DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

 Todo ponto de vista é a vista sempre a partir de um ponto. Uma resenha crítica de uma obra é sempre uma “vista sobre algum ponto”, uma vez que a subjetividade do resenhista sempre destacará nuanças da obra sob o seu singular olhar. A crítica ou resenha não é mais importante do que a própria obra assim como não é o crítico que conta, mas o autor que expõe suas ideias e se sujeita a todo tipo de reação dos leitores.

Depois de tantos terem feito uma nota ou resumo da obra do professor César Moisés Carvalho, Pentecostalismo e Pós-Modernidade, editado pela CPAD (2017), debruço-me talvez atrasado sobre essa hercúlea tarefa. Inicialmente minhas ocupações com o doutoramento não permitiram antecipar qualquer crítica ao livro. Depois, a obra é densa e extensa, e qualquer julgamento precipitado corre o risco de ser impreciso e ilegítimo. Como suspeita, tem o fato de eu ser amigo do autor. Conheço o irmão César e dele posso afirmar que é um homem temente a Deus, fiel à família e aos amigos, um eletricista eficiente e filho nobre de Goioerê. Professor e pensador arguto, comprometido com a verdade e que não tem receio de mudanças. Exímio contador de causos ainda da época de sua atuação como pastor de uma comunidade pentecostal no Paraná, ao qual abrilhanta com detalhes pitorescos oriundos de uma memória homérica. Profissional comprometido com aquilo que faz, une eficiência e paixão a cada trimestre das Lições Bíblicas. Escritor preocupado em apresentar seus textos dentro das normas técnicas que, com muito esforço, aprendeu até dominá-las durante a Iniciação Científica do curso de Pedagogia. Professor admirado pelos alunos da Faecad pela acuidade técnica e carisma. É uma pessoa preocupada em ser sujeito de sua formação e em tornar-se cada vez mais humano! Minha admiração pelo autor talvez seja um fator que desqualifique minha análise da obra Pentecostalismo e Pós-Modernidade.

Pentecostalismo e Pós-Modernidade: quando a experiência sobrepõe-se à Teologia (426 p.), foi publicado em 2017 pela CPAD, editora na qual o autor trabalha. A Apresentação do livro é da lavra do próprio autor. O professor e pastor pentecostal David Mesquiati de Oliveira, da Faculdade Unida de Vitória, ES, foi o prefaciador, e a apresentação da orelha do livro é labor deste resenhista. A obra está dividida em duas partes: “O que escrevi antes de saber o que era Pós-Modernidade”, e “O que venho escrevendo depois de aprender o que é Pós-Modernidade”, antecedido pela Introdução que, na verdade, poderia ser um capítulo da segunda parte da obra, ou então um intermezzo, entre a primeira e segunda. Pela própria organização do livro percebe-se que se trata de uma coletânea de artigos (de 1999 a 2016) que marca a transição teológica do autor de um pensamento apologético-dogmático para uma reflexão mais madura e crítica; de uma hermenêutica teológica centrada na tradição reformada para uma hermenêutica da experiência, à moda Ricoeur.

Na primeira parte nota-se o entusiasmo (no grego o termo designa “estar possuído por um Deus”) com que defende aspectos teológicos da tradição pentecostal imersa na teologia reformada. Na segunda (e Introdução), uma prudente moderação (no gr. phrónesis – exame dialético das opiniões) a fim de evitar os extremos, quer de sua tradição, quer da qual se desenlaça.  Nas duas partes, dialoga com a tradição de fé na qual foi formado, e Gadamer pode muito bem explicar a relação entre tradição-pertencimento e, acrescento, inovação. A inovação, de algum modo, sempre rompe com algum aspecto da tradição.
Na segunda seção o autor realiza um exercício hermenêutico de diálogo com o passado a partir de uma perspectiva crítica. Como se sabe a tradição às vezes freia a criatividade, a subjetividade e individualidade do pensador, que deve ficar limitado a ela, impedindo a criatividade e o avanço teórico-teológico. O autor aventurou-se nesse mister talvez para reencontrar e ressignificar o telos perdido pela tradição.  Ele assume a condição de estar situado numa tradição da qual aprende e ensina. Isto o diferencia de outras análises feitas a partir “de fora” do pentecostalismo.  

