Mateus chama de ekklēsia o novo ‘am Yahweh – a comunidade histórico soteriológica universal daqueles que creram na messianidade de Jesus. Essa comunidade, todavia, é vista sob a perspectiva universal em Mt 16.18 e local em 18.17.
Na primeira, Jesus apresenta a ekklēsia como sendo a sua congregação, comunidade ou povo, assim como Israel era o povo de Deus. Duas verdades a respeito da nova comunidade são afirmadas: a fundação futura da igreja: “edificarei” (oikodomēsō); e a igreja como propriedade exclusiva de Cristo: "minha igreja" (mou tēn ekklēsian).
O verbo no futuro do indicativo da primeira pessoa, oikodomēsō, assegura que o próprio Cristo edificaria a igreja. A metáfora, portanto, é a de um construtor (oikodomos), ou proprietário que edifica a sua casa. Esse edificador é frequentemente chamado de oikodespotēs, ou seja, o administrador da edificação ou oikodomia.
Em Mateus 10.25 oikodespotēs é o chefe de família, o proprietário da casa. Nas epístolas paulinas este termo refere-se ao cuidado e governo da família (1 Tm 5.14; Tt 2.5). Por conseguinte, na figura de Jesus como o pater família – oikodespotēs –, são afirmados todos os direitos exclusivos e inalienáveis de Cristo sobre a Igreja (cf. Mt 10.25; 20.1; 21.33). Ele edifica, sustenta e aparelha a Igreja – a casa de Deus (Hb 3.1-6).
Teorias a respeito da fundação da igreja
A proposição cristológica que assevera a fundação da Igreja como evento profético é contrária às pretensas alegações de que a igreja fora edificada na Antiga Aliança. Estes se dividem em dois grupos. O primeiro, acredita, de acordo com Gênesis 3, que o primeiro casal, Adão e Eva, constituíram a primeira igreja cristã no Antigo Testamento. De acordo com essa posição, Adão e Eva creram na promessa concernente à semente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente e, por isso, a igreja fora fundada na proto-história da humanidade com um proto-evangelho. O segundo grupo atesta que a igreja teve seu início com Abraão, conforme Gênesis 12 e, assim como o povo de Israel era a “igreja” do Antigo Testamento, a Igreja é o novo Israel restaurado
Objeções
Porém, os proponentes dessas teorias se esquecem de que o próprio Cristo é o oikodespotēs, ou seja, o edificador e construtor da nova edificação (Mt 16.18; 1 Pe 2,5), e, portanto, a Igreja não poderia ser edificada antes da manifestação do próprio Edificador. Para que a igreja pudesse ser estabelecida era necessário que o Verbo divino se encarnasse e consumasse sua obra salvífica (Jo 1.1, 12-14; Gl 4.4). Como anteriormente afirmamos, Cristo Jesus refere-se à fundação da Igreja como evento escatológico, futuro: oikodomēsō, isto é, “edificarei” – verbo no futuro do indicativo da primeira pessoa –, e isso faz alusão à edificação da igreja depois da consumação de sua obra salvífica e sua ascensão ao Pai. Jesus, por conseguinte, é o único e inconfundível edificador da Igreja (Rm 9.33; 1 Co 10.4;1 Pe 2.4-8), pois Ele chama amorosamente os homens ao arrependimento (Mt 9.13; Mc 2.17; Lc 5.32;2 Tm 1.9) para constituí-los “pedras vivas”, “casa espiritual” e “sacerdócio santo”, a fim de que ofereçam sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio dEle próprio (1 Pe 2.5,9). Antes da epifania e consumação da obra soteriológica efetuada por Cristo, a Igreja não poderia ter de fato existido. Essa proposição é uma verdade incontestável quando mais uma vez observamos que Mt 16.18 expressamente declara a não existência da igreja antes de Cristo, mas que passaria a existir após sua morte e ressurreição. Portanto, toda e qualquer afirmação que pretenda identificar concretamente a igreja antes de Cristo terá de responder satisfatoriamente à problemática içada por Mt 16.18.
Registre-se por fim, o fato de em Hebreus 3.1-6, o autor argumentar que Jesus é superior a Moisés, pois enquanto este “foi fiel em toda a sua casa, como servo” (v.5), aquele, “como Filho, sobre a sua própria casa; a qual somos nós” (v.6). O texto reverbera a declaração divina em Números 12.7: “Não é assim com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa”, contudo, ressalta que “maior honra do que a casa tem aquele que a edificou” (v.3). Moisés era um “servidor” (therapōn), mas Cristo, hōs huios epi ton oikō(i) autou, “como Filho, sobre (epi) a sua própria casa”. O lexema hebraico bayît, “casa”, traduzido pela LXX por oikos, embora seja de significado elástico nas Escrituras, não se refere ao tabernáculo, mas ao povo de Deus, à “casa de Israel” (oikou Israēl), como “a comunidade da fé”.
