Prezados leitores do Teologia & Graça, segue alguns estudos a respeito da história do Concílio Vaticano II, segundo a obra Breve História do Concílio Vaticano II: (1959-1965), do historiador Giuseppe Alberigo. Espero que essa síntese possa auxiliar àqueles que estudam a História da Igreja Moderna, principalmente meus alunos da FAECAD. Segue abaixo um resumo dos capítulos da obra citada. Se houver apreciação dos leitores, publicarei o resumo que também fiz da Revista Concilium a respeito dos 50 anos do Concílio.
ALBERIGO,
Giuseppe. O anúncio: esperanças e
expectativas (1959-62). In ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II: (1959-1965). Tradução de
Clóvis Bovo. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2006, p. 7-47.
Giuseppe
Alberico, professor emérito de História da Igreja na Faculdade de Ciências
políticas da Universidade de Bolonha, reconstrói uma síntese do complexo
itinerário, do espírito e dialética do trabalho conciliar de 1959 a 1965. No
capítulo em epígrafe, concentra-se na hermenêutica e relato dos fatos até 11 de
outubro de 1962. Seus objetivos são descrever as transformações que o Concílio
introduziu no catolicismo, o modo como indiretamente afetou as demais igrejas
cristãs, e a influência do pontificado de João sobre a política e a conduta da
Igreja na sociedade. O texto assim está estruturado: introdução (p.7-15);
Capítulo I – O anúncio: esperanças e
expectativas (1959-62), distribuído
nos seguintes locus: surpresa (p.17-22); resposta inesperada
(p.23-26); concílio ecumênico? (p.26-29); Concílio: o que é isso? (p.29-32);
Quem prepara o Concílio? (1959-1960) (p.32-36); A preparação oficial (1960-62)
(p.36-40); Como funciona a assembleia (p.40-44); e, por fim, Preparação para o
concílio? (p.44-47).
Para cumprir
seus propósitos, inicia com a descrição do impacto que o anúncio de 25 de
janeiro de 1959, de iniciativa do próprio papa, causou na cúria católica há
menos de noventa dias de sua eleição como sucessor de Pio XII. Alguns contextos, todavia,
apresentavam-se contrários à realização do Concílio: (1) a guerra fria entre os
blocos ideológicos contrapostos – capitalista e comunista –; (2) a idade
avançada do papa; e, (3) a falta de maturação para resolução dos problemas,
como sugeriu Y. Congar. As respostas ao anúncio, no entanto, mostraram-se
díspares: esperanças, expectativas e desconfiança, esta última caracterizada
pela solidão institucional e pelas suspeitas das igrejas de que a Igreja romana
estivesse planejando um monopólio ecumênico. Em 1959, no mês de abril, é que o
papa João XXIII descreve que o escopo do concílio era (1) fazer crescer o
empenho dos cristãos, e (2) dilatar os espaços da caridade. Uma comissão
antepreparatória fora organizada para consultar todos os bispos a respeito dos
temas que o concílio deveria apresentar, criando-se assim, um índice para
manusear as mais de 1.500 páginas. O Concílio, portanto, não se tratava de
união entre tradições cristãs divididas, mas era de cunho pastoral e de
liberdade, onde os bispos seriam os protagonistas do evento. A assembleia foi
cuidadosamente preparada a fim de receber mais de dois mil participantes
heterogênios. O Concílio era uma convocação de todos os cristãos para a união e
o “aggiornamento”. Giuseppe, conclui o capítulo com uma incerteza: o concílio
era uma reunião insignificante de dignitários ou um evento de alcance mundial e
de transição de época?
ALBERIGO,
Giuseppe. Por uma consciência conciliar
(1962). In ALBERIGO, Giuseppe. Breve
história do Concílio Vaticano II: (1959-1965). Tradução de Clóvis Bovo.
Aparecida, SP: Editora Santuário, 2006, p. 49-80.
Gaudet
mater Ecclesia,
com esse refrão pronunciado por João XXIII, inicia-se o ato mais significativo
da Igreja católica contemporânea. Como afirmara o próprio papa, o Vaticano II
coloca-se “frente aos desvios, às exigências e às oportunidades da idade moderna”
(p.50). Pretendia o Concílio proporcionar à Igreja uma abertura ao futuro por
meio de uma atitude acolhedora e discernente. Era um reexame para encontrar os
modos mais eficazes da presença da Igreja entre as pessoas e a sociedade.
