DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Pneumagiologia no Evangelho de Lucas




Na vida dos personagens do Evangelho

Além da cristologia apresentada por Lucas, ele dá uma especial proeminência a doutrina do Espírito Santo, isto mais do que Mateus e Marcos adicionados. Todas as principais personagens do Evangelho, como João Batista (1,15), Maria (1.35), Isabel (1.41), Zacarias (1.67), Simeão (2.25,26), e o próprio Jesus (4.1), todos tinham o poder do Espírito Santo para a obra. Essa ênfase sobre a vida no Espírito Santo é uma peculiaridade apenas do Evangelho de Lucas. O Espírito Santo é mais citado no Evangelho de Lucas do que em Mateus e Marcos, mesmo que as ocorrências nos dois sejam somadas, o mesmo pode se dizer a respeito do quarto Evangelho. No início do Evangelho, Lucas refere-se ao Espírito Santo como o “poder do Altíssimo” (1.35) e no final Ele é o “poder do alto” prometido (24.49), e no livro de Atos o Espírito Santo é “Deus presente e atuante em seu povo” (At 5.3-4).

Na vida de Jesus
Entre o início (1.35) e o final do Evangelho (24.49), o Espírito Santo é citado particularmente em relação à vida e obra do Senhor Jesus. O ministério de Jesus e o seu ensino são enfatizados em relação a dependência humana de Jesus do Espírito Santo para realizar a missão determinada por Deus. A vida inteira de Jesus era dirigida pelo Espírito Santo. Foi concebido pelo Espírito (1.35), batizado pelo Espírito (3.22), provado pelo Espírito (4.1), foi-lhe dado poder pelo Espírito para o seu ministério (4.14,18), exultante pelo Espírito (10.21), e esperava que seus discípulos completassem sua obra no poder do Espírito (24.49).
Outra peculiaridade significativa de Lucas é que mesmo quando este trata de assuntos congêneres aos Sinópticos, ele tece considerações singulares sobre a atividade do Espírito Santo no ministério de Cristo. Encontramos essa ênfase nos seguintes episódios:

a) Gestação sobrenatural de Jesus
Tanto Lucas quanto Mateus, narram sobre a gravidez sobrenatural de Maria como um fenômeno operado pelo Espírito Santo. Entretanto, Mateus descreve o fato concluído enquanto Lucas indica o processo pelo qual o ato foi realizado, com destaque singular para a ação do Espírito Santo:“Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra, por isso também o ente santo que em ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (1.35).

b) Tentação e regresso do deserto
Todos os Sinópticos narram a tentação de Jesus, mas somente Lucas acrescenta que Jesus estava cheio do Espírito Santo: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo Espírito, no deserto” (4.1). Somente Lucas registra que Jesus regressou para a Galiléia no poder do Espírito Santo: “ Então, Jesus, no poder do Espírito regressou para a Galiléia, e a sua fama correu por toda a circunvizinhança” (4.14).

c) Alegria no Espírito Santo
Embora Mateus faça menção em 11.25-27 da exultação de Jesus ao Pai em relação aos humildes, apenas Lucas (10.21) registra que Jesus exultou no Espírito Santo: “Naquela hora, exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra...”. O vocábulo grego “agalliaō” significa “extrema alegria”, “estar cheio de alegria”, mas esta alegria é “no Espírito Santo” (en tō pneumati tōi hagiō) que indica que esse estado não era procedente da natureza humana de Cristo, como se fosse um estado psicológico vulgar, ou muito menos uma reação química do soma (corpo). Trata-se, como a forma dativa
[1] acentua, uma alegria “no Espírito Santo”. Isto quer dizer que a natureza humana de Cristo estava extraordinariamente associada ao Espírito Santo; a alegria que Ele sentia era procedente do Espírito Santo, ao mesmo tempo em que era através do mesmo Espírito que essa alegria se expressava. Era “no Espírito Santo” e “pelo Espírito Santo”.