A casa, Israel, foi edificada por Deus, mas a casa, Igreja, por Cristo. Uma casa, afirma o rapsodo, é construída ou edificada por alguém. Ela não subsiste independente de seu edificador. Assim como uma casa necessita ser planejada e construída por alguém, Israel e a Igreja não subsistem independentes do Pai e do Filho respectivamente: “Pois toda casa é equipada por alguém, mas Deus é o construtor de todas as coisas” (v.4 –tradução pessoal). O verbo “edificar”, nesta perícope, é a tradução de kataskeuadzō, que se entende por “construir”, “edificar”, ou “criar”, mas também “equipar” e “prover”. Na mesma epístola é usado em 11.7 com o sentido de “preparar” (ARC), “aparelhar” (ARA), “construir” (NVI/TEB), para designar à construção, edificação e aparelhamento da arca por Noé. O biblista irlandês, James M. Flanigan assevera que kataskeuadzō designa a Cristo como “o desenhista, o planejador, o realizador que ordenou e estabeleceu todas as coisas”.[1] A fim de que não houvesse qualquer suspeição concernente à interpretação da “casa”, da qual Cristo é o edificador, afirma o escritor aos Hebreus: “Mas Cristo é fiel como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós, se é que nos apegamos firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos” (v.6 – NVI). Esta casa é a Igreja de Deus; a comunidade da fé, ou como afirma Paulo em Efésios
Embora essas metáforas neotestamentárias encontrem seus fundamentos no Antigo Testamento, podemos afirmar que assim como a essência não se confunde com a forma, a “nova casa” e “nova aliança” anunciadas nas Escrituras veterotestamentárias não se confundem com a essência vivida in totum pela comunidade da Nova Aliança, edificada e aparelhada por nosso Senhor Jesus Cristo. A realidade é superior ao anúncio, razão pela qual Moisés foi fiel (pistos), “como servo, para testemunho (martýrion) das coisas que se haviam de anunciar (laleō) (v.5 – ARA).
Porém, caso a presente proposição não seja suficiente para convencer a quem concebe de outra forma, creio que os textos de Efésios 1.9-12;3.5-11 e Colossenses 1.26,27 põem fim à controvérsia. A igreja, conforme os textos citados, era um mistério “que desde os séculos esteve oculto em Deus, que a tudo criou”.
[1] FLANIGAN, J.M. Comentário Ritchie do Novo Testamento: Hebreus. São Paulo: Edições Cristãs; Shalom Publicações, 2001, p.90.
10 comentários:
Pastor Esdras, parabéns pela postagem. Seus textos exegéticos tem acrescentado muito a nosso conhecimento biblico.
Gutierres Siqueira
www.teologiapentecostal.blogspot.com
Kharis kai eirene
Prezado irmão Gutierres muito obrigado pelo apreço!
Gostaria de acrescentar um detalhe que julgo importante, apenas para um pouco de reflexão. Atos 7:38: Este é o que esteve entre a congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai, e com nossos pais, o qual recebeu as palavras de vida para no-las dar. Congregação aqui é ekklesia no original grego.
Abraços, na paz do Senhor Jesus
Graça e Paz.
Eu freqüentemente lanço mão dos subsídios para ED oferecidos pelo site CPAD.com, inclusive, muitos textos são escritos pelo senhor, por exemplo, o da primeira lição do trimestre que agora começa. Mas logo no início encontro uma generalização que me choca: "Durante este trimestre as igrejas Assembléias de Deus no Brasil estudarão..." A cada dia eu me impressiono com a prática sectarista da AD e de seus principais formadores de opinião, pois, qdo inicio um texto para o público crente em geral com uma sentença destas, estou pressupondo que os únicos que utilizam o currículo CPAD e acessam o referido site são os assembleianos. Os tão louvados missionários que vieram para o Brasil no começo do século passado, trazendo em seus corações a chama pentecostal e principalmente o ardor missionário com certeza não tinham intenção de fundar uma denominação que hoje usa espaço midíatico para exibir encontros e mais encontros de políticos, ou como preferem denominar "assembléias gerais de obreiros"; acredito que se envergoariam da presepada que montaram na eleição da mesa diretora da CGADB levando toda a trapalhada para audiência nacional no programa "Movimento Pentecostal", onde mostrou-se uma espécie de eleição controvertida e nada democrática (e nem teocrática, já que se utilizássemos o método da igreja primitiva "jogaria-se a sorte"). Com certeza, não iriam apascentar as ovelhas a partir de uma liderança sem alternância de poder, nepotista, e clientelista, utilizando-se da boa-fé da maioria dos cristãos que qdo percebem este sistema nada bíblico de chefiar a igreja (que é de Deus) preferem deixar "nas mãos do Senhor".
Eu se fosse os senhores, teólogos "pentecostais", me reservaria a fazer o meu trabalho de leitura e fiel interpretação da Escritura, sem os óculos de denominação A ou B.
