A prolação do grego bíblico
Uma das grandes contribuições da Renascença européia à cultura ocidental foi o interesse pela literatura clássica da Grécia e Roma. A filosofia e cultura heleno-latina foram estudadas copiosamente pelos artistas e filósofos humanistas. A concepção religiosa de Jerusalém cede lugar à cosmovisão secular inspirada nas ruas de Atenas e Roma. Era uma época de paradoxos para o cristianismo, pois ao mesmo tempo em que o humanismo provocava o distanciamento dos estudos teológicos, aproximava os estudiosos da pesquisa dos manuscritos gregos do Novo Testamento. O latim passa a ser substituído por línguas vernáculas nacionais e abandona-se a Vulgata Latina para a leitura dos manuscritos gregos.
Nesse período, dois humanistas cristãos se destacaram: o holandês Desidério Erasmo (1467-1536) e o alemão Johann Reuchlin (1455-1522), preceptor de Philipp Melanchthon. O primeiro foi o responsável pela elaboração e organização do Novo Testamento grego conhecido como Textus Receptus, usado por Lutero e João Ferreira de Almeida. O segundo, dedicou-se também ao estudo do grego e do hebraico, elaborando tratados que auxiliassem o estudante devoto nas línguas originais.
Pronúncia erasmiana. Porém cada um dos humanistas defendia uma leitura do grego diferente. Reuchlin aprendera o grego com professores nativos e defendera a leitura da koinē neotestamentária em idioma moderno. Erasmo, entretanto, por meio do estudo comparativo dos manuscritos, erros dos copistas entre outros instrumentos lingüísticos, propôs uma outra pronúncia do grego koinē. A prolação "erasmiana", como ficou conhecida, respeitava a pronúncia individual das vogas breves e longas, e o valor sonoro distinto de cada signo do alfabeto grego. A ortoépia ensinada por Erasmo também foi chamada de etacismo pelo fato de pronunciar o ēta (ē) diferentemente do iōta (i).
Pronúncia iotacista. Todavia, a prosódia do grego ensinada por Reuchlin seguia as mesmas regras do grego moderno, assim como os helenos hodiernos continuam a fazê-lo. A de Erasmo, no entanto, percorria caminhos diferentes, de acordo com as pesquisas do humanista holandês. A pronúncia transmitida por Reuchlin, chamada de iotacismo, por identificar a vogal longa ēta (ē) com o iōta (i), fora ensinada pelo erudito Manuel Crisolvas em Florença. O iotacismo foi difundido na Alemanha através da gramática grega elaborada por Melanchthon, sobrinho de Reuchlin.
Críticas. Porém, o juízo crítico pede ao estudante do grego neotestamentário para que julgue os fatos e não dogmatize entre uma pronúncia e outra. Por meio da crítica textual, descobriu-se o fragmento de um manuscrito antigo, atribuído ao cômico Aristófanes, que grafa o balido da ovelha como: "βη... βη... βη". Seguindo a ortoépia sugerida por Reuchlin e do grego moderno, o balido da ovelha seria "vi...vi...vi", enquanto, na erasmiana "bē...bē...bē". De acordo com os helenistas modernos, o grego seja clássico seja koinē, jamais foi pronunciado como os dois humanistas pretenderam. No Brasil, os seminários e faculdades teológicas em sua maioria ensinam à pronúncia erasmiana, pronúncia também seguida pelo manual de introdução ao grego neotestamentário que estou elaborando, já em fase de conclusão.
Contudo, na Europa, principalmente na França, os helenistas e lingüistas já ensinam a "pronúncia reconstruída" – uma tentativa de aproximar-se da prosódia e ortoépia do grego antigo. Já o gramático espanhol e professor de grego bíblico, A. Septién, em sua opus magna, Grego Bíblico ao Alcance de Todos, ensina a prolação do grego neotestamentário conforme a pronúncia moderna. Provavelmente ainda ocorram muitos avanços e retrocessos no estudo do grego clássico ou bíblico.
20 comentários:
Gostaria de sugerir à CPAD (aliás, já o fiz em outras ocasiões) a colocação da pronúncia e/ou da transliteração nas citações das palavras gregas e hebraicas, nos periódicos. Dá uma dor no coração ouvir a pronúncia de tais termos por professores de EBD, por exemplo, que não possuem formação teológica. A CPAD deveria suprir a lacuna.
seria muito bom se os lideres, criassem cursos para ensinar pelo menos o básico o grego e hebraico, nas varias regióes do país.
Importante post pastor Esdras. Cada vez mais sinto vontade de conhecer os idiomas originais das Escrituras. me interesso muito também por manuscritologia bíblica.
Parabéns pelo post. Bastante informativo e edificante.
Um grande abraço.
Obs: Ressalto que foi um prazer tê-lo conhecido pessoalmente na 14° Conferência em Macapá.
A Paz do Senhor!!
Kharis kai eirene
Prezado Daladier suas observações são oportunas. Entretanto, a tendência de Lições Bíblica (Aluno) na maioria das vezes é simplificar ou omitir as palavras ou expressões originais em função das diferenças educacionais da igreja brasileira. Todavia, na Lição Bíblica de Mestre, ainda que acanhadamente, tentamos despertar no professor o interesse pelo estudo das línguas originais. Ainda estamos no início do processo (que é lento e demorado), mas acredite lograremos êxito. Algumas iniciativas, como por exemplo, a do Pr. Altair Germano, que ministra curso de grego para os professores da ED, devem ser espalhadas e copiadas. Mas ainda levaremos algum tempo, pois até mesmo os cursos de bacharelado em teologia (nas ADs) têm omitido o estudo das línguas originais em boa parte do Brasil.
