Esdras
Costa Bentho
Parábola no Antigo e Novo Testamento
O termo grego parabolē (parabolh,) é traduzido com diversos sentidos no contexto do
Novo Testamento. Depois dos Evangelhos, somente o escritor aos Hebreus emprega
o vocábulo por duas vezes (9.9; 11.19), mas seu uso frequentemente está
relacionado aos ensinos de Jesus nos Evangelhos. Em Hebreus 9.9 o vocábulo é
traduzido por “alegoria” (ARC), “ilustração” (NVI), “parábola” (TB, ARA) e
“símbolos” (BP, TEB, BJ). Em Hebreus 11.19 a ARA traduz o vocábulo por
“figuradamente”, seguida pela NVI e ARC; a TEB por “prefiguração”; a BP lê
“símbolo” e a TB traz “figura”. Em Mateus 13.18 as versões traduzem literalmente
por “parábola”. Em Mateus 21.45 a ARC verte o vocábulo por “palavras” enquanto
a TB, ARA, TEB e a NVI mantêm o sentido literal “parábolas”. Os Evangelhos Sinópticos
(Mateus, Marcos e Lucas) usam o termo por quarenta e oito vezes, de acordo com na27 e gnt4:
parabola.j [4] Mt
13.53; 21.45; Mc 4.10,13;
parabolh, [3] Mc 4.30; Lc 8.11 [Hb
9.9; 11.19];
parabolh.n [26]
Mt 13.18,24,31,33,36; 15.15 (etc)
parabolh/j [3] Mt
13.34; Mc 4.34; Lc 8.4.
O vocábulo procede da preposição para (para,), isto
é, “ao lado de”, que expressa movimento “próximo a”; e de ballō (ba,llw), que
significa “lançar”, “jogar”, “pôr” ou “colocar”. O significado literal,
portanto, é “jogar ou lançar ao lado de”, e, por extensão, “comparar”,
“figura”, “parábola”. Parábola é a justaposição de “uma coisa ao lado de outra”
com a finalidade de comparar e ilustrar uma ou mais verdades.
Todavia, não se deve limitar a parábola as figura de comparação (metáfora, símile),
às figuras de contraste (ironia, eufemismo),
e às figuras compostas (alegoria,
fábula, enigma)1, mas antes entendê-la como artifício retórico de
argumentação análoga, usada como arguto recurso literário, didático e retórico
capaz de incluir várias outras figuras. A relação entre as figuras de comparação (o`moio,w) e a parábola (paraba,llw) está explícito em Marcos 4.30.
O próprio J.
Jeremias demonstrou a inutilidade de se tentar classificar rigidamente as
diferenças entre esses recursos retóricos e estilísticos, uma vez que o māšal inclui “toda sorte de linguagem
figurada”.2 Schottroff, no entanto, prefere limitar a parábola ao
contexto dos Evangelhos Sinópticos em vez de estudá-la em um sentido mais
amplo.3 Entendo que a preocupação da autora é fugir da limitação a que
os escritores ocidentais de tradição aristotélica sempre recaem ao considerar
esse recurso dentro do escopo da Retórica,
apenas como ilustração para facilitar a compreensão em assuntos de redobrado
esforço cognitivo.
Certo é que o emprego sinóptico discorda dessa maneira usual
de compreender a parábola. Em Marcos 4.11-13, por exemplo (ver Mt 13.13-17), a
parábola é usada com sentido completamente diferente, enigmático. Não é narrada
para explicar, mas para ocultar o sentido! Outros textos, como Lucas 4.23,
“Médico, cura-te a ti mesmo” (VIatre,( qera,peuson
seauto,n), traduzido pela ARC como “provérbio”,
como se tratasse de um mero aforismo, é uma parábola, de acordo com a tradição sinóptica
(ver 1Sm 10.12; 24.13; Ez 16.44).
Certamente equivale a um aforismo semelhante
aqueles que encontramos nos livros de sabedoria do Antigo Testamento, todavia,
melhor definido como uma parábola de caráter epigramático sintético e
que se presta a uma comparação direta ou metafórica. Percebe-se, portanto, que
o ensino parabólico é direto e simples, a fim de que toda audiência possa
compreender a insensatez ou a sabedoria demonstrada pelos atores parabólicos. Todavia,
a base para a compreensão do recurso parabólico na tradição sinóptica acha-se
não somente no Antigo Testamento, mas também nos escritos de Qumran e nos
pseudoepígrafos.4
Como afirmou Manson, a pesquisa a respeito da natureza
da parábola não deve se restringir “as obras dos retóricos ocidentais”, mas
sim, ao “Velho Testamento”5, como faz J. Jeremias ao descrever as
parábolas como uma forma de māšal.
