Exórdio
O capítulo 1 está dividido em dois parágrafos principais (vv.1-11; 12-18). Os versículos 10 e 11, que formam um novo parágrafo na ARC, são apenas um intermezzo que introduz o parágrafo segundo. Tratam da ordem de Josué aos príncipes do povo para prepararem o acampamento para atravessar o Jordão. A primeira seção trata da vocação de Josué (vv.1-11), enquanto a segunda, dos preparativos para atravessar o Jordão (vv.12-18).
Comentário
Embora Moisés seja considerado pela tradição judaico-cristã, profeta e líder de Israel, é chamado por Deus tão somente de 'ebed, "escravo" ou "servo": "Moisés, meu 'ebed, é morto" (v.2). Todavia, esse era o título daqueles que alcançaram diante de Deus aprovação pela sua obediência e fidelidade irrestrita ao Senhor. Para a congregação de Israel, o 'ebed Yahweh era o representante teocrático entre eles. Suas palavras são as palavras de Yahweh; Seu governo é o governo de Yahweh.
O preâmbulo evidencia duas particularidades de Josué:
a) Josué servo ou discípulo de Moisés (v.1). Antes servira a Moisés com fidelidade (Êx 24.13; 33.11), agora é o momento de ser elevado à categoria de 'ebed Yahweh. Josué não será mais conhecido como mešārēt Mōsheh, isto é, o “servidor de Moisés”, mas 'ebed Yahweh. Há uma estreita relação entre os termos 'ebed e mešārēt, mas nestes versículos são usados para distinguir o relacionamento de Josué com Moisés e de Moisés com o Senhor Deus.
b) Josué é o novo profeta de Israel – o Senhor fala a Josué, assim como falava com Moisés. Na condição de "servo de Deus", no lugar de Moisés, Josué também assume a responsabilidade de ouvir a vontade de Deus e transmiti-la ao povo de Israel, na qualidade de servo e na condição de profeta de Deus. Assim, Josué à semelhança de Moisés, recebe do Senhor graça e misericórdia para estar diante do Eterno. Esta nova posição não era apenas natural diante de todo o povo, mas também espiritual, diante do próprio Deus. Se esta é a condição do ‘ebed, imagine a grandeza daqueles que em vez de δούλος (doulos), servos, escravos, são chamados de φίλους (philos), amigos íntimos (Jo 15.15). Josué foi alçado ao nível da intimidade.
Nesta vocação Deus anima a Josué para a árdua tarefa de conduzir o povo à conquista de Canaã, “dispõe-te”, do hebraico qûm, literalmente quer dizer “ergue-te”, “fique em pé”. Embora não esteja explícita a forma como Deus falou com Josué, sabemos que, no mínimo, foi através de uma teofania audível. O imperativo "levanta-te", neste episódio, talvez seja uma sinédoque. É possível que Josué estivesse ouvindo ao Senhor de forma reverente, com o corpo inclinado, como era costume, mas isso não se pode afirmar categoricamente, pois o oposto também é verossímil em outras partes do próprio livro. Todavia, o imperativo categórico pode ser entendido tanto como uma ordem expressa para "levantar" o acampamento rumo à Canaã, como também referir-se à postura física de Josué. Prefiro entender uma relação estreita entre essas duas possibilidades, como um oráculo por ação: levantando-se Josué, o povo "levanta" o acampamento e segue sua marcha triunfante, como ocorre em 3.1: "Levantou-se, pois, Josué de madrugada, e partiram de Sitim". O versículo 2 parece corroborar com nossa interpretação: "passa este Jordão, tu e todo este povo".
É nesta simples, mas significativa posição, que o Senhor faz promessas ao seu ‘ebed: “Todo lugar que pisar a plante do vosso pé, vo-lo tenho dado” (v;4). Expliquei com minúcias o hebraísmo “pé” em nossas duas obras, Hermenêutica e a Família no Antigo Testamento. Aqui, o sentido do hebraísmo, como ocorre em muitas outras passagens, é de posse, de vitória.
Aos ouvidos do grande líder, a promessa divina soava como uma sinfonia beethoviana: “Não te deixarei”. Do hebraico rāpâ, o verbo “deixar” é ipsis verbis “afundar”, “deixar cair”, “desanimar”. Enquanto Josué se erguia, o Eterno lhe falava: “Não te deixarei afundar, desanimar, cair”. A Septuaginta (LXX) traduziu a expressão por “Eu não te deixarei em apuros”. “Nem te desampararei”, do hebraico ‘āzab, “desamparar” é “abandonar”, “deixar desolado”.
