento à pregação, seja prático, seja afetivo ou histórico (cf. Rm 1.13; 11.25; 2Co 1.8; 1Ts 4.13). Não deixe escapar à vista a repetição proposital de “todos” (gr. pántes) nos versículos 1 a 4 – que descreve a participação de “todos” os israelitas na experiência salvífica do êxodo – e, da expressão negativa do versículo 5, “não se agradou da maior parte deles”; que aponta para o comportamento pecaminoso da “maior parte” na economia da salvação. A isto considere que a atitude negativa dos hebreus é condenada entre os cristãos por meio da fórmula “e não” (gr. medè), nos vv.7-10. Acrescente o fato de que Paulo esclarece que os eventos da história soteriológica dos israelitas servem como typos (v.6) ou prefigurações (typikõs, v.11) para a Igreja. 

A história tipológica de Israel, como afirmo na obra, Hermenêutica Fácil e Descomplicada (CPAD), assume duplo caráter: antecipar e advertir. Penso que agora estamos aptos para compreendermos a pergunta. A expressão usada por Paulo identifica a experiência israelita no êxodo como um tipo da prática cristã do Batismo e da Santa Ceia do Senhor, nossas duas principais Ordenanças (vv.14-21). A nuvem, o mar, o maná, a rocha e a figura de Moisés, elementos da epopeia israelita, são considerados na perspectiva da doutrina das Ordenanças cristãs. A passagem pelo mar Vermelho é tipo do batismo cristão; o maná e a água extraída da rocha são símbolos do pão e do suco da vide; a rocha é o próprio Cristo; o batismo dos israelitas em Moisés é figura do batismo dos fiéis em Cristo (vv. 1-4; cf.Rm 6.3; Gl 3.27). 

Assim, a libertação dos hebreus do Egito e a saga pelo deserto são experiências soteriológicas análogas, tipologicamente semelhantes, à experiência cristã do batismo e da Santa Ceia do Senhor. Lembre-se, portanto, que Paulo reconhece a veracidade dos fatos em Êxodo, mas emprega a exegese tipológica, o argumento moral e a anagogia para lograr êxito em sua exortação aos crentes coríntios. No primeiro, ensina em que e como se deve crer nos eventos passados. No segundo, explica como se deve viver diante desse esclarecimento. No terceiro, descreve o caminho de nossa união com Deus.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Professores Desnecessários à Igreja: O vocacionado Iludido (III)

Pelo fato de o dom de ensino ser encarnacional, a igreja deve insistir e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores, a maioria carente de formação adequada. Chama-se a esse processo de educação ou formação continuada. De acordo com Marin,

o uso do termo educação continuada tem a significação fundamental do conceito de que a educação consiste em auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão.1

Trata-se de uma formação que integra todas as áreas de saberes da experiência profissional e o desenvolvimento de competências, saberes e criticidade de si e do mundo. Tem por objetivo o desenvolvimento do sujeito docente, como ser-no-mundo, mas também de o professor assumir uma posição diante de si, de sua profissionalidade e do mundo. Ele precisa desejar fortemente se aperfeiçoar para crescer como pessoa humana e profissional. Somente através de sua própria mudança é que o professor poderá mudar a Escola Dominical, presa, na maioria das vezes, à rotinização desinteressante e desestimuladora, que, como afirma Barroso, não considera a crescente heterogeneidade dos seus públicos e a pluralidade de suas funções.2

As bruscas mudanças de nossa sociedade pluralista e líquida, para usar uma expressão de Z. Bauman, requer que o professor esteja engajado com a sua própria formação, ou então ele correrá o risco e dano de se tornar um profissional anacrônico e retrógado.

Luiza Christov, explica a necessidade da educação continuada tendo como cenário as atuais mudanças da sociedade

A Educação Continuada se faz necessária pela própria natureza do saber e do fazer humanos como práticas que se transformam constantemente. A realidade muda e o saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado sempre. Dessa forma, um programa de educação continuada se faz necessário para atualizarmos nossos conhecimentos, principalmente para analisarmos as mudanças que ocorrem em nossa prática, bem como para atribuirmos direções esperadas a essas mudanças.3

Isto posto, o comprometimento do professor da educação laica pela educação continuada e o empenho do professor da Escola Dominical em buscar aperfeiçoamento técnico e de suas práticas são um mesmo processo sob ênfase diferente. Assim como o professor laico, o educador cristão precisa, como afirma Philippe Perrenoud, “saber explicitar as próprias práticas”.4

Uma vez que o dom é encarnacional, o educador cristão precisa e deve cumprir sua parte na execução da tarefa que o Senhor lhe confiou, como disse Paulo (Cl 1.24-29), depois de Jesus, o maior mestre cristão:

Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja; da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus: o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e que, agora, foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória; a quem anunciamos, admoestando a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo homem perfeito em Jesus Cristo; e para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente.