Nesta categoria, Sellin, Fohrer e Vermes incluem uma variedade de ideias baseadas
na comparação: “máxima, provérbio propriamente dito, pronunciamento de
sabedoria, similitude e a assim chamada parábola-histórica, seja em prosa ou em
poesia”.6 De modo geral, o māšal
designa os gêneros literários da doutrina sapiencial do Antigo Testamento
empregados de modo elástico e abundante nas escrituras veterotestamentárias.
Não se pode negar a correspondência entre as duas tradições, semítica e
helênica, entretanto é necessário distinguir entre o modo de falar e a função da
parábola na primeira em relação à segunda. Àquela supera esta pela natureza
própria da mensagem que transmite.
Lembremos que no Antigo Testamento, a Septuaginta
(LXX) traduz o termo hebraico māšal (lv'm') por parabolē
(parabolh,); e que o vocábulo semítico é usado com frequência
para se referir aos “provérbios” (māšal) dos sábios (1Sm 24.13; Ez 17.2;
18.2; etc.).7 Em sentido lato, tanto o termo hebraico quanto o grego
significam “ditos de sabedoria”, ou “comparação com intenção didática”. O
significado restrito, por sua vez, quer dizer “comparação”, “correspondência”
ou “translação de sentido”, como se emprega geralmente em o Novo Testamento. Mas
as correspondências são epidérmicas e fugidias. As parábolas greco-romanas, de
acordo com Snodgrass, apresentam significativas diferenças das parábolas de
Jesus, embora algumas apresentem o mesmo padrão. Porém, o vocábulo māšal e parabolē como se
apresentam nas Escrituras tem um campo semântico superior ao uso comum
heleno-latino.8 Segundo Osborne, com exceção da parábola do Bom
Samaritano (Lc 10.25-37), as de Jesus são diferentes das mais 325 rabínicas e
também das parábolas helênicas.9
Essa estreita relação da parábola nos Sinópticos
com o māšal no Antigo Testamento
dificulta uma definição abrangente, uma vez que é necessário enfatizar o
conceito semítico sem, contudo, ignorar o ocidental. O especialista Snodgrass,
após extensa pesquisa, demonstrou a dificuldade de se definir correta e
completamente as parábolas pelo caráter multifacetado e amplo desse recurso
literário.10 C. H. Dodd também reconheceu a problemática.11 Stein reconhece que é difícil defini-la
e prefere enfatizar mais sua classificação juntamente com o gênero māšal; afirma
Em ambos
os casos, os termos podem referir-se a um provérbio (1Sm 24.13; Ez 18.2,3; Lc
4.23; 6.39); uma sátira (Sl 44.11; 69.11; Is 14.3,4; Hc 2.4); uma charada (Sl
49.4; 78.2; Pv 1.6); um dito simbólico (Mc 7.14,17; Lc 5.36,38); uma símile extensa
ou similitude (Mt 13.33; Mc 4.30,32; Lc 15.8-10); uma parábola histórica (Mt
25.1-13; Lc 14.16,24; 15.11-32; 16.1-8); um exemplo de parábola (Mt 18.23-25;
Lc 10.29-37; 12.16-21; 16.19-31); e, até mesmo, uma alegoria (Jz 9.7-20; Ez
16.1-5; 17.2-10; 20.49 – 21.5; Mc 4.3-9,13-20; 12.1-11).12
Apesar do aviso dos especialistas atrevo-me a conceituá-la
como: Recurso literário do gênero
narrativo e dito fictício que ilustra ou oculta uma verdade moral e religiosa
com o propósito de inserir o ouvinte-leitor dentro do enredo para que ele
atente para a advertência, o exemplo, a doutrina ou o comportamento que deve
ser apreciado ou rejeitado de acordo com o propósito da parábola.
Nesse aspecto é necessário que se entenda a parabolē como recurso importante e necessário aos
textos ou ensinos:
a) Admoestativos: isto é, que se propõem por meio de uma analogia ou comparação advertir de uma falta, aconselhar a uma
atitude, ou a exortar (2Sm 12.1-7; Mt
18.23s; Lc 12.16s; 16.1s, etc.);
b) Indicativos: ou seja,
que procuram impressionar o leitor-ouvinte a fim
de que sinta admiração, espanto ou repulsa concernente
algum ensino de caráter moral ou
religioso (Lc 7.40-43; 8.4-18; 16.1-13; etc.);
c) Atitudinais: pois tem
por objetivo levar o leitor e ouvinte a se posicionarem a favor ou contra uma
ideia, opinião ou verdade em uma controvérsia. O ouvinte-leitor, quando ouve ou
lê a comparação é conduzido a
decidir-se a favor ou contra aquilo que
está evidente na parábola (Mt 20.1-16; 21.28-32, etc.);
d) Aférese:
uma vez que o sentido está contido na descrição, mas oculto por supressão da
linguagem direta, provocando a suspensão do juízo por parte daqueles que não
tem empatia com a mensagem comunicada (Mt 13.13-17; Mc 4.11-13, etc.).