Como amigo do autor, li vários artigos da primeira seção e participei de conversas a respeito dos da segunda, e da Introdução. De início percebe-se a falta de uma definição ou discussão a respeito das duas variáveis que compõem o título: pentecostalismo e pós-modernidade. Há tantas controvérsias a respeito dessas duas expressões que um rápido e imediato esclarecimento do sentido pretendido pelo autor não poderia faltar. Nas notas de rodapé da Introdução é sugerido algum insight da oposição entre Modernidade e Pós-Modernidade, mas somente leitores maduros extrairiam dali algum conceito. Acredito que se trata de uma opção do autor, já que no bojo do capítulo são apresentados autores que discutiram a questão profusamente, seja negando, seja confirmando-a. Todavia, há alguns artigos da primeira parte que esclarecem o sentido dos termos do título, mas ainda presos ao contexto do qual o autor se liberta na segunda parte.

A mudança do pensamento do autor na segunda seção implicitamente é um convite para que o leitor também se desvencilhe de conceitos equivocados sobre a pós-modernidade que, não obstante seus limites, constitui-se uma oportunidade para a teologia pentecostal. O ponto fundamental da Introdução e da segunda seção é a valorização da experiência e a crítica ao racionalismo positivista presente na teologia pentecostal em seu diálogo com a teologia reformada e sua herança fundamentalista. Fica claro que faltou aos teólogos pentecostais brasileiros uma dialética madura e inteligente ao traduzir conceitos reformados em teologia pentecostal – aqui, talvez seja de bom alvitre a leitura do artigo As matrizes teológicas do pentecostalismo clássico (p.303-333), na qual o autor discute as “raízes reformadas do pentecostalismo” (p.315-322). Não houve síntese, então uma ruptura torna-se necessária. É isto que pretende o autor, com grande êxito. Mas somente teólogos pentecostais preocupados com uma reconfiguração do pentecostalismo clássico tirarão daqui a epistemologia necessária para uma teologia pentecostal latino-americana. Para muitos, no entanto, isso não é necessário porquanto não entendem o caráter epocal e histórico da doutrina. Além disso, somos todos muito vaidosos para dar a um jovem mestre tanto crédito!

Neste ponto parece-nos de fulcral importância o esclarecimento de que a obra surge no acirrado debate entre calvinismo e arminianismo, entre pentecostalismo e cessacionismo presbiteriano, que, ao meu ver, dão o tônus da crítica e contribuição do autor ao debate, reforçado pela obra A mecânica da Salvação (CPAD, 2017), do também assembleiano Pr. Silas Daniel. O jovem professor César forneceu à teologia pentecostal clássica os pressupostos teóricos necessários para uma reconfiguração da teologia pentecostal nacional. Sua proposta inicial não foi a de construir sozinho o edifício teológico mas lançar um fundamento para uma construção em conjunto, em diálogo-dialético com os seminários e faculdades pentecostais de teologia. Estes serão os responsáveis por reconstruir ou erigir, a partir da leitura crítica da própria obra, novos estudos em nível de pós-graduação e, aproveitando o ensejo do CNE/CES 4/2016 para o Bacharelado em Teologia, reestruturar o currículo dentro dos quatros eixos exigidos pelo Ministério da Educação e Cultura.

Vejo, não em toda obra, mas em muitos capítulos da segunda seção o estabelecimento de fundamentos históricos-teológicos para a configuração de um novo paradigma para a teologia pentecostal clássica, portanto, não percamos essa oportunidade! Neste aspecto destaco os seguintes capítulos: Introdução (p.23-69), Hermenêutica Pentecostal (209-280), Revelação, Experiência e Teologia Pentecostal (335-370), A Experiência Religiosa e do Espírito como Instrumentos de transformação da forma de crer e pensar (371-405).

Noutra ocasião trataremos com mais acuidade esses capítulos, afinal, uma resenha não deve ser mais extensa do que a obra resenhada.

Por fim, a capa da obra combina perfeitamente com o título. Quem já leu obras sobre a pós-modernidade e sua relação com a arquitetura sabe muito bem da influência da escola Bauhaus, a qual a capa ilustra perfeitamente: Forma e função - aço e vidro.

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