DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Professores Desnecessários à Igreja: O vocacionado Iludido (III)

Pelo fato de o dom de ensino ser encarnacional, a igreja deve insistir e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores, a maioria carente de formação adequada. Chama-se a esse processo de educação ou formação continuada. De acordo com Marin,

o uso do termo educação continuada tem a significação fundamental do conceito de que a educação consiste em auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão.1

Trata-se de uma formação que integra todas as áreas de saberes da experiência profissional e o desenvolvimento de competências, saberes e criticidade de si e do mundo. Tem por objetivo o desenvolvimento do sujeito docente, como ser-no-mundo, mas também de o professor assumir uma posição diante de si, de sua profissionalidade e do mundo. Ele precisa desejar fortemente se aperfeiçoar para crescer como pessoa humana e profissional. Somente através de sua própria mudança é que o professor poderá mudar a Escola Dominical, presa, na maioria das vezes, à rotinização desinteressante e desestimuladora, que, como afirma Barroso, não considera a crescente heterogeneidade dos seus públicos e a pluralidade de suas funções.2

As bruscas mudanças de nossa sociedade pluralista e líquida, para usar uma expressão de Z. Bauman, requer que o professor esteja engajado com a sua própria formação, ou então ele correrá o risco e dano de se tornar um profissional anacrônico e retrógado.

Luiza Christov, explica a necessidade da educação continuada tendo como cenário as atuais mudanças da sociedade

A Educação Continuada se faz necessária pela própria natureza do saber e do fazer humanos como práticas que se transformam constantemente. A realidade muda e o saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado sempre. Dessa forma, um programa de educação continuada se faz necessário para atualizarmos nossos conhecimentos, principalmente para analisarmos as mudanças que ocorrem em nossa prática, bem como para atribuirmos direções esperadas a essas mudanças.3

Isto posto, o comprometimento do professor da educação laica pela educação continuada e o empenho do professor da Escola Dominical em buscar aperfeiçoamento técnico e de suas práticas são um mesmo processo sob ênfase diferente. Assim como o professor laico, o educador cristão precisa, como afirma Philippe Perrenoud, “saber explicitar as próprias práticas”.4

Uma vez que o dom é encarnacional, o educador cristão precisa e deve cumprir sua parte na execução da tarefa que o Senhor lhe confiou, como disse Paulo (Cl 1.24-29), depois de Jesus, o maior mestre cristão:

Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja; da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus: o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e que, agora, foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória; a quem anunciamos, admoestando a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo homem perfeito em Jesus Cristo; e para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente.

Características e Competências do Educador Moderno, segundo Philippe Perrenoud

As teorias educacionais do sociólogo e antropólogo Philippe Perrenoud têm sido uma referência para os educadores brasileiros, principalmente pelo caráter humanista, prático e crítico de suas teorias. Excetuando as concepções plurais de sua teoria e de seu compromisso com certos conceitos que não traduzem a visão cristã, o autor sugere 10 competências para os educadores modernos, a saber:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem

• Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a ensinar e sua tradução em objetivos de aprendizagem.
• Trabalhar a partir das representações dos alunos.
• Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem.
• Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas.
• Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.

2. Administrar a progressão das aprendizagens

• Conceber e gerir situações-problema ajustadas aos níveis e possibilidades dos alunos.
• Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino primário.
• Estabelecer laços com teorias subjacentes às atividades de aprendizagem.
• Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, segundo uma abordagem formativa.
• Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.

3. Conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação

• Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma.
• Ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto.
• Fornecer o apoio integrado, trabalhar com alunos em grande dificuldade.5
• Desenvolver a cooperação entre alunos e certas formas simples de ensino mútuo.

4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho

• Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com os conhecimentos, o sentido do trabalho escolar e desenvolver a capacidade de auto-avaliação na criança.
• Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou da escola) e negociar com os alunos diversos tipos de regras e contratos.
• Oferecer atividades de formação opcionais, a La carte.
• Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.

5. Trabalhar em equipe

• Elaborar um projeto em equipe, representações comuns.
• Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões.
• Formar e renovar uma equipe pedagógica.
• Enfrentar e analisar juntos situações complexas, práticas e problemas profissionais.
• Administrar crises ou conflitos entre pessoas.

6. Participar da administração da escola

• Elaborar, negociar um projeto da instituição.
• Administrar os recursos da escola.
• Coordenar, animar uma escola com todos os parceiros (bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem).
• Organizar e fazer evoluir, dentro da escola, a participação dos alunos.

7. Informar e envolver os pais

• Dirigir reuniões de informação e de debate.
• Fazer entrevistas.
• Envolver os pais na construção dos saberes.

8. Utilizar novas tecnologias

• Utilizar editores de texto.
• Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino.
• Comunicar-se à distância por meio da telemática.

• Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão
• Prevenir a violência na escola e fora dela.
• Lutar contra os preconceitos e as discriminações.
• Participar da implantação de regras da vida comum referentes à disciplina na escola, as sanções e a apreciação de condutas.
• Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em classe.
• Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

10. Gerir sua própria formação contínua

• Saber explicitar as próprias práticas
• Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua.
• Negociar um projeto de formação comum com colegas (equipe, escola, rede).
• Envolver-se nas tarefas na escala de um tipo de ensino ou do sistema educativo.
• Acolher a formação dos colegas e participar dela.
Sugere-se que cada educador tenha consciência do nível de competências em que se encontra, realizando uma auto avaliação, o que irá resultar em uma grande evolução na sua função como educador. 6

À guisa de conclusão

Verificamos nesse ensaio que não há qualquer contradição entre profissão e vocação, entre ofício e ministério. Também observamos que o dom de ensino é encarnacional, razão pela qual o educador cristão é co-responsável pela potencialização de suas capacidades espirituais e técnicas para o exercício da docência cristã.


Esdras Costa Bentho é mestrando em teologia (PUC-RJ), pedagogo com habilitação em Educação Infantil, Ensino Fundamental e Formação de Professores pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Foi redator do setor de Educação Cristã e Chefe do setor de Bíblias da CPAD.

Notas

[1] MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. In: Caderno Cedes. Nº.36, 1995. Apud NEZ, E. de; ZANOTTO, M. A formação continuada em questão. In: Educere et Educere. Revista de Educação. Vol. I, nº 1 jan/jun.2006, p.257-262 [257]. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br> Consulta feita em: 04 jun 2011.

[2] BARROSO, J. Para o desenvolvimento de uma cultura de participação na Escola. Cadernos de Organização e Gestão Curricular. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 2003, p.58.

[3] CHRISTOV, L. H. da S. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, Ana (et al.) O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Edições Loyola, 1998, p. 9.

[4] PERRENOUD, P. 10 Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, p. 159.

[5] No texto “portadores de grandes dificuldades”.

[6] PERRENOUD, P. Ibid.

domingo, 4 de março de 2012

Professores desnecessários à Igreja: o vocacionado iludido (II-III)

O conceito que torna o professor leigo, aquele que carece de formação profissional, uma pessoa autorizada para ensinar pelo “dom” que possui; e o que dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em troca da experiência e capacitação profissional são reducionistas e um perigo para a educação cristã dominical.

Porém, o ideal é que o professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica, e que o educador profissional desempenhe o munus docendi no magistério eclesiástico sem dispensar a capacitação teológica e pneumatológica. A vocação e a capacitação técnica são necessárias e indispensáveis para o completo desempenho da docência cristã dominical.

Outro grave problema em torno da hipervalorização da “vocação” ou do “dom” para o ensino em detrimento à formação técnica é a completa ausência de comprometimento da liderança:

(1) na formação e capacitação de professores;

(2) em preparar as condições materiais para o exercício do magistério cristão; e

(3) no acompanhamento sobre o que se ensina, como se ensina e por que se ensina.

Certa vez, percebi que havia muitas conversões em nossa igreja local, entretanto, esses novos convertidos não recebiam qualquer instrução a respeito de sua nova vida em Cristo. Solicitei, então, ao pastor para que fizéssemos uma classe de discipulado, antes mesmo de a CPAD organizar as lições para o discipulado (projeto que tive a honra de participar escrevendo duas lições: “O céu verdadeiramente existe?”, e, “O inferno verdadeiramente existe?”).

Contudo, o estimado líder disse-me:

– Irmão Esdras, não há espaço na igreja para organizar mais uma classe, mas como o irmão é “vocacionado”, dará um jeito.

E de fato, a solução surgiu, mas com algumas contestações. Havia nas dependências da igreja uma sala com instrumentos velhos e aparelhos eletrônicos defeituosos. Solicitei o espaço, mas o pedido foi rejeitado. Depois de muito insistir, o espaço foi liberado, mas com uma condição: às 7hr30m eu e minha esposa deveríamos tirar os objetos do lugar, transformar o espaço numa sala de aula e, depois de concluído a aula, recolocar as tralhas no lugar. Isto fizemos durante seis meses ininterruptos, até que fui chamado para trabalhar na sede. Eu era diácono na ocasião.

Bom, essa história não é diferente daquelas que ouço toda vez que viajo pelas igrejas do Brasil dando cursos e palestras para professores da ED. Talvez você tenha se identificado com ela.Mas o que de fato aprendemos com essa experiência?

Aprendemos que, com a argumentação de que os vocacionados já estão preparados por Deus para a tarefa, certos líderes jogam toda responsabilidade e fardo “nas costas” do professor, crendo que o fato de serem “chamados” é suficiente para o completo desempenho do ministério de ensino. Todavia, é responsabilidade da liderança, seja da igreja, seja do superintendente da ED, dispor aos professores os aparatos e recursos necessários para o pleno desenvolvimento de suas tarefas educacionais. Como o educador pode se preocupar em atender adequadamente o alunato se está preocupado com o local, com o giz, com o quadro, enfim, com os recursos didáticos? Muitos professores paladinos, no entanto, tiram de seu próprio provento para prover as urgências e demandas da Escola Dominical.

