O teólogo inglês John Hick (1922-2012) é considerado um dos
mais importantes filósofos da religião e um dos principais defensores da
teologia do pluralismo religioso hodierno. Sua reflexão no campo do pluralismo
religioso é estudada por teólogos de diversas confissões e também por especialistas
em ciências da religião.
A teoria de J. Hick tem sido contestada por uns e
aceita como um novo paradigma teológico por outros. Faustino Teixeira, por
exemplo, em sua obra Teologia e Pluralismo Religioso, afirma que o pluralismo
religioso é um novo horizonte para a teologia, “um singular e essencial
paradigma que provoca uma profunda mudança na dinâmica da autocompreensão
teológica no tempo atual”.
Teixeira reconhece que o tema tem gerado muita
controvérsia na América Latina[1]
e, por essa razão, uma leitura crítica e dialógica com os escritos de John Hick
não é apenas plausível como também necessária[2].
Como dialogar com o pluralismo religioso sem perder a pujança do Anúncio, da
singularidade da salvação em Cristo, o mistério de Deus? O que John Hick afirma
em sua obra é contrário aos fundamentos da fé cristã? Vejamos.
Contexto e novidade na compreensão das religiões
J. Hick reconhece que sua teoria é como uma demolição da fé
ou apostasia na leitura dos teólogos conservadores, mas afirma que não é mais
possível sustentar a ortodoxia. Sua análise debruça sobre as tradições
pós-axiais e religiões mundiais: cristianismo, islamismo, hinduísmo e budismo.
Partindo do particular para o geral, examina a vida real das pessoas situadas
nos contextos das tradições cristãs e das outras religiões. Seu argumento é que
a teologia situa-se dentro de um horizonte cultural e que o ritmo da mudança
cultural também altera o quadro de referência teológica. Assim, as novas condições
afetam não apenas o cristianismo como também as demais religiões.
Segundo a
leitura do autor três fatores colaboraram para essa virada de rumo: (a) As
informações que o Ocidente recebeu das tradições religiosas mundiais; (b) As
viagens dos ocidentais para o Oriente; (c) A imigração dos orientais para o
Ocidente. Esses fatores possibilitaram ao Ocidente e à tradição cristã
ocidental a constatação de valores, culturas e novas tradições salvífica até
então desconhecidas pela maioria dos cristãos, além de “derrubar certa homogeneidade
que caracterizava as sociedades do passado”[3].
De acordo com Hick, essa aproximação traz a averiguação de que um adepto de outra
religião não é um ser humano melhor ou pior do que o cristão. Parece-me que
Hick ao usar um argumentun ad hominem confunde o conteúdo da fé com a
experiência da fé, muito embora acredite que tanto o cristianismo quanto as
religiões universais produzam pessoas santificadas e por isso a salvação não
pode estar restrita a uma religião.
Todavia, no criativo e ficto diálogo
elaborado por Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, Marco Pólo diz ao grande
Kublai Khan: “Você sabe melhor do que ninguém, sábio líder, que jamais se deve
confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma relação
entre eles” [4].
Nessa mesma perspectiva afirma Libanio
Jesus é distinto do Cristianismo, mas o Cristianismo é impensável sem a fé em Jesus Cristo e esta só continuou historicamente porque o Cristianismo se tornou realidade social. Assim também as igrejas cristãs são distintas do Cristianismo e de Jesus Cristo. No entanto, existem relações entre essas três realidades[5].
Isto posto, o fato de muitos cristãos não viverem plenamente
os ensinos de Cristo e o de adeptos de outras religiões não serem igualmente
melhores ou piores que os cristãos não significa que a salvação em Cristo não
seja singular, embora o testemunho deveria confirmar a fé salvífica (Ef 2,
8-10). Na verdade, toda e qualquer afirmação de Hick a respeito da ética cristã
pode encontrar apoio ou contradizer o argumento dependendo da direção que o
leve.
O problema do pluralismo religioso: a pessoa de Cristo
O problema que Hick e os teólogos pluralistas têm de
enfrentar não é o modo como os religiosos vivem a sua doutrina, mas a
exclusividade da pessoa de Jesus Cristo. Eles precisam descontruir a fé
apostólica como se encontra em o Novo Testamento para ajustar Jesus aos conceitos
plurais das religiões.
Para ele, a pessoa histórica de Jesus de Nazaré tem de
ser abandonada por um conceito mais universal do Logos, isto é, o Cristo
não-histórico. O Logos seria a fonte universal de todas as religiões mundiais,
da qual a figura histórica de Jesus de Nazaré é um empecilho. Com isto Hick
afirma que todas as religiões mundiais são todas inspiradas e convertidas em
fonte de salvação pela mesma influência transcendente, isto é, do Logos, e,
portanto, é preciso abandonar o Jesus histórico e aceitar como novo paradigma o
Cristo cósmico ou Logos eterno[6].