Características e Competências do Educador Moderno, segundo Philippe Perrenoud

As teorias educacionais do sociólogo e antropólogo Philippe Perrenoud têm sido uma referência para os educadores brasileiros, principalmente pelo caráter humanista, prático e crítico de suas teorias. Excetuando as concepções plurais de sua teoria e de seu compromisso com certos conceitos que não traduzem a visão cristã, o autor sugere 10 competências para os educadores modernos, a saber:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem

• Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a ensinar e sua tradução em objetivos de aprendizagem.
• Trabalhar a partir das representações dos alunos.
• Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem.
• Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas.
• Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.

2. Administrar a progressão das aprendizagens

• Conceber e gerir situações-problema ajustadas aos níveis e possibilidades dos alunos.
• Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino primário.
• Estabelecer laços com teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.
• Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, segundo uma abordagem formativa.
• Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.

3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação

• Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.
• Ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto.
• Fornecer o apoio integrado, trabalhar com alunos em grande dificuldade.5
• Desenvolver a cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo.

4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho

• Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com os conhecimentos, o sentido do trabalho escolar e desenvolver a capacidade de auto-avaliação na criança.
• Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou da escola) e negociar com os alunos diversos tipos de regras e contratos.
• Oferecer atividades de formação opcionais, a La carte.
• Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.

5. Trabalhar em equipe

• Elaborar um projeto em equipe, representações comuns.
• Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.
• Formar e renovar uma equipe pedagógica.
• Enfrentar e analisar juntos situações complexas, práticas e problemas profissionais.
• Administrar crises ou conflitos entre pessoas.

6. Participar da administração da escola

• Elaborar, negociar um projeto da instituição.
• Administrar os recursos da escola.
• Coordenar, animar uma escola com todos os parceiros (bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem).
• Organizar e fazer evoluir, dentro da escola, a participação dos alunos.

7. Informar e envolver os pais

• Dirigir reuniões de informação e de debate.
• Fazer entrevistas.
• Envolver os pais na construção dos saberes.

8. Utilizar novas tecnologias

• Utilizar editores de texto.
• Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino.
• Comunicar-se à distância por meio da telemática.

• Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão
• Prevenir a violência na escola e fora dela.
• Lutar contra os preconceitos e as discriminações.
• Participar da implantação de regras da vida comum referentes à disciplina na escola, as sanções e a apreciação de condutas.
• Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em classe.
• Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

10. Gerir sua própria formação contínua

• Saber explicitar as próprias práticas
• Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua.
• Negociar um projeto de formação comum com colegas (equipe, escola, rede).
• Envolver-se nas tarefas na escala de um tipo de ensino ou do sistema educativo.
• Acolher a formação dos colegas e participar dela.
Sugere-se que cada educador tenha consciência do nível de competências em que se encontra, realizando uma auto avaliação, o que irá resultar em uma grande evolução na sua função como educador. 6

À guisa de conclusão

Verificamos nesse ensaio que não há qualquer contradição entre profissão e vocação, entre ofício e ministério. Também observamos que o dom de ensino é encarnacional, razão pela qual o educador cristão é co-responsável pela potencialização de suas capacidades espirituais e técnicas para o exercício da docência cristã.


Esdras Costa Bentho é mestrando em teologia (PUC-RJ), pedagogo com habilitação em Educação Infantil, Ensino Fundamental e Formação de Professores pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Foi redator do setor de Educação Cristã e Chefe do setor de Bíblias da CPAD.

Notas

[1] MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. In: Caderno Cedes. Nº.36, 1995. Apud NEZ, E. de; ZANOTTO, M. A formação continuada em questão. In: Educere et Educere. Revista de Educação. Vol. I, nº 1 jan/jun.2006, p.257-262 [257]. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br> Consulta feita em: 04 jun 2011.

[2] BARROSO, J. Para o desenvolvimento de uma cultura de participação na Escola. Cadernos de Organização e Gestão Curricular. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 2003, p.58.

[3] CHRISTOV, L. H. da S. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, Ana (et al.) O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Edições Loyola, 1998, p. 9.

[4] PERRENOUD, P. 10 Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, p. 159.

[5] No texto “portadores de grandes dificuldades”.

[6] PERRENOUD, P. Ibid.

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



Related Posts with Thumbnails