Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, é considerado um
dos grandes filósofos cristãos da era patrística (sécs. I – VIII d.C.) e o
teólogo mais profícuo e importante para a teologia do Ocidente. Nasceu em 354,
na cidade de Tagaste, província romana no norte da África. Filho de Patrício e
de santa Mônica, tornou-se maniqueísta e professor de oratória em Catargo. Por
influência de santo Ambrósio começou a ler o epistolário paulino; não muito
tempo depois foi batizado juntamente com seu filho Adeodato e seu amigo Alípio.
Após a morte de sua mãe retornou para a África, período que marca sua vida
contemplativa e seus estudos. Seu conhecimento tornou-se notório e, afamado,
foi sagrado bispo de Hipona em 395 d.C. Nesta diminuta cidade dedicou-se ao
exercício poemênico e ao labor teológico no campo da exegese e da sistemática,
bem como da filosofia e da alma humana. Mesmo após sua morte em Hipona, no dia
28 de agosto de 430, o legado agostiniano permanece vivo, necessário e
plausível à teologia do século XXI. Agostinho, Bispo de Hipona, Padre da Igreja
Latina e Doutor da Igreja (Doctor Gratiae) era um teólogo que se fez pastor; um
filósofo que se tornou místico; um poeta que se descobriu polemista; um
escritor que lia a Escritura; e um orador que ouvia a voz do Espírito!
Correntes pneumatológicas anteriores a Agostinho
1. Ortodoxa
As duas grandes preocupações da ortodoxia antes do
pensamento pneumatológico agostiniano referem-se à economia da salvação e ao
mistério de Deus. Para a ortodoxia “é da natureza do Pai, do Filho e do
Espírito que depende a realidade da salvação trazida aos homens”. Destacam-se
nesse período os seguintes teólogos:
a) Irineu de Lião (U
c.202) – Padre Grego: Denomina o Espírito Santo como a “sabedoria de Deus”.
Junto com o Filho, o Espírito constitui as duas mãos pelas quais o Senhor criou
o homem. Ele desvela a economia salvífica na qual a humanidade é consumada em
Cristo como cabeça da criação e é renovada segundo a imagem de Deus na Igreja
pelo Espírito. Afirmava que “onde está a Igreja, aí está o Espírito de Deus.
Onde está o Espírito de Deus, aí estão a Igreja e toda graça” (Adversus
haereses).
b) Tertuliano (U
c.220) – Padre Latino: Empregou o termo Trindade e desenvolveu a teologia
trinitária da Igreja Latina. Foi o primeiro a defender o papel autônomo do
Espírito como uma Terceira Pessoa distinta do Pai e Filho.
c) Orígenes (U
c.254) – Padre Grego: Afirmava que o Espírito é um ser consubstancial a Deus e
não uma força ativa procedente de Deus. Baseado em 1Co 12,11, afirmava que se o
Espírito atua e distribuiu os dons segundo à sua vontade, Ele não pode ser uma
força impessoal ou mera manifestação. Segundo Orígenes, o Espírito trabalha na
vida do crente, mas sua eficácia chega somente aos santos ou aos batizados para
que vivam em boas obras e permanecem em Deus.
d) Atanásio (U
c.373) – Padre Grego; Basílio Magno (U
c.379); Gregório de Nissa (U
c.394) e Gregório Nazianzeno (U
c.390) – Padres Capadócios: O Espírito é visto em relação à controvérsia ariana
que negava a divindade do Filho e consequentemente do Espírito. Para eles, o
Espírito é da mesma substância do Pai e do Filho e procede do Pai através do
Filho. É o Espírito do Pai e também do Filho. Portanto, o Espírito é Deus.
2. Heréticas
Até meados do séc. IV a divindade do Espírito não foi posta
em questão, mas à medida que a divindade do Filho fora colocada em dúvida a do
Espírito também passa a ser questionada. O Espírito é Deus ou uma força divina?
Ele é da mesma natureza de Deus? De que forma ele procede já que não é gerado?,
interrogavam.
a) Arianos: Aécio e Eunômio, da segunda geração dos arianos,
desenvolveram a partir de 357 o conceito de que o Espírito é a primeira
criatura do Filho, assim como o Filho é do Pai. O Espírito é inferior ao Filho
assim como o Filho é inferior ao Pai.
b) Trópicos (359-360): São ortodoxos quanto ao Filho, mas
afirmam que o Espírito não é consubstancial ao Pai e ao Filho.
c) Pneumatômacos: O Espírito é apenas uma força; um
instrumento criado por Deus para agir no homem e no mundo. A natureza do
Espírito é inferior à natureza do Pai e do Filho.