O clímax do Concílio fora reservado ao
debate a respeito do projeto sobre a Igreja, suscitando não poucas objeções à
redação e ao pensamento que lhe deu azo. Nessa ocasião, os conciliares deram-se
conta de que seus esforços possuíam valores muito mais amplos, uma vez que “empenhavam
as pessoas a se abrirem para horizontes adequadamente vastos” (p.61). Entre os
anos de 1962-1963 ocorre uma pausa para uma nova preparação do Concílio. O papa
fora acometido de uma enfermidade, mas as comissões conciliares continuaram os
seus trabalhos. Com De Ecclesia
estava claro que o tema que caracterizava o Vaticano II era a Igreja. O
concílio manifestou uma grande energia para discutir temas polêmicos, como por
exemplo, o celibato eclesiástico, passividade dos fiéis e à desconfiança com
respeito à ideologia socialista.
ALBERIGO,
Giuseppe. O Concílio torna-se adulto
(1963). In ALBERIGO, Giuseppe. Breve
história do Concílio Vaticano II: (1959-1965). Tradução de Clóvis Bovo.
Aparecida, SP: Editora Santuário, 2006, p. 81-106.
O terceiro
capítulo da obra em epígrafe trata mais especificamente do segundo período de
trabalho do Concílio, cujo eixo principal é De
ecclesia. Divide-se em: (a) Uma crise de crescimento (p.81-90); (b)
Responsabilidade dos bispos e unidade das igrejas (p.90-98); (c) A missão é de
todos (p.98-100); e, (d) A nova fisionomia do concílio (p.100-106). Nessa
ocasião, Paulo VI destacou quatro objetivos do concílio: (1) exposição da
teologia da Igreja; (2) renovação da Igreja e empenho pela unidade dos
cristãos; e, por último (3) o diálogo com o mundo contemporâneo. O projeto e as
discussões focavam cada um dos quatro capítulos, nos quais o projeto se
articulava: (I) ministério da Igreja na história da economia da salvação; (II)
constituição hierárquica da Igreja e seus bispos; (III) o povo de Deus, os
leigos, e a participação de todos os batizados na missão; e, (IV) o chamado comum
de todos os fiéis à santidade. As controvérsias de cada artigo,
respectivamente, giravam em torno do (a) batismo como único requisito para
pertencer a Igreja; (b) a relevância do sacerdócio comum dos fiéis dentro de
uma igreja vista como povo de Deus; (c) dificuldade de caracterizar
satisfatoriamente a vocação geral à santidade; e, (d) a colegialidade
episcopal.
Essas propostas
elencaram as mais calorosas controvérsias, agravadas pela dificuldade de se
obter uma resposta imediata que, transcorridos quinze dias desde o primeiro
anúncio, já se confrontavam duas teologias da Igreja e do episcopado, e
circulavam muitas intolerâncias em relação à nomeação dos moderadores e pela
confiança lhes concedida por Paulo VI. Contudo, afirmou-se a vontade do
concílio em favor de uma profunda renovação da consciência eclesial. Entre os
muitos personagens que se destacaram, consta a figura do cardeal alemão Frings
e sua crítica ao Santo Ofício; do arcebispo indiano E.D’Souza e sua incisiva
contra o poder centralizador da cúria romana. Ênfase à reforma litúrgica, a
nova fisionomia do concílio, e o fato político externo que trouxe grande
comoção à assembleia: o assassinato de J. F. Kennedy, em 22 de novembro de 1963.
ALBERIGO, Giuseppe. A Igreja é uma comunhão (1964). In ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II:
(1959-1965). Tradução de Clóvis Bovo. Aparecida, SP: Editora Santuário,
2006, p. 107-147.
O quarto capítulo da obra em epígrafe
destaca as escaramuças, avanços e altercações da terceira etapa conciliar. Este
terceiro período levou a efeito o que fora amadurecido nas duas assembleias
anteriores e fez a transição para os problemas do relacionamento da Igreja com
o mundo. Cumpriu-se assim, o compromisso que o episcopado assumira em 20 de
outubro de 1962 com a mensagem dirigida à humanidade. A seção distribui-se como
segue: (a) Na metade do caminho (p.107-111); (b) 1964: uma agenda carregada
(p.111-117); (c) Uma semana “negra” (p.118-127); (d) A Igreja está no mundo
(p.127-142); (e) Resultados e incertezas (p.142-147).
