DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Livro de Josué: as conquistas e promessas do povo de Deus

PAREDE DESMORONADA: Sellin e Watzinger e mais recente Kenyon acharam restos de um muro de tijolos desmoronado à base da parede de pedra. Bryant Wood aponta a base da parede de tijolos. As conclusões de Wood datam a destruição da parede no tempo de Josué (1400 A.C.). Fonte:http://www.melodiasdaccb.kit.net/cidade%20de%20jerico.htm


INTRODUÇÃO

Neste trimestre de Lições Bíblicas estudaremos o livro de Josué. Porém, antes de analisarmos a primeira lição – Josué, um líder escolhido por Deus – faremos uma síntese da estrutura dos Livros Históricos e do próprio livro, tema deste trimestre. Como é do conhecimento dos professores e professoras da Escola Dominical, o Antigo Testamento divide-se no cânon protestante em Históricos, Poéticos e Proféticos. Os Históricos são subdivididos em:

(1) Pentateuco, os cinco (Gn, Êx, Lv, Nm, Dt) – que são obras históricas escritas antes do estabelecimento do povo em Canaã –; e

(2) Históricos Próprios, os doze (Js, Jz, Rt, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs, 1 e 2 Cr, Ed, Ne, Et). Estes magníficos livros dividem-se em:

(a) Nove que tratam da ocupação de Canaã pelos israelitas (Js, Jz, Rt, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs, 1 e 2 Cr); e

(b) Três que descrevem o período de expulsão e repatriação do povo eleito (Ed, Ne, Et).

Talvez o professor deva apresentar aos alunos a relação entre esses doze históricos com os livros proféticos e pós-exílicos. Os nove primeiros livros ajustam-se adequadamente ao ministério dos profetas pré-exílicos, enquanto os três últimos aos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias – todos pós-exílicos. Ezequiel e Daniel, como o professor já sabe, são livros do período do cativeiro babilônico.

A relação entre o Pentateuco e os Livros Históricos é clara, os cinco primeiros são pré-Canaã e preparam o povo para a ocupação da Palestina. A relação entre o livro de Josué, o primeiro dos Livros Históricos, com o Pentateuco é tão estreita, que, o teólogo germânico J. Wellhausen, preferia o título Hexateuco em vez de Pentateuco. Mas as opiniões de Wellhausen, nesse sentido, nunca foram unanimente aceitas.

Não somos escusados de frisar, que os Livros Históricos também podem ser classificados em:

(1) Livros do Período Teocrático: São os livros anteriores ao reinado e composto pelos livros de Josué, Juízes e Rute. Neste período, de 1405 a 1075 a.C., Israel está sob a liderança direta do Eterno.

(2) Livros do Período Teocrático-Monárquico: Composto pelos livros que tratam da ascensão, divisão e queda de Israel e Judá: 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas. Neste período, de cerca de 1070 a 586 a.C., Israel está sob a liderança direta de seus representantes régios, uns obedientes a Deus e a Torah, outros desobedientes a ambos. Entretanto, Deus está governando, abatendo e suscitando reis conforme à sua vontade.


(3) Livros do Período Pós-Cativeiro: Os livros de Esdras, Neemias e Ester são obras que descrevem este período de disciplina e repatriação dos israelitas, de 537 a cerca de 432 a. C. São chamados também de pós-cativeiro babilônico. Portanto, o Livro de Josué é a primeira descrição do período teocrático entre os dois seguintes, Jz e Rt.

TÍTULO
O nome Josué, no hebraico, Yehōshuāh (Nm 13.16), é composto pela abreviação do nome divino (Yahweh) e pelo vocábulo "salvação". Literalmente significa "Salvação de Yahweh", ou "Yahweh é Salvador". O nome "Josué", no Antigo Testamento, corresponde a "Iēsous", "Jesus", em o Novo Testamento (At 7.45). Daí a razão pela qual Clyde Francisco, afirma que "assim como o primeiro Jesus conquistou a terra da mão do inimigo, o segundo Jesus conquistou vitoriosamente o céu, pela vitória sobre o pecado" [1].