3. Da experiência à razão: o contributo de santo Agostinho
1. Situação em santo Agostinho: Quando o Bispo de Hipona
entra no cenário das controvérsias pneumatológicas, a fórmula trinitária já
havia sido largamente discutida pelos padres conciliares e definida pelos
Concílios de Niceia (325) e Constantinopla (381). Todavia a questão passara da
conciliação lógica da Trindade e da unidade divinas à sua conciliação
propriamente metafísica. Era necessário desenvolver uma teologia a respeito da
fé trinitária.
a) De
fide et symbolo (393): Comenta que a doutrina do Espírito ainda não fora, até
sua época, estudada com a mesma abundância que a das outras Pessoas. A
pneumatologia tem, por conseguinte, seu próprio estatuto e não se deve chamar o
Espírito de Pai e nem de Filho, mas de Espírito Santo.
b) De Trinitate (399-419): Desenvolve um estudo particular e
profundo de cada uma das Pessoas divinas, amplia o conceito de pessoa herdado
dos estoicos e acrescentado à Trindade e coloca na Terceira Pessoa da Trindade
uma doutrina original, descobrindo propriedades absolutas e irrepetíveis no Pai
e no Filho. Substitui o termo grego hypostasis pelo correspondente latino persona
(cf p.86-90). O que caracteriza a Pessoa divina, segundo o rapsodo, “é a
maneira pela qual ela se revela, o que não pode ser diferente do que ela é na
sua realidade” (p.87). Cada pessoa possui um caráter único. Assim, alguns dos
atributos que são comuns entre o Pai e o Filho e não os distinguem são
propriedades da essência. O Pai não é Pai senão do Filho, o Filho não é Filho
senão do Pai, mas o Espírito é Espírito de ambos (Pai: Mt 10,20;Rm 8,11; Filho:
Gl 4,6 Rm 8,9). O Espírito é comum ao Pai e ao Filho, a santidade comum, o amor
e a unidade. Essa comunhão é consubstancial e coeterna. O Espírito é Espírito e
amor das duas primeiras pessoas, procede delas, mas principalmente do Pai. O
Espírito é chamado de Dom de Deus, sendo este título também uma propriedade do
Espírito quando nos é dado. O Espírito, por conseguinte, é o princípio da
unidade da Igreja, pois Ele reúne o Povo de Deus na unidade. O centro da
eclesiologia pneumatológica agostiniana é: communio sacramentorum (sacramento
de comunhão), obra de Cristo, e societas sanctorum (sociedade santa).
2. O dogma da Trindade: Agostinho aborda o tema com
recursos metodológicos da hermenêutica bíblica de seu tempo. Sistematicamente
demonstra a igualdade e a unidade presentes entre o Pai, o Filho e o Espírito
Santo nas suas atuais relações intradivinas. Com o conceito de pessoa aplicado
ao Espírito, Agostinho o distingue do Pai e do Filho, mesmo que para isso
empregue recursos psicológicos pelo fato de não conseguir traduzir o mistério
adequadamente.
3. O Espírito Santo como Um da Trindade: Não há qualquer
subordinação, acidente ou diversidade, entre as Pessoas da Trindade. Ele
reconhece que é mais fácil falar da relação entre o Pai e o Filho do que
evidenciar a relação do Espírito com ambos sem que se perca a sua
singularidade. Caracteriza, portanto, as propriedades de cada Pessoa e acentua
que o Espírito é presente (donum; ver p.95-97; termo que se refere também à
missão do Espírito (p.94; e sua denominação como amor; p.96) do Pai e do Filho
e é comunhão (communio) entre ambos. O Espírito é igual em tudo ao Pai e ao
Filho, consubstancial, coeterno na unidade da Trindade. Deus revela-se, por
conseguinte, sempre trinitariamente.
4. Procede do Pai e do Filho – Filioque: Duas dificuldades
são suscitadas: a origem do Espírito e o conjunto das relações recíprocas das
três pessoas. Agostinho afirma que o Espírito procede do Pai e do Filho. “Como
Espírito de Deus e de Cristo, como dádiva do Pai e do Filho, como amor que une
a ambos, o Espírito procede do Pai e do Filho”, conclui (cf. p.92-94).
5. O Espírito Santo e a Igreja na visão de Agostinho: Três
características do Espírito são apresentadas como sendo semelhantes à missão
que o Filho delegou à Igreja: communio, caritas e donum (comunhão, caridade e
dom); mostrando assim, que é o Espírito que conduz a Igreja nos caminhos de
Cristo.
Conclusão
A contribuição agostiniana à Teologia do Espírito Santo
destaca-se não apenas por sua profundidade, mas também pelo fato de ele
repensar conceitos e vocábulos que já em seu tempo havia perdido a pujança e, por
isso, não respondia as novas indagações do seu tempo. O teólogo reconhece em
diversas ocasiões os limites da linguagem e dos sentimentos humanos para
expressar adequadamente o mistério. Embora a semântica do mistério trinitário
agostiniano tenha os seus limites, a Teologia Trinitária avançou muitíssimo
depois de sua arguta contribuição, sempre regada de sentimento, reverência e
humildade.
(Roteiro de estudo apresentado na aula de Pneumatologia no curso de Mestrado em Teologia da PUC, RJ. Baseado no texto original de KUZMA, Cezar Augusto. Da experiência à razão. A compreensão pneumatológica em Santo Agostinho in TEPEDINO, Ana Maria (org.) Amor e discernimento: experiência e razão no horizonte pneumatológico das Igrejas. São Paulo: Paulinas, 2007, p.73-9.)
Um comentário:
Bem que a CPAD poderia publicar uns livros de Agostinhos e dos outros "Pais " da Igreja...
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