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segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Teologia da Prosperidade como a Miséria da Teologia


No ano de 1846, Pierre-Joseph Proudhon, filósofo político e anarquista francês, escreveu um livro no qual criticava o sistema econômico de sua época. Contemporâneo de Karl Marx, enviou a obra, Sistemas das Contradições Filosóficas ou Filosofia da Miséria, ao amigo e correspondente. Marx não concordou com a teoria econômica de Proudhon e dedicou-se a compor outro escrito, A Miséria da Filosofia, editado em 1847. O título era uma paródia ao subtítulo do trabalho literário do francês. Desde então a expressão “miséria da filosofia” é usado para designar uma contradição dentro de um sistema ou teoria e até mesmo para designar as falhas metodológicas em uma abordagem, seja ela científica, seja ela religiosa.

De igual modo, também podemos comparar a Teologia da Prosperidade (TP) como a Miséria da Teologia. Não apenas pelo fato de ser uma teologia cáustica, que corrói os fundamentos epistêmicos da Teologia Cristã, mas porque depaupera a Teologia, esvaziando sua mensagem e corrompendo seu significado. Quais, portanto, são as doutrinas cristãs esvaziadas pela TP que a torna a Miséria da Teologia? Vejamos:

1. A Doutrina da Revelação. Toda e qualquer religião, seja em seu aspecto teológico, seja em seu aspecto fenomenológico, se autocompreende por meio de uma revelação, geralmente atribuída a uma ação divina e uma recepção humana

A teologia cristã não existe sem uma compreensão da Revelação de Deus. Assim, toda manifestação cristã reflete de alguma forma a teologia da revelação ou uma compreensão a respeito dela, consciente ou inconscientemente. A confissão de fé, que se deriva de uma hermenêutica da revelação, por exemplo, se manifesta no rito, nos elementos que formam o culto, de tal forma que a doutrina pode ser vista na liturgia e a liturgia apresenta a doutrina. A lex credendi não é separada da lex orandi

Desta forma, quando o teólogo da prosperidade anuncia o desejo de Deus de conceder ao homem a prosperidade, a honra e a riqueza, fala a partir de uma compreensão da Doutrina da Revelação e se coloca como canal desvelador e profético. 

A autocomunicação que Deus faz de si na Escritura e na história é reduzida ao imediatismo fugaz da necessidade humana, pois torna-se apenas uma resposta ao sofrimento humano. A TP reduz a Doutrina da Revelação a um discurso ideológico que mescla algumas verdades da Escritura com valores mensuráveis na vida do crente, como a prosperidade econômica. O discurso sobre a Revelação de Deus é midiático e repetido à exaustão até que se faça a troca simbólica de entregar a Deus o melhor e, o Senhor, dono do ouro e da prata, “retribuirá proporcionalmente à oferta”. A TP tem um conceito opaco de Revelação que obriga o fiel a sacrificar o intelecto para aceitá-lo. Os teólogos da prosperidade, se estudaram teologia algum dia, podem ser acusados de improbidade ou desonestidade intelectual pelo fato de corromperem a Teologia da Revelação de Deus. A polissemia e a polifonia da revelação são reduzidas a um discurso lazarento, miserável, monossêmico, incapaz de traduzir toda riqueza da revelação de Javé na história. Os teólogos da prosperidade são assim culpados por reduzir a espinha dorsal da teologia cristã à miséria de uma teologia reducionista e manipulável. Essa forma de teologia só pode ser a miséria da teologia.

Conjunto à Doutrina da Revelação necessariamente temos que abordar a respeito da teontologia, ou do ser de Deus.

2. A Doutrina de Deus. Outro fundamento teológico reduzido à miséria da teologia é a doutrina de Deus.  A revelação do nome de Deus a Moisés em Êx 3.13-15 tem elementos do mistério que circunda a manifestação que Javé faz de si mesmo. O Deus que se mostra, afirma P. Ricouer[1] é um Deus escondido e a quem pertencem as coisas ocultas. O Senhor se revela por meio de um nome inominável! “Javé” – Ele é – não é um nome que define, mas que significa, que significa o gesto da redenção, afirma Ricouer. A revelação do Eterno é histórica (Deus de Abraão, Isaque e Jacó), no entanto, está apoiada no mistério que circunda o sentido do nome.
Se na cultura judaica primitiva conhecer o nome de um personagem tornava-o disponível ao talante do conhecedor; a revelação do Nome a Moisés demonstrava que o Senhor não estaria à mercê da linguagem e disposição de seus adoradores. “Eu Sou” (Ehyéh asher ehyéh) não é um nome que desvela apenas sua natureza e essência incomunicável, mas que o coloca como o Deus da Redenção do passado, do presente e do futuro. O que Ele é está oculto na essência do que o Nome significa. 