“Sê...corajoso”, oriundo da raiz ‘āmēts, quer dizer “ser valente”, “ser duro”, “ser alerta”. A LXX traduz por “Comporta-te como homem”. O termo hebraico 'āmēts, ocorre 117 vezes em todo o Antigo Testamento, sendo repetido 4 vezes por Deus no livro de Josué, referindo-se ao próprio protagonista da história da conquista. Moisés emprega a palavra duas vezes ao seu ajudante (Dt 31.7,23). O termo descreve o quanto a tarefa de conduzir o povo à conquista iria exigir do caráter e das aptidões de guerra do novo líder (v.6). Uma das formas hebraicas deste verbo significa “mostrar força”, “mostrar-se superior a”. Josué precisava, como servo do Altíssimo, inspirar os seus soldados através de seu exemplo de coragem, audácia, individualidade e vitória. A vitória estava garantida, mas era necessário entrar nas chamas da batalha!
"Assim como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei"; "Sê forte e mui corajoso..." (v.7). Todavia, a perícope não salienta a coragem para a guerra somente, mas "Sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés de ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares" (v.7). Perceba, ser valoroso não para a contenda, discórdia, guerra contra a "carne e sangue", mas para cumprir os mandamentos divinos!
Vejamos se consigo descrever adequadamente o sentido do termo hebraico śākal, traduzido por “bem-sucedido”. Embora seja uma boa tradução do termo hebraico, há um jogo semântico neste vocábulo. Ele tanto pode significar “para que sejas sábio”, como também “para que sejas próspero”, ou ainda “para que ajas sabiamente”. Cabe ao tradutor escolher qual dessas traduções relaciona-se melhor ao contexto literário. A ARC traduz por “para que prudentemente te conduzas”, tradução seguida com ligeira modificação pela Bíblia Hebraica. O sentido mais estrito de śākal é “agir com a inteligência e sabedoria”. Louis Goldberg, no Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (p.1478), afirma que este “vocábulo designa o processo de pensar como uma disposição complexa de pensamentos que resultam numa abordagem sábia e bastante prática do bom senso. Outra conseqüência é a ênfase no ser bem-sucedido”.
Preparativos para atravessar o Jordão (vv.12-18)
Os preparativos para atravessar o Jordão, embora estejam mais explícitos na segunda seção, fora antecipado na comissão e missão de Josué nos versículos anteriores. Especificamente o versículo 2 ordena: "passa este Jordão, tu e todo este povo". "Passar o Jordão" na época das enchentes era um desafio, uma preocupação. O povo de Israel, acampados próximos ao Jordão, provavelmente aguardava cessar o período das cheias do rio para seguir à marcha. Os povos do outro lado do Jordão estavam despreocupados com esses beduínos, jamais imaginariam que uma trupe de fugitivos, mulheres e crianças, se aventurariam atravessar o rio Jordão nesse tempo.
Os preparativos à travessia do Jordão iniciam com duas ordens diretas de Josué: uma aos príncipes para que ordenem ao povo a tomarem todas as providências necessárias para a travessia do Jordão; e outra aos rubenitas, gaditas e a meia tribo de Manassés, a fim de que auxiliem as outras tribos na conquista dos territórios a elas prometidas. Essas tribos, que ficavam ao leste do Jordão garantiriam aos seus irmãos, por meio de seus guerreiros, a conquista de outros territórios.
18 comentários:
Muito bom! Precisamos de mais gente na igreja brasileira procurando extrair o significado e as lições do texto bíblico do que procurando colocar nele seus próprios preconceitos e impressões! É simplesmente uma delícia se expor ao que a Bíblia diz...
Valeu, estimado pastor. Que riqueza são os comentários que são escrito neste blog, eu aprecio a todos, pois possuem uma riqueza teológica muito grande, principalmente para aqueles que não tem condições de adquirir literaturas constatemente.
Deus continue te enriquecendo com esses comentários maravilhosos!
Li o comentário sobre o primeiro capítulo de Josué e achei que há um certo exagero na recorrência aos termos originais hebraicos. Não resta dúvida de que a compreensão exata de alguns trechos depende profundamente da compreensão dos termos originais, porém muitas vezes, no seu texto,a citação do original não acrescentou muita coisa, foi redundante. Também gostaria de fazer alusão a um conceito gramatical que achei inapropriado. O senhor diz no trecho "Note o pronome na primeira pessoa "teu Deus" (vv. 9,17), em contraste com o possessivo na segunda pessoa "vosso Deus" (vv.10,13,15." Na verdade, em "teu Deus", não há primeira pessoa. O termo "teu" é pronome possessivo de 2ª pessoa, como o "vosso". A diferença é que "teu", é singular, e "vosso", plural. No geral, entretanto, o texto é bom (salvo as execeções que citei) e gostaria de parabenizá-lo. Que Deus continue abençoando seu ministério.
Kharis kai eirene
Prezado Marcos, obrigado pelo incentivo. Tentamos, sempre que possível, fazer uma exegese do texto da Leitura Bíblica em Classe, afim de auxiliar o professor da ED.
Um abraço
Esdras Bentho
Kharis kai eiren
Caro irmão Ezequiel obrigado por sua particpação no Teologia & Graça e também pelo incentivo.
