DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Que laicidade é essa?


Igreja e Estado: ranços e avanços

A relação entre estado e religião sempre esteve nos estreitos limites do enlace e do divórcio. Nos primórdios da história antiga, os impérios não distinguiam a religião do estado, as leis civis das religiosas. Desobedecer à lei era transgredir contra a religião. Na cristianização do império romano, contudo, o paganismo é substituído pelo cristianismo e os bispos passam da influencia para o próprio governo. Não se distingue o estado laico do religioso. Ambos se entrecruzam com os mais variegados interesses. No governo do Imperador Anastácio, por exemplo, o Papa Gelásio I declarou que o mundo era governado pela autoridade sagrada, sob a chancela dos sacerdotes, e real, sob domínio dos reis, no entanto, a primeira era superior à segunda. Do papismo cesáreo até a completa ruptura entre igreja e estado houve idas e vindas de um poder a outro.

No Brasil, a separação entre o Estado e a Igreja deu-se em janeiro de 1890, por meio do Decreto nº 119A, depois revisto e incluído em 1988, nos termos do art.19 da Constituição Federal. Apesar da magna decisão, o poder público e o eclesiástico sempre trocaram favores quando a situação interessava a ambos. É assim que o decreto presidencial proíbe o uso de símbolos cristãos em estabelecimentos públicos e, no mesmo ato, promove os cultos afro-brasileiros à categoria cultural.

No dia 4 de março do ano em curso, o governador do Rio de Janeiro, sancionou a Lei nº 56509 que estabelece o Dia de Oxum, 8 de dezembro, como patrimônio imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Para os que não estão familiarizados com as grandes contribuições religiosas do egrégio corpo de políticos do Rio de Janeiro, o Dia de Oxum foi instituído em 1986, por meio da Lei nº 1087, no governo do então governador Leonel Brizola, “geólogo dos campos santos”, para usar uma expressão casmurra. O dia 8 de dezembro, segundo a decisão governamental, é a data em que se “reverencia” a figura desse orixá dos cultos afro-brasileiros.

Provavelmente, leis e decretos semelhantes incomodam os evangélicos do Estado do Rio e, por conseguinte, a todos os cristãos do território nacional. Todavia, antes de os evangélicos criticarem a magna decisão de seus representantes é necessário considerar que os cristãos também receberam privilégios dessa mesma fonte. A mesma nascente da qual brota o dia dos orixás é a mesma que estabelece feriados cristãos e distribue comendas e moções para reverendos e pastores evangélicos. Com a mesmíssima caneta que se assina as leis que sacralizam dias aos orixás sanciona-se o Dia das Assembleias de Deus (Lei nº 11.573/2003 – SP), e autoriza-se que os templos de qualquer culto sejam inseridos no contexto cultural do Estado do Rio de Janeiro. Pergunto-me o que pensam os sem religião que, segundo o IBGE são 15,5% no Estado do Rio de Janeiro, o maior percentual de todo o território brasileiro, e o terceiro maior grupo depois dos evangélicos e católicos, ao presenciarem as inúmeras festas religiosas patrocinadas com o erário público.

Por fim, cabe afirmar que a Igreja não precisa do Estado para cumprir sua missão querigmática e profética no mundo. A igreja é agente de protesto e de transformação cultural. Os pastores não necessitam de comendas e moções para se tornarem cidadãos mais respeitáveis; eles já o eram antes de se tornarem representantes do povo de Deus. A igreja não carece que seus líderes recebam o título de Cidadão Honorário, mas que sejam profetas num mundo em crise; sujeitos de uma transformação social e cultural.
Veja o artigo do Pr. César Moisés: Meteorologia do "além".

segunda-feira, 15 de março de 2010

Os desatinos do culto maniakos




Era sábado à noite. Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro. As condições precárias de Belford Roxo tornavam a viagem até a igreja local uma odisséia homérica. Buracos incontáveis, barro que cobria toda a estrada..., dilúvio ininterrupto.

Estacionei o carro longe da igreja e segui o restante do percurso a pé. Tirei o sapato e a meia, levantei a barra da calça e pisei a lama. Andei uns trezentos metros até adentrar nos umbrais da minha querida denominação.

Era culto de jovens. Apesar da tempestade, dos raios que iluminavam o céu lúgubre, e do trovão que derrubara uma velha árvore a poucos metros do templo, a igreja estava abarrotada de jovens, famílias, crentes.