Por conseguinte, o Transcendente, Divino, Último ou Real, manifestou-se como
Cristo para o Cristão, Dharma para os hinduístas e budistas, Allah para os
mulçumanos, e assim por diante. Ideia muito semelhante às heresias primitivas
que os primeiros teólogos cristãos tiverem que enfrentar. Por conseguinte, para
conciliar as religiões, Hick e seus adeptos abandonam a figura histórica de
Jesus de Nazaré e a trocam pela teoria do Cristo cósmico. Essa posição
dificilmente seria sustentada pelos primeiros teólogos da igreja nascente e,
provavelmente, seria condenada pelos primeiros concílios.
Esdras Bentho é Pedagogo e Mestrando em Teologia pela PUC Rio
[2] HICK, J. Teologia Cristã e Pluralismo Religioso:
arco-íris das religiões. Attar
Editorial, 2005.
[3] MIRANDA, M. de
F. Verdade cristã e pluralismo
religioso. In Atualidade Teológica. Ano VII, no 13,
janeiro/abril de 2003, p.32.
[6] BOFF, L. Evangelho
do Cristo Cósmico: a busca da unidade
do todo na ciência e na religião. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008,
p.162-3.
10 comentários:
Graça e Paz,meu amigo.
Ótima postagem,bastante interessante,agora a questão é que nesta tese que John Hick parece que ele quer dizer que todas as religiões,levam ao mesmo lugar,ou seja,independente da religião que a pessoa possuia,ela simplesmente é uma "tradução" diferente,mas que possui como Transcendente o mesmo que as demais religiões cultua.Creio que esta tese é contrária as palavras de Jesus Cristo:"E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste".João 17:3
O Jesus Histórico é o Verbo Encarnado.Abraços!
Excelente por ser também acessível, pastor Esdras. Trata-se de uma reflexão que deve nos levar a rever a nossa condição de cristãos evangélicos. Um abraço.
Que ótimo conhecer mais um espaço onde a palavra de Deus é anunciada. Desejo a você meu irmão um 2013 abençoado. Que Deus continue usando esse espaço para a propagação das boas novas de Cristo
Pr Anselmo Melo
www.pranselmomelo.com.br
Kharis kai eirene
Obrigado a todos pela colaboração. Noutra ocasião postarei mais assuntos sobre a tese de Hick.
Abraços
Esdras Bentho
Jesus é a luz que vinda ao mundo, ilumina TODO o homem, acredito que o cristo eterno, que foi imolado antes da fundação do mundo e se manifestou na história humana, exclusivamente na pessoa de Jesus, não limita suas fronteiras na religião, nem cristã nem qualquer outra. Este Mesmo cristo se manifesta a quem quer e como quer... nisto eu creio pois este é sacerdote para sempre segundo a ordem de melquisedeque!!!
Mestre, a paz do Senhor. Grato por suas contribuições. Como o senhor compreende a questão salvífica daqueles que não ouviram a boa nova do Cristo, posto que uma leitura pluralista como a de Hick, com o Cristo Cósmico, nos forneceria uma bom argumento salvífico para qualquer cultura com uma deídade? Em Romanos 2, nos diz que onde não há lei rege a consciência. Acha justo retirar justificativa de salvação gentílica desse texto, sendo que o objetivo primordial era repreensão dos judeus que estavam sendo preconceituosos? Abraços, Jonatas Ribeiro[FAECAD].
Prof. Esdras- É-me privilégio e satisfação acessar este espaço de bênção e aprendizado. (Que seja glorificado o Nome que está sobre todo o nome.)
Considerando que a formação e espiritualidade do senhor o obrigam a jamais abrir mão do necessário e devido respeito a pessoas (quaisquer que sejam), tanto quanto o constrangem a zelar pelo bem-estar eterno de leitores seus que ainda não conhecem o Evangelho de Cristo ou que são crentes simples como minha pessoa, o senhor não poderia - respeitando a pessoa do filósofo em tela, e em cotejo com IJo 4.3 - nos esclarecer melhor sobre essa idéia de um (suposto) "Cristo Cósmico que exclua o Cristo Histórico"?
A postagem amavelmente compartilhada pelo Ir. Jônatas Ribeiro desafiou-me a refletir. Atrevo-me a (objetivando receber a orientação corretiva do Prof. Esdras, do Ir. Jônatas e de outros que possam fazê-lo) dizer que "o Senhor conhece os que são Seus", igualmente- tanto os que creram por terem tido o privilégio de ouvir as Boas Novas, quanto os que o Salvador sabe que - se tivessem oportunidade de ouvir - creriam. (Se alguém - que o Senhor nos guarde a todos - sofre o dano da segunda morte, sem ter ouvido o Evangelho, o Justo juiz sabe que o tal, mesmo se ouvisse, não creria). EM TEMPO: pessoalmente, não alcanço na Santa Escritura sustentação para as idéias de uma “graça salvífica" nem de uma “predestinação” irresistíveis.
Pastor o senhor não pensa em escrever um livro sobre filosofia e sua importância para a teologia ? Pouco pentecostais gostam dessa matéria. Acho que seria interessante a Casa publicar um livro assim escrito por um pentecostal, de preferência brasileiro.
Parabéns pelo blog! Aonde tenho acesso a sua tese? Abraço.
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