Outrossim, perpassa também pelo conceito de “professor vocacionado” a ideia de que ele não necessita de uma formação técnica, pois o “dom espiritual” é suficiente para o exercício docente.

Mais uma vez o problema hermenêutico serve de esteio para fundamentar essa distorção. Citam-se os textos de Sl 81.10: abre bem a tua boca, e ta encherei”; Jo 14.26: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”; ou ainda 1Jo 3.27, entre outras passagens.

Todavia, se esquecem de que o dom de ensino é encarnacional. O pastor e professor de Teologia da Assembleia de Deus em Cingapura, David Lim, afirma que entre as várias teorias concernentes à natureza dos carismas, três se destacam:

(1) a que afirma que os dons são capacidades naturais; a que

(2) os descrevem como totalmente sobrenaturais, e a

(3) bíblica, chamada encarnacional [1].

Uma entende que os dons espirituais são capacidades ou talentos naturais santificados. Outra erradica qualquer responsabilidade humana nos exercícios dos carismas. A última, entretanto, pressupõe uma ação cooperativa tanto do Espírito quanto do homem.

De acordo com David Lim

Os dons são encarnacionais. Isto é, Deus opera através dos seres humanos. Os crentes submetem a Deus sua mente, coração, alma e forças. Consciente e deliberadamente, entregam tudo a Ele. O Espírito, então, os capacita de modo sobrenatural a ministrar acima de suas próprias capacidades humanas e, ao mesmo tempo, expressar cada dom através de sua experiência de vida, caráter, personalidade e vocabulário. [2]

De modo geral, Lim quer dizer que todo dom pode e deve ser exercido na igreja, levando-se em consideração as idiossincrasias individuais dos crentes e, pelo fato de ser encarnacional, com amor, todo e qualquer dom deve ser avaliado pela comunidade cristã.

Admitindo-se o posicionamento teológico de que os dons são encarnacionais, podemos compreender o que Paulo afirmou em Romanos 12.7 a respeito do carisma do ensino: εἲτε ὁ διδάσκων ἑν τή διδασκαλία (lit. “o que ensina, no ensino”).

A maioria dos tradutores entende que se trata de uma forma intensificada e subentendida de se referir à diligência no exercício do carisma de ensino, acrescentando os termos “dedicação” (ARC,TB); e “esmero” (ARA). Traduções mais literais preferem manter “ensino, ensinando” (BJ); “ensinar, que ensine” (ECP); “ensinamento, para ensinar” (BP); “ensinar, ensine” (NVI).[3]

Russel Champlin, ao interpretar essa perícope, afirma

Aquele cujo ofício consiste em ensinar, deveria esforçar-se por aprimorar os seus conhecimentos, por melhorar a eficácia dos seus métodos de ensino, aumentando o seu interesse pessoal por aqueles que são os seus alunos. Um dos mais graves escândalos das modernas igrejas evangélicas é que a grande maioria dos seus mestres em nada melhora com a passagem dos anos, incluindo nisso tanto o conhecimento como os métodos empregados [...].[4]

Conforme Lim e Champlin, o dom de ensino não é apenas uma capacidade sobrenatural que o Espírito Santo concede ao cristão para o desempenho do magistério eclesiástico, mas também um carisma que deve ser exercido por meio do aprendizado pedagógico constante, da aquisição de técnicas didáticas, e de seu emprego eficiente por parte do professor.

É um dom espiritual, no entanto, seu pleno exercício depende da cooperação, esforço e diligência do crente. O cristão coopera com o Espírito Santo para que o dom, espiritual e potencializado pelo Espírito, desenvolva-se eficientemente e sem nenhum embaraço ou impedimento. O professor é o canal inteligente e discernente pelo qual o Espírito de Cristo ministra aos crentes o conhecimento dos mistérios do Evangelho.

Pelo fato de o dom de ensino ser encarnacional, a igreja deve insistir e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores, a maioria carente de formação adequada. Chama-se a esse processo de educação ou formação continuada.

Continua...

*Esdras Bentho é pedagogo com habilitação em formação de professores, educação infantil, ensino fundamental e gestão escolar. Durante 5 anos foi redator das Lições de Jovens e Adultos da CPAD e participou da elaboração do Novo Currículo de Escola Dominical da CPAD.

Notas

[1] LIM, D. Os dons espirituais. In: HORTON, S. M. (ed.) Teologia Sistemática: uma perspective Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 469.

[2] Ibid., p.470.

[3] ARC – Almeida Revista e Corrigida; TB – Tradução Brasileira; ARA – Almeida Revista e Atualizada; BJ – Bíblia de Jerusalém; ECP – Edição Catequética Pastoral; BP – Bíblia do Peregrino; NVI – Nova Versão Internacional.

[4] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: MILENIUM, Vol. III – Atos- Romanos, 1983, p. 814.

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