O culto transcorreu com a liturgia tradicional das Assembleias de Deus. Cânticos congregacionais avivalistas e conversionistas, leitura das Escrituras, apresentações, testemunhos e oportunidades para conjuntos visitantes. Ouviam-se as orações e louvores do povo de Deus.

Fui cumprimentado pública e hiperbolicamente pelo pastor local. Ele falava de meus livros, de meu trabalho na CPAD, de como era importante para a Baixada Fluminense ter um dos seus filhos paraibanos trabalhando na editora da denominação; disse até mesmo conhecer minha vida particular e um dos meus tios e que, além de eu ser um “homem de Deus” era também responsável pela pregação naquela fatídica noite. Até que...

Chegado o momento da pregação, retribuí ao pastor o apreço. Abri as Escrituras e li a perícope joanina 12.1-11. Foi tudo o que consegui ler e falar naquele momento...

De repente um glossolalo irrompeu em línguas, seguido de outros três, que se expandiram para seis, doze, vinte e quatro e talvez quarenta e oito. Virei-me em direção ao dirigente local, na expectativa de que ele me apoiasse a retomar a ordem, a liturgia da palavra, mas, infelizmente, ele estava ocupado demais “pulando no espírito”.

Fiquei atônito, embasbacado, estupefato. Empregara muitas horas na preparação da pregação. Fizera uma exegese minuciosa da passagem. Em oração, meditara demorada e profundamente no texto e na contextualização do querigma.

Num ímpeto frenético, uma jovem começou a profetizar no mesmo momento que outra do conjunto visitante. Tentei falar, mas fui repreendido por um obreiro que disse:

“– Não há necessidade de mensageiro quando o Senhor está presente! ‘Ha-le-lui-as’!!!!”

A primeira moça, como um raio que entrecortava as últimas nuvens daquela noite, correu apressuradamente em direção à outra, que também estava profetizando. Passou por três outras imberbes que dançavam “no espírito” e, numa coragem hollywoodiana, pôs a mão sobre a boca da profetiza e disse:

“ – Cala-te. Eu sou o Senhor teu Deus!”

A mulher tirou rispidamente a mão que cobria-lhe o instrumento profético e retrucou, com erro vernacular e tudo:

“– Cale-se você. Eu que sou o Senhor teu Deus!”

“– Não”, retrucou a profetiza,

“– Eu que sou o teu Deus!”

Virei-me mais uma vez, na esperança de que o dirigente me ajudasse a retomar a ordem, mas ele estava ocupado profetizando para um auxiliar, e seus obreiros, caídos ao chão.

Fechei a Bíblia. Dei três passos para trás e sentei-me contemplando um jovem que estava correndo com as mãos abertas como se fosse um planador e outro que colocava uma das mãos no ouvido e outro na boca, como se estivesse conversando com alguém num celular fantasmagórico.

Comecei a chorar ao contemplar a desordem no culto, a manipulação dos carismas, a falsa espiritualidade e a meninice que grassa nalguns arraiais pentecostais.

Passados mais de uma hora, o pastor local retomou a palavra e pediu-me que fizesse as considerações finais. Abri a Bíblia em 1 Coríntios 14 e me ofereci a ministrar um curso acerca dos dons espirituais, mas aquele povo era duro de ouvidos.

Fui em direção ao carro. Tirei o sapato e as meias, levantei as barras da calça, mas uma das meias caiu na lama.

Glossolalo: aquele que fala em línguas estranhas.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Igreja: Identidade e Símbolos

Cúpula da Igreja de Pammakaristos

O termo grego ekklēsia procede da justaposição da preposição ek (fora de) com o verbo καλέω (chamar). Na antiga Hélade, referia-se à reunião ou assembléia da polis ateniense, convocada pelo arauto (κηρυξ). A ekklēsia reunida na ágora representava o zênite da democracia da cidade-Estado. A função da assembléia era política, judicial, cultural, estrategista e social, e não necessariamente religiosa, como aparece até mesmo nos livros apócrifos de Judite, Macabeus e Eclesiástico.