Ensino no Espírito Santo
O ministério de Jesus na Galiléia é o marco do desenvolvimento da missão didática e de poder de Jesus (4.14). Ao compararmos o relato dos Sinópticos (Mt 13.54-58; Mc 6.1-4; Lc 4.16-30), percebemos que apenas Lucas registra a leitura do rolo de Isaías (61.1,2) e a aplicação que Jesus faz da perícope a si mesmo na assembléia litúrgica reunida numa manhã de sábado em Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor” (4.18-19).
[2]
O retorno de Cristo a Galiléia é marcado pela imersão deste na unção do Espírito Santo: no batismo e no deserto – Jesus estava “cheio do Espírito Santo” (4.1), Jesus regressa a Galiléia “no poder do Espírito Santo” (4.14). Tanto a preposição en quanto o artigo , traduzido por “no”, estão no caso dativo que indica que Jesus foi guiado pelo próprio Espírito Santo à Galiléia – movia-se pelo e para o Espírito Santo conforme 4.1: “... e foi guiado pelo mesmo Espírito...”.
Em Nazaré, cidade da Galiléia, Jesus expõe o sentido real e histórico do texto e o seu cabal cumprimento: “Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” (4.21). Jesus dispensa as rotineiras exposições do conteúdo profético da perícope e afirma que o anuncio das boas-novas aos pobres pelo Messias é uma realidade! Ele é o profeta de Deus.
Dois vocábulos preparam a trama desenvolvida pelo restante do versículo: ungiu e enviou-me, respectivamente procedente de chriō [3] (ungir) e apostellō [4] (enviado), dois termos comuns à descrição do ministério e ofício de Cristo: Ungido e Apóstolo (Hb 3.1. No Salmo 45.6-7 a unção é acompanhada por uma transmissão especial do kābôd, que concedia autoridade, força, honra e a capacidade de agir conforme o poder de Deus na vida de seu representante régio. A unção do Espírito em Jesus habilitava-o para agir como representante autorizado de Deus (apostellō) “para evangelizar os pobres”.
Assim sendo, a unção é combinada com a função de apóstolo. Jesus foi ungido para ser enviado “para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor”. Por diversas vezes, Jesus afirmou ser enviado pelo Pai (Mt 10.40; Jo 20.21; Gl 4.4).
Ele é o Cristo-Apóstolo de Deus a favor dos homens. Uma das principais funções do Espírito Santo é convencer o homem de que Jesus é o Ungido de Deus, pois: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo (Ungido) é nascido de Deus” (1 Jo 5.1). A primeira operação milagrosa de Jesus registrada no terceiro Evangelho está de conformidade com 4.18: a cura de um endemoninhado em Cafarnaum.
A temática precípua do ministério de Jesus segundo a narrativa lucana é que Jesus realiza os milagres através da ação do Espírito Santo. Para tornar essa assertiva incontestável é necessário acompanharmos a narrativa lucana concernente a atuação do Espírito Santo no ministério de Jesus. Apesar dos outros dois Sinópticos apresentarem a cura do endemoninhado mudo e a blasfêmia dos fariseus (Mt 12.22-32; Mc 3.20-30), apenas Lucas refere-se ao Espírito Santo através do hebraísmo “dedo de Deus” (daktylō Theou). A expressão é basicamente veterotestamentária, encontrada em diversos textos, especialmente em Êxodo 8.20 e Deuteronômio 9.10.
O primeiro texto refere-se ao contexto das pragas sobre o Egito no momento em que os magos anunciam a Faraó a incapacidade de realizar a praga dos piolhos mediante as ciências ocultas ou magia, referindo-se ao episódio como “o dedo de Deus”. O seguinte descreve a escrita das tábuas da Lei através do “dedo de Deus”. O termo hebraico 'etsba, literalmente “dedo” é um hebraísmo que se refere ao trabalho habilmente realizado: “Quando olho para os teus céus, obra dos teus dedos...” (Sl 8.3). O idiomatismo também se refere ao poder e a autoridade como algo foi realizado, apontando exclusivamente para o agente: “dedo de Deus”. O “dedo de Deus” é a expressão metafórica onde está em conluio a causa e o efeito: “Deu-me o Senhor as duas tábuas de pedras escritas (efeito) com o dedo de Deus (causa)”; “Então, disseram os magos a Faraó: Isto (pronome demonstrativo que aponta o efeito: a praga dos piolhos) é o dedo de Deus (a causa).
Esse semitismo é uma metonímia do vocábulo “mão”, outro termo que descreve o poder de Deus. A expressão pode ser traduzida por “poder de Deus”, visto estar inserido o poder ou a autoridade com que Deus realiza as suas obras.
Para compreendermos a tessitura do texto, a trama vívida que desenvolve as palavras de acordo com o ritmo análogo à emoção do literato, precisamos desdobrar a análise em dois movimentos principais: o primeiro da sinédoque e o último do contexto veterotestamentário. No primeiro caso, Lucas diferente dos outros Sinópticos, prefere a sinédoque “dedo de Deus” para substituir o agente pessoal do milagre, o Espírito Santo. O segundo alude ao evento libertador de Êxodo 8.15, onde os milagres de Moisés, inicialmente questionados e imitados através das magias, são finalmente reconhecidos pelos magos de Faraó como obra do “dedo de Deus”. Assim, a descrição lucana apresenta a narrativa correlata aos eventos pré-libertadores do Êxodo, em que Cristo é o novo Moisés que realiza as portentosas obras através do “dedo de Deus”, que no terceiro Evangelho equivale ao Espírito Santo (Hb 3).