Um abraço
Kharis kai eirene
Prezado "anônimo", grato pela sua participação em nosso blog. Tenho ministrado alguns cursos de grego em algumas igrejas Assembléias de Deus para obreiros e professores (as) da ED.
Acreditamos que, com empenho daqueles que estudam as línguas originais,interesse dos pastores e superintendentes, como também dos diretores de seminários locais, teremos possibilidade de expandir o estudo dos idiomas originais da Bíblia Sagrada.
Um abraço
Kharis kai eirene.
Prezado Victor, a recíproca é verdadeira. Conhecer os caros blogueiros foi uma honra; está naquela maravilhosa e acolhedora cidade foi um outro privilégio.
Quanto ao estudo do grego e da manuscritologia das Sagradas Escrituras, ainda há tempo. Temos ótimas obras e cursos no Brasil que podem auxiliar o ledor interessado.
Estamos concluíndo uma obra que se destina aos principiantes no grego neotestametário. Esperamos que acrescente aos inúmeros livros já editados no Brasil.
Um abraço
Pr. Esdras,
Sempre fico alegre ao acessar seu blog. Na verdade, fico atento para ler uma nova postagem.
Parabéns pelo seu belo trabalho e pela oportunidade que concede aos internautas de conhecer suas pesquisas/estudos. Digo isso pois alguns teólogos não pertem um grande público ter acesso as suas pesquisas.
Estamos nos enriquecendo com essa fonte!
Celson Coêlho
www.ebqrecife.blogspot.com
Kharis kai eirene
Prezado "ebqrecife", Celson Coêlho, muito obirgado por suas palavras motivacionais. Espero colocar várias outras pesquisas disponíveis.
Um abraço
Kharis kai eirene
Prezado Eduardo, obrigado por sua participação no Teologia & Graça. Já estive em outra ocasião participando de um debate em seu blog.
Estarei conferindo mais uma vez esse exceclente post.
Um abraço
Esdras Bentho
Dispusemos para a EBD em Abreu e Lima o primeiro curso de grego e hebraico, onde lecionamos as duas matérias. Oportunidade provida pelo pastor Altair Germano, superintendente. O curso obteve excelente participação. Obviamente, é necessária sua continuidade, o que não aconteceu por dificuldades diversas, sendo a principal tempo disponível.
Abraços!
Kharis kai eirene
Prezado Daladier, lamentamos que essa tão nobre iniciativa não continuou por muito mais tempo. Se Deus assim permitir, em momento oportuno, Deus abrirá uma nova oportunidade para vocês continuarem com esse projeto.
Um abraço
Esdras Bentho
Graça e Paz
Parabéns pelo blog e que o Senhor Jesus continue-o abençoando. Convido-o a ler meu recente post “Porque nem todos os que são de Israel são israelitas” de meu blog *Entendes tu o que lês?*/ http://eduneves.blogspot.com/
Um abraço!!!
Eduardo Neves.
“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens,” Tito 2:11
Kharis kai eirene
Obrigado pela participação!
Pastor Esdras,
A paz do SENHOR.
O que o senhor tem a dizer dos últimos versículos do Evangelho de Marcos(16.9-20) ? fazem parte do cânon ? E quando será lançado essa obra sobre o grego ? vai ser pela cpad ?
Kharis kai eirene
Prezado irmão Joabe, já fiz a exegese deste texto. Estou procurando em meus arquivos e assim que eu encontrar envio para o amigo. Se não estou equivocado, em meu livro Hermenêutica Fácil e Descomplicada eu discuto essa perícope, apresentando os manuscritos que omitem e incluem esses versículos.
Um abraço
Esdras Bentho
Pastor Esdras,
A paz do SENHOR.
Pretendo adquirir Hermenêutica Fácil e Descomplicada no próximo mês, em virtude que pretendo adquirir conhecimento em relação a interpretação Bíblica. Já li Moises Silva, Louis Berkoff e Gordon Fee e a próxima leitura pretendo ser suas obras. E em relação ao livro que o senhor vai escrever sobre o grego , quando será o lançamento ? Quanto a exegese de Mc 16.9-20, se preferir pode mandar para o meu e-mail : joabeinacio@hotmail.com
Um abraço,
Joabe
Paz do Senhor Pr Esdras,
Fico entusiasmado ao ver postagens como essas, o conhecimento da palavra de Deus e tudo o que ela envolve são ferramentas essenciais para nossa edificação, dos que nos ouvem e para a defesa da nossa fé.
Pretendo suprir minha falta de conhecimento nessa área e seu blog tem sido um motivador para mim e tantos outros.
Um abraço.
João Paulo
www.joaopaulo-mendes.blogspot.com
Só valeria observar, também, que o iotacismo não é somente fruto de uma aproximação da pronúncia do grego antigo à do moderno. Tenho visto muitos erros de copistas em manuscritos bem antigos que indicam a prática da pronúncia do eta como iota em tempo bem antigo.
Um abraço,
Cesar
Ειρηνη και χαρις Pastor Esdras! Gostei muito do teu artigo. Eu tirei muitas dúvidas com relação a pronuncia de Erasmo. Parabéns pelo blog. :-)
Mestre Esdras, sou assembleiano e pentecostal. Estou procurando aprender a língua grega exatamente para ter uma compreensão melhor do N.T. Iniciando o curso me deparei com esta questão: Etacismo x Iotacismo! Foi então que nos informaram que o curso seguiria à pronúncia iotacismo. Perguntei se afetaria na interpretação, me informaram que não; é apenas uma questão de pronúncia. Sinto-me constragido em pronunciar o grego iotacista em uma denominação que segue o etacismo.
Postar um comentário