Entre as inúmeras pessoas no Antigo Testamento que
usaram este recurso, podemos citar como exemplo, ainda que não exclusivamente:
a) O Profeta Ezequiel: O profeta Ezequiel está entre os inúmeros
personagens bíblicos que fizeram uso desse recurso estilístico e didático, a
fim de comunicar uma mensagem parenética, nem sempre clara e acessível àqueles
que estivessem à margem dos contextos
político e religioso de seu tempo (cf. Ez 17.3-10; 19.2-9,10-14; 21.1-5;
24.3-5; cf. Is 5.1-7).
b) Os Sábios de Israel: As parábolas também eram usadas pelo povo, sábios e
profetas de Israel em forma de provérbios parabólicos (cf. Ez 18.1-3; Sl 78.2; ver 2Sm 12.1-14; 14.1-11; 1Rs
20.35-40).13 O propósito da parábola facilmente é visto quando
observamos o uso da figura nas mensagens e ensinos dos sábios e profetas. Uma
verdade ficava mais clara e inteligível ao povo quando era acompanhada de uma narrativa que
colocava a realidade a ser percebida com a história a ser contada.
De modo semelhante, com o emprego do método
parabólico para descrever o ensino e a mensagem do Reino de Deus, Jesus
pretendia tornar a realidade e verdades do Reino de Deus compreensível ao homem
de seu tempo, desde que esse respondesse positivamente ao seu ensino. Esta é a
principal razão pela qual repetidamente a parábola se inicia com o adjetivo e
derivados de homois (o[moij; Mt 13.24; 31, 44, 45, 47), traduzido por
“semelhante”, mas que também significa “da mesma natureza”, “igual” ou
“similar”. A similitude está na relação entre a narrativa e a coisa
exemplificada. Contudo, a eficiência da parábola, como atesta Manson, não
depende de sua “possível virtude ilustrativa”, mas da “reação” daqueles a quem
a parábola é dirigida.14
Esdras Costa Bentho é pedagogo, teólogo e mestrando em teologia pela PUC - RJ.
Esta breve introdução faz parte da nova edição de nosso livro Hermenêutica Contextual que será relançado em breve.
NOTAS
1. BENTHO, E.C. Hermenêutica fácil e descomplicada. 13.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2009,
p.321-324.
2. JEREMIAS,
J. As parábolas de Jesus. 10.ed.,
São Paulo: Paulus, 2007, Nova Coleção Bíblica, p.13.
3. SCHOTTROFF,
L. As parábolas de Jesus: uma nova
hermenêutica. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p.128.
4. Cf.
SNODGRASS, K. Compreendendo todas as
parábolas de Jesus: guia completo. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.80-103;
VERMES, G. A religião de Jesus, o judeu.
Rio de Janeiro: Imago, 1995, p.87-94; FLUSSER, D. O judaísmo e as origens do cristianismo. Rio de Janeiro: Imago:
2000 [vl.1], 2001 [vl.2], 2002 [vl.3].
5.
MANSON, T. W. O ensino de Jesus:
pesquisa sobre a sua forma e conteúdo. São Paulo: ASTE, 1965, p.76.
6.
VERMES, G. A religião de Jesus, o judeu.
Rio de Janeiro: Imago, 1995, p.87; SELLIN, E.; FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1997,
Nova Coleção Bíblica 6, vl.2, p.460.
7. Cf. Verberte: lv;m' (māshal). In: HARRIS, R. L. (et al). Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1998, p.889. Veja ainda, o vocábulo hd'yxi (hiîdâ), p.618,
cujo significado é enigma, parábola ou problema.
8.
SNODGRASS, K. Compreendendo todas as
parábolas de Jesus: guia completo. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.85-93.
9.
OSBORNE, G. R. A espiral hermenêutica:
uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.
372.
10.
SNODGRASS, K., Op.cit.
11. DODD,
C.H. As parábolas do Reino. São
Paulo: Fonte Editorial, 2010.
12.
STEIN, R. H. Guia básico para a
interpretação da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p. 143.
13. Veja
nossa discussão a respeito em BENTHO, E.C. Davi
na corte real: vivendo com sabedoria. In:
GONÇALVES, J. (et al.) Davi: as
vitórias e derrotas de um homem de Deus. 4.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2010,
p.35-56.
14. Cf.
MANSON, T. W. Op.cit., p.82.
2 comentários:
Ainda continuo lamentando a falta das opções de compartilhamento.
Jean Patrik
Ainda continuo lamentando a falta das opções de compartilhamento.
Jean Patrik
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