Como Lucas identifica a humanidade de Jesus?

Nascimento
Lucas registra o fato de que Jesus é homem em sua essência. Comparado aos outros Sinópticos somente o terceiro Evangelho registra os fatos pré e pós-natal: apenas Lucas narra o cântico de Isabel a respeito da geração de Cristo no ventre de Maria (1.42), a circuncisão de Jesus (2.21), e a apresentação de Jesus no Templo.
Os termos usados por Lucas para descrever a humanidade de Jesus são traduzidos por “primogênito” (2.23) e “menino” (2.43). O primeiro, do grego “arsen”, significa literalmente “macho”, “viril” e o segundo “ho pais”, “o menino”[5] - termos enfáticos para descrever a natureza humana de Cristo.
Essa ênfase toda especial é completada no versículo 52: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens”. Os três vocábulos que movimentam a oração, sabedoria (sophia), estatura (hēlikia) e graça (chariti) tratam do crescimento e desenvolvimento humano e espiritual de Jesus.
O primeiro deles, sabedoria, faz eco à sabedoria de Cristo entre os doutores. O segundo, estatura, a estatura corporal e a maturidade de Jesus, e o último ao desenvolvimento espiritual de Cristo diante de Deus e dos homens. Este último versículo deve ser lido juntamente com o 40: “E o menino crescia, e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele”.
O termo grego traduzido por “enchendo-se” (plēroumenon)[6] quer dizer que a aquisição da sabedoria por Cristo era continua, por isso, o versículo 52 afirma que “crescia Jesus em sabedoria”. Entretanto isto indica outra particularidade do Jesus humano - Ele possuía uma alma humana, limitada pelas próprias condições que a natureza humana impõe. Seu conhecimento era limitado e esforçava-se cada vez mais para adquirir sabedoria.

Notas

[1] O dativo grego é o caso do objeto indireto. Indica a pessoa a qual determinada ação é realizada ou a quem está sendo dirigida a ação. Costuma indicar “para quem” ou “por quem” a predicação ocorre, ou ainda “através de quem” ou “com quem ela ocorre”.
[2] Era direito de todo hebreu masculino adulto ler um trecho bíblico na sinagoga. A fama de Jesus como mestre itinerante permitiu que Jesus fizesse uma conseqüente homilia ou uma explicação do texto sem encontrar resistências do presidente da sinagoga.
[3] No grego literalmente “ungir”. O título “Cristo” procede desse termo.
[4] No grego literalmente “enviar”, “mandar como representante legítimo”.
[5] No grego arsen (macho) e ho pai (o menino).
[6] É um verbo que está no particípio presente passivo. O particípio é um adjetivo verbal que expressa a idéia de qualidade de ação. No tempo presente indica uma ação durativa e na voz passiva indica que o fato expresso pelo verbo é praticado pelo sujeito. Cf. BENTHO, Esdras Costa. Grego fácil e descomplicada. Santa Catarina: Verbum, 2003.

Um comentário:

Lucivaldo de Paula disse...

Meu querido Pr. Esdras,dou graças ao meu Deus pelo excelente blog;é uma verdadeira fonte de conhecimento.Ha! estou muito feliz, pois participei de um estudo aqui em Porto Velho,e um dois ensinadores Pr.Altair Germano,olhou para mim e disse-me vc parece bastante com o Pr. Esdras;isso me deixou muito feliz,pois Deus sabe o tanto que eu lhe admiro,como um dois mais eruditos teólogos brasileiro.Gosto muito do senhor meu Pastor.Deus abençoe muito o senhor e sua familia,Apaz do Senhor!

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



Related Posts with Thumbnails