Empenharia-me tbém para contribuir que a oração sacerdotal de Jesus se cumprisse em nossos dias e entre os crentes no Brasil, pois, quem determina quem é o meu irmão é o meu Pai, não eu mesmo!
Um assembleiano
Marcos
Kharis kai eirene
Prezado irmão Marcos, agradeço por suas palavras e críticas. De fato, reconheço que poderíamos evitar, na introdução do subsídio postado no site da CPAD, a referência que o caro irmão cita, uma vez que o Novo Currículo de Escola Dominical da CPAD já se tornou interdenominacional. Obrigado pela lembrança. Procurarei evitar, como sempre tenho feito, tais referências, no entanto, aquela passou despercebida por mim.
Quanto ao restante do texto é de praxe em meu blog e artigos não abordamos questões políticas de qualquer denominação. O propósito do Teologia com Graça é discutir assuntos de teologia e não política seja ela qual for. Razão pela qual não discutirei o restante do post para não alimentar em nosso blog tais discussões. Se o assunto tratar de bíblia, teologia, doutrina, credo ou costume, discutiremos, mas seguindo a sua própria orientação, a qual agradeço, "me reservo a fazer o meu trabalho de leitura e fiel interpretação da Escritura", deixando a política denominacional para outros.
Para aqueles que desejam discutir assuntos de política denominacional há outros blogs - o Teologia com graça não é o ambiente ideal para tal.
Um abraço e obrigado pelo alerta!
Kharis kai eirene
Prezado Daladier, agradeço por sua participação no Teologia com Graça. A respeito de At 7.38 é necessário considerar a tradução da LXX ao verter as expressões 'am Yahweh e 'am Elohîm (povo de Deus) e outras congêneres ('eda - congregação, assembléias; qahal - congregação, assembléia, etc) empregando synagoge e ekklesia. Ainda em Atos, por três vezes o vocábulo ekklēsia é traduzido com sentido secular, referindo-se à "assembléia" oficial e jurídica que estava em Éfeso (19. 32, 39, 40); apenas uma vez denota à "congregação" dos israelitas no deserto (7.38; Nm 14.3,4; Dt 9.10), e, dezenove vezes, à comunidade dos remidos (5.11; 7.38; 8.1,3; 9.31; 11.22, 26, etc). Nas ocasiões em que denota a cristandade, usa-se o singular ekklēsia, tanto em Atos quanto nas Epístolas, para indicar a congregação local, seja em Jerusalém (11.22), Antioquia (13.1), Tessalônica (1 Ts 1.1), Corinto (1 Co 1.2), ou uma das sete igrejas da Ásia (Ap 2.1, 12, 18; 3.1, 7, 14). O singular, no entanto, aplica-se também à Igreja universal nos textos epistolares de Ef 1.22, 23; 3.10; 5.23, 32; Gl 1.13; Cl 1.18. Semelhantemente nas epístolas, ekklēsia também refere-se às comunidades domésticas, isto é, às igrejas que reuniam-se nas residências dos cristãos (Rm 16.5; Cl 4.15; Fm 2). O plural ekklēsia(15.41; 16.5, ver Rm 16.4,16; 1 Co 7.17; 11.16; 14.33,34; 16.1,19; 2.8.18,19,23,24, etc.) invariavelmente faz alusão às várias comunidades cristãs citadinas. Essas comunidades, segundo Ekkehard Stegemann, estabeleceram-se em áreas urbanas do Império Romano, sendo compostas de judeus, e majoritariamente de gentios, que desfrutavam de um relacionamento religioso e social no contexto citadino. Eram, portanto, “comunidade crentes em Cristo” que se estabeleceram nas sociedades urbanas das áreas mediterrâneas do Império Romano.
Não há, portanto, com o uso do termo ekklesia em At 7.38, qualquer evidência léxico-gramatical de que a igreja tenha existido no AT.
Um abraço!
Pastor Esdras Bentho, gostaria de saber: das sete cartas às igrejas relatadas no livro de Apocalipse, a que anjo se refere?
Parabens muito bom seu Post!!!!Fik c paz d cristo!!!
Abs!
Faculdade Teológica
A paz Senhor Pr Esdras
Por favor
A igreja foi fundada nos dias do Ministério de Jesus ou no dia do Pentecoste?Alguns dizem que a igreja nasceu no Sinai,porque ali aparece a palavra para assembleia na língua hebraica.
Espero passar pela sua moderação dessa vez,pq o irmão nunca aprova meu comentários.
Suely
Sahlom
A paz Senhor Pr Esdras
Por favor
A igreja foi fundada nos dias do Ministério de Jesus ou no dia do Pentecoste?Alguns dizem que a igreja nasceu no Sinai,porque ali aparece a palavra para assembleia na língua hebraica.
Espero passar pela sua moderação dessa vez,pq o irmão nunca aprova meu comentários.
Suely
Sahlom
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