Todavia, o sentido religioso encontrado nas epístolas neotestamentárias deve-se à evolução diacrônica do sintagma a partir da tradução das Escrituras hebréias para o grego comum da Septuaginta. Ekklēsia fora empregada inúmeras vezes para traduzir os vocábulos hebraicos ēdâh e qāhāl, cujo sentido é “congregação”, ou “assembléia” em diversas passagens veterotestamentárias. Pelo fato de essas palavras designarem, juntamente com o substantivo ‘ām, o “povo”, a “congregação”, ou a “assembléia” reunida na presença de Yahweh, ekklēsia desloca-se do sentido secular grego para assumir entre os judeus da diáspora significado sacro, com o qual os piedosos judeus-helenistas passaram a designar o povo da aliança e a assembléia santa de Yahweh (Judite 6.14-12; 1 Macabeus 3.13). Apesar de haver uma estreita relação semântica entre ekklēsia e synagogē, o primeiro vocábulo se impôs como terminus technicus não somente nas páginas do Novo Testamento, mas também após o fechamento do cânon das Escrituras Sagradas.

De modo geral, os hagiógrafos neotestamentários empregaram ekklēsia para designar tanto a “comunidade dos redimidos”, ou igreja universal, como a “comunidade das origens”, ou igrejas locais. A primeira, designada como “igreja mística”, é católica, una e Corpo de Cristo, formada por todos os salvos. A segunda, intitulada “igreja local”, é antropológica, histórica e cultural, composta inicialmente por judeus palestinenses e judeus helenistas e, mais tarde, pela ekklēsiai tōn ethnōn, igreja dos gentios ou das nações. Ela é mística, universal e também antropológica e local.

Enquanto a igreja primitiva estava ligada aos cristãos judeus em Jerusalém, freqüentava o Templo e as sinagogas para o culto, orações e homilias. A parênese de Tiago, escrita possivelmente na década de 40 d.C., e, portanto, um escrito pré-paulino, é um dos mais antigos testemunhos da “Igreja da Circuncisão”.

Nesse escrito, o termo synagogē em 2.2 é usado numa ocasião em que a ekklēsia cristã palestinense ainda não havia se afastado definitivamente dos costumes e da adoração sinagogal e templária. Razão pela qual em 1.1 e 5.14, a ekklēsia é identificada com as “doze tribos da dispersão”, expressão que designa a igreja como o novo povo de Deus.

Embora nos Atos dos Apóstolos o vocábulo seja usado com diversos matizes, prevalece o sentido de “comunidade redimida” e “comunidade local”. No corpus paulinum, ekklēsia aparece como “igreja universal e mística”, e “igreja local e domésticas”. As igrejas locais e domésticas são comunidades de crentes compostas por diversas etnias que viviam espalhadas no contexto citadino da Ásia Menor. A relação entre a igreja doméstica e sua liderança carismática era tão íntima, que provocou entre os biblicistas uma controvérsia a respeito da identidade da eklektē kyria na 2 Epístola de João. Na verdade, o estenógrafo dirige-se tanto a senhora eleita quanto à comunidade a qual, possivelmente, ela lidera. Em todo epistolário paulino, as igrejas locais, domésticas e citadinas são identificadas como pertencentes à comunidade universal dos remidos, cujos símbolos são: Corpo de Cristo, Templo de Deus, Noiva de Cristo, Família de Deus, Coluna e Baluarte da Verdade, Casa de Deus, Virgem Pura. Esses símbolos descrevem a unidade da igreja em toda sua diversidade. Todavia, escrevendo à igreja da Síria, a fim de ratificar a separação daquela comunidade com a sinagoga, Mateus apresenta o Senhor Jesus como o oikodespotēs, ou Edificador da Igreja. A figura e apostolado de Pedro, o “homem-confessante” ou “homem-rocha”, é secundário diante daquele que edifica e sustenta a Igreja universal no logion 16.18, ou daquele que instrui a igreja local em 18.17.

Mesmo que modernamente o vocábulo ekklēsia seja empregado para designar as denominações, a identidade histórico-doutrinária de uma comunidade cristã, o templo, e até mesmo algumas organizações heréticas, permanece o sentido bíblico, teológico e insofismável de que a Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, instituída no dia de Pentecostes pelo derramamento do Espírito Santo, é a comunidade universal, corpo glorioso e místico de Cristo composta por homens e mulheres regenerados de todas as raças e línguas que corresponderam positivamente à pregação do Evangelho, e confessam e servem a Cristo como único suficiente Senhor e Salvador.
(Síntese de nossa mais nova obra "Igreja: Identidade e símbolo". Lançamento ainda nesse semestre pela CPAD).

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



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