A web é uma ótima ferramenta para pesquisa, mas é preciso selecionar sites e blogs confiáveis para fazer as pesquisas.
Um abraço
Esdras Bentho
Kharis kai eirene
Prezado(a) anônimo(a), muito obrigado por sua participação no Teologia & Graça. Sou grato por sua crítica, muito construtiva e arguta. Espero que "passe" pelo nosso blog sempre que puder, a fim de auxiliar-nos a melhorar a redação dos artigos, como também expor os nosso excessos. Obrigado.
Lamento pelo cochilo e descuido quanto ao emprego de "teu" e "vosso", o prezado colaborador está com toda razão. Foi um descuido plebeímico. Amanhã mesmo irei corrigir a sentença. Quanto ao excesso dos termos hebraicos, desejo que saiba que concordo com suas observações e costumo ensinar aos nossos alunos a não usar as línguas originais indevidamente, principalmente quando a tradução brasileira capta maestricamente o sentido original. O "excesso" foi bem-intencionado.
Mais uma vez obrigado, e serei mais cuidadoso.
Um abraço
Esdras Bentho
Kharis kai eirene
Prezado(a) anônimo(a), muito obrigado por sua participação no Teologia & Graça. Sou grato por sua crítica, muito construtiva e arguta. Espero que "passe" pelo nosso blog sempre que puder, a fim de auxiliar-nos a melhorar a redação dos artigos, como também expor os nosso excessos. Obrigado.
Lamento pelo cochilo e descuido quanto ao emprego de "teu" e "vosso", o prezado colaborador está com toda razão. Foi um descuido plebeímico. Amanhã mesmo irei corrigir a sentença. Quanto ao excesso dos termos hebraicos, desejo que saiba que concordo com suas observações e costumo ensinar aos nossos alunos a não usar as línguas originais indevidamente, principalmente quando a tradução brasileira capta maestricamente o sentido original. O "excesso" foi bem-intencionado.
Mais uma vez obrigado, e serei mais cuidadoso.
Um abraço
Esdras Bentho
Prezado irmão Esdras, somos paraibanos e ficamos muito felizes em saber que um conterrâneo nosso está sendo usado por Deus para abençoar milhares de vida, a propósito seremos acompanhantes assíduos do seu blog, muito edificante, que o nosso Senhor Jesus continue te abençoando, Os jovens da Assembléia de Deus em Patos estarão acompanhando o seu blog.
Kharis kai eirene
Prezado irmão Cleston, temos muitos amigos paraibanos. Quando estive ministrando bibliologia no CAPED em Campina Grande, gostei muito. Depois de trinta e oito anos retornei a essa magnífica cidade. Não deu para rever alguns parentes, ou melhor, ver, uma vez que eu não os conheço, mas foi uma viagem muito gratificante. Gostei muito de uma comigo, "cabeça de galo", Ótimo.
Continue conosco e um abraço.
Esdras Bentho
Caro Esdras,
li os comentários que fez sobre os textos que publico no blog. Muito obrigado por ler e comentar. Queria escrever para ti, mas não encontrei teu email. Pesquisei e encontrei teu blog. Por favor, informe seu email assim poderei, quando for necessário, entrar em contato. O meu email é: antoniozai@gmail.com
Obrigado.
Abraços e tudo de bom,
Ps.: de desejar, pode excluir este comentário... o objetivo foi apenas entrar em contato.
Quero parabeniza-lo pela qualidade do seu blog.
Deus o Abencoe ricamente!
E a primeira vês que acessei seu blog e achei muito interessante e importante, certamente irei acessá-lo novamente.
Portanto o parabenizo, sei que seu blog irá nos ajudar muito.
A Paz do Senhor Jesus.
Kharis kai eirene
Prezado Kleber, obrigado por sua participação em nosso blog. Espero, sim, que retornes ao Teologia & Graça.
Obrigado pela palavras motivacionais.
Um ABRAÇO
Esdras Bentho
Kharis kai eirene
Prezado professor Ozaí, obrigado pela participação e pelo interesse. Demorei em responder em função de algumas atividades. Enviarei um e-mail de agradadecimento.
Obrigado
Kharis kai eirene
Prezado Pr.Jonathan Rangel, obrigado por suas palavras motivacionais e participação em nosso blog.
Sempre que desejar participe.
Um abraço
Esdras Bentho
Muito bom
Hoje, 26 de junho de 2014, por acaso, descobrir esta mina de ouro é uma descoberta que não se tempalavreas para descrever a riqueza da sua glória Bendito seja Deus, obrigado pela riqueza a nós concedida através de seus servos, que Deus continue abençoando-os com saúde, longevidade de vida extraordinário Deli Gonçalves Ibirataia/BA
graça e paz
sou professor da EPOS em Joinville, quando você morou em Joinville participei de vários seminários em que você ministrou, saudades desta época.
Sempre indico sites para pesquisas biblicas para meus alunos, e com certeza indicarei este tambem.
abraço.
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