Na primeira parte, o autor apresenta as
modificações regulamentares que dificultaram os debates tornando-os menos
proveitoso. Na segunda, descreve as diversas tarefas entregues aos conciliares,
entre elas, temas outrora discutidos como De
ecclesia, De oecumenismo, e De episcoporum munere, além de outros
três assuntos: revelação, apostolado dos leigos e Igreja no mundo
contemporâneo. Na terceira, ocupa-se com as controvérsias que trouxeram o
descontentamento dos conciliares. Na quarta, destacam-se a constituição
dogmática sobre a Igreja, especificamente, Lumen
gentium, e os decretos Unitatis
redintegratio e Orientalium
ecclesiarum. Assim, muda-se a perspectiva da assembleia conciliar, com a valorização
do concílio pelos bispos e pela passagem de uma direção euro-europeia para um
“empenho e iniciativa” universais. Por último, o historiador assinala os
resultados, os desafios e as incertezas dessa terceira etapa conciliar.
ALBERIGO, Giuseppe. A fé vive na história (1965); Pela juventude do cristianismo. In
ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do
Concílio Vaticano II: (1959-1965). Tradução de Clóvis Bovo. Aparecida, SP:
Editora Santuário, 2006, p. 149-202.
O quinto e sexto
capítulos da obra em epígrafe tratam dos eventos finais do concílio (V) e da
avaliação do autor a respeito das expectativas e resultados gerados pelo evento
(VI). O quinto capítulo divide-se em: (1) A última pausa (1964-65) (p.149-157);
(2) Há uma liberdade religiosa? (p.157-166); (3) A Bíblia e a Igreja
(p.167-171); (4) Os cristãos vivem na história (p.171-180); (5) Encerramento do
concílio (p.180-185).
Muito embora
seja igualmente relevante o projeto sobre a igreja no mundo, o tema da paz, da
liberdade religiosa e do judaísmo, na primeira parte destaca-se a canonização
de João XXIII e a abertura dialógica de João VI com o marxismo. Na seção seguinte,
há duas importantes intervenções do polonês Wyszynsky e do checo-eslovaco
Beran, que exigem o direito da Igreja contra os nazistas e regime comunista. Na
ocasião, tratou-se também da revelação e apostolado dos leigos, destacando-se o
teólogo francês Chenu que defendera a relação entre o reino de Deus e a
história e a necessidade de se “aprender a reconhecer aos sinais dos tempos
como ‘lugares teológicos’”. Outro assunto de não menos importância foi
suscitado pelo melquita libanês, Dom Zoghby, a respeito de um novo casamento do
cônjuge inocente abandonado. Um tema com grande repercussão teológica para o scholar na modernidade foi a
“inculturação” da mensagem evangélica, fora da “hegemonia greco-latina”. Na
terceira parte, a constituição dogmática DV
une a perspectiva teológica com a pastoral, acentuando a importância da Palavra
de Deus na vida cristã. Na quarta parte, discute-se assuntos pertinentes à
Igreja na contemporaneidade, como a liberdade religiosa e missões. Por último, no
capítulo V, salta aos olhos a influência do concílio sobre aqueles que viveram
a experiência conciliar como “um acontecimento espiritual profundo”: Léger,
Lercaro, Motolese e Helder Câmara.
O capítulo VI
apresenta o caráter e interesse do concílio não apenas para a Igreja Católica,
mas para todo o povo de Deus. Para G. Alberigo, o concílio foi “obra-prima do
episcopado católico e, em filigrana, do Espírito”. Assim, para o papa João o
concílio era “um novo Pentecostes”. Fez a transição das concepções teológicas
escolásticas para a modernidade e inseriu a Igreja em um novo caminho rumo ao
ecumenismo, ao diálogo e a unidade, sem a exigência da uniformidade. Uma
completa mudança de paradigma no curso da Igreja.
Esdras Bentho é teólogo, pedagogo e mestrando em teologia pela PUC RJ.
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