Há, portanto, um segredo e uma comunicação. A TP, entretanto, emprega o nome divino e a autocomunicação que o Eterno faz de Si na Escritura e na história como um amuleto mediante o qual conhecer o Nome é colocá-lo à vontade do adorador. Javé é reduzido à coisa, ao objeto que se manipula, ao divo frágil controlado à mercê de alguém. O Nome divino assim empregado pelos teólogos, pastores e adeptos da TP perde a dialética da comunicação e do segredo, do amor e do compromisso, da transcendência e da imanência. O Eterno deixa de ser Deus para se tornar Deus ex machina.

Permita-me o leitor, explicar o sentido da expressão Deus ex machina, isto é, “o deus máquina ou mecânico”. Quando determinada ficção criada pelos teatrólogos gregos estava emaranhada, de difícil resolução, costumava-se descer inesperadamente um deus por meio de uma máquina até o local da encenação a fim de resolver de modo mirabolante a trama. O respectivo divo mecânico, chamado deus ex machina, era uma válvula de escape e solução para o fechamento glorioso do drama. Desde então a expressão é usada para descrever toda e qualquer solução artificial e inesperada. Neste aspecto, o pastor e teólogo protestante D. Bonhoeffer fez ácidas contestações ao “deus figurante” (deus ex machina) como uma forma de explicação e solução quando nada mais é possível ou não se acha uma resposta satisfatória para as perguntas que se colocam diante da Igreja. Afirmava que

Deus não é um tapa-furos; Deus tem de ser conhecido não apenas nos limites de nossas possibilidades, mas no centro da vida; Deus quer ser conhecido na vida e não apenas na morte, na saúde e na força e não apenas no sofrimento, na ação e não apenas no pecado. A razão disso está na revelação de Deus em Jesus Cristo. Ele é o centro da vida, e de modo algum “veio para” trazer-nos a resposta para questões não resolvidas. A partir do centro da vida, certas perguntas até mesmo caem por terra e, da mesma forma, as respostas a essas perguntas. [2]

A TP faz de Deus um deus ex machina; um figurante que desce de seu trono para solucionar o indissolúvel. Um deus levado ao talante de seus adoradores; dominado, limitado e preso às circunstâncias de quem o clama. Essa forma de teologia só pode ser a miséria da teologia. Rejeitemos, em forma de doutrina ou de cântico, como modelo litúrgico e de comunhão cristã, a TP que nada mais é do que a miséria da teologia e a teologia da miséria.





[1] Paul ricoeur. Escritos e conferências 2: hermenêutica. São Paulo: Edições Loyola, 2011, p.168.
[2] Dietrich Bonhoeffer. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. Rio Grande do Sul: Editora Sinodal, p.415-16.

Esdras Costa Bentho é teólogo, pedagogo e Mestrando em Teologia pela PUC-RJ.

3 comentários:

João Paulo disse...

Pr. Esdras, paz do Senhor

No sentido do texto, acho que muitos cristãos da atualidade não têm a mínima noção do que é a relação da divindade com o adorador. A própria prestação do culto em que a divindade é o ser supremo a ser adorador, venerado está perdendo o sentido. A palavra culto já inadequada para muitas reuniões de evangélicos, pois em muitos ajuntamentos não há nada de culto, a divindade é só uma parte do culto manipulável pelos cultuadores de si mesmo.

Por fim, parabéns pelo excelente texto.

Em Cristo.

Francisco Sulo disse...

A paz do Senhor!

Muito sofisticada a sua réplica à Teologia da Prosperidade (lembrei-me de mais uma "miséria", "A miséria da teoria", obra em que o historiador Edward P. Thompson rebate uma história estrutural do filósofo Louis Althusser).

E me chamou a atenção exatamente um ponto dos mais complicados na minha oscilante trajetória cristã na última década permeada por uma incipiente intelectualidade secular (que, por sinal, parecem resolver-se bem em sua vida de cristão e intelectual), aquilo que você bem denominou de "deus ex machina". Sendo um dos principais dilemas que enfrento, sua essência é: se não posso conceber Deus como quem age apenas no limite das minhas possibilidades como compreender Javé, então, em conexão com a liberdade humana? Na verdade o texto me foi de um caráter iluminador e pretendo continuar uma busca que bem relacione um Deus que pode ser vivido plenamente e uma liberdade que constrói "um mundo civil feito pelos homens" (G. Vico).

Que Deus nos abençoe.

Esdras Costa Bentho disse...

Olá Francisco Sulo, obrigado por sua participação. sou solidário ao seu questionamento e tem encontrado em Paul Ricoeur explicações para tal dilema.

Um abraço

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



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