Josué era chamado originalmente de Oséias (Nm 13.8; Dt 32.44), entretanto, seu nome fora mudado por Moisés em Cades (Nm 13.16). Oséias significa “salvação”, todavia, seguindo a prática hebréia e semítica de mudar o nome a fim de ratificar a mudança de posição ou destino, Moisés, influenciado pelo Espírito de Deus, muda o nome do primogênito da tribo de Efraim para Yehōshuāh. Com a mudança do nome, altera-se também a função e a responsabilidade do indivíduo diante do Senhor e do povo israelita.

CANÔN HEBRAICO
No cânon hebraico, o livro de Josué é o primeiro rolo dos "Livros dos Profetas". Os judeus denominavam os seis primeiros livros históricos (Js, Jz, 1 e 2 Sm e 1 e 2 Rs) de "Primeiros Profetas", considerando-os, porém, como quatro. Estes "Primeiros" contrastavam com os "Últimos Profetas" (Is, Jr, Ez e os Doze Profetas Menores). Ellisen, sabiamente os distingue: "Os 'Primeiros Profetas' são históricos; os 'Últimos Profetas' são exortativos" [2]. Lembremos que os profetas de Israel além de serem líderes espirituais do povo, também eram historiadores da teocracia, veja, por exemplo, as Crônicas de Samuel, o vidente (1 Cr 29.29), Crônicas de Natã, o profeta (1 Cr 29.29), Profecias de Aias, o silonista (2 Cr 9.29), Visões de Ido, o vidente (2 Cr 9.29), e o famoso Livro da História de Natã, o profeta (2 Cr 9.29). O ambiente histórico é o cenário profético dos profetas de Israel.

AUTOR
O livro é anônimo. Contudo, a tradição mais remota do povo hebreu considerava que Josué era o autor de todo o livro, com exceção dos cinco últimos versículos, escritos, talvez, por Eliazar ou seu filho Finéias.
Consideremos os seguintes elementos:

a) Josué. Josué foi testemunha ocular dos fatos, além de ser escritor autorizado (ver 24.26). Archer afirma que o primeiro capítulo possui detalhes biográficos íntimos que "só Josué ter sabido" ou contado [3]

b) Evidências internas. Há muitas evidências que atestam que a história era registrada por uma pessoa que presenciou os eventos registrados na obra (cf. 5.1,6). Estes versículos, na primeira pessoa do plural, atestam, provavelmente, a ação literária de Josué.

c) Edição Posterior. Edições posteriores eram comuns. Observe que a morte de Moisés, por exemplo, é uma adição ou adendo editorial feito após a morte do grande líder (Dt 34). O registro da morte de Josué não é nenhuma prova de que o comandante das tribos de Israel não tenha escrito a obra que leva o seu nome (24.29,30). G. Archer, atesta a autoria dupla do livro, baseado no texto de 24.31 [4]. Portanto, é provável que Josué e, mais tarde um outro historiador, tenha acrescido os relatos após a morte de Josué, talvez, como já afirmamos, Eliazar ou seu filho Finéias.

DATA E LOCAL
O arqueólogo John Garstang e Bryant Wood, após acuradas escavações e comparações entre documentos antigos, determinaram que a queda de Jericó ocorreu por volta de 1400 a. C. (o fim do período da Idade do Bronze Antigo I). Certos documentos que foram descobertos em Tel-el-Armana, no Egito, e em Ugarite, na Síria Ocidental, confirmam a data afirmada pelos dois arqueólogos, pois referem-se aos "Habirus" em Canaã, bem próximo de 1400 a. C. [5].
O local da escrita, provavelmente foi em Canaã, uma vez que o próprio Josué foi o autor da obra. A data, ainda que incógnita, deve estar relacionada a um período depois da queda de Jericó, entre 1400 a 1375 a. C.

ESFERA DE AÇÃO
Os fatos do livro de Josué descrevem períodos que se iniciam com a morte de Moisés e terminam com a morte de Josué. O registro inicia onde o de Deuteronômio termina.

ANÁLISE
O Livro de Josué descreve a conquista e a divisão da terra de Canaã, tendo como background as características corruptas e brutais da religião canaanita, claramente retratada nos tabletes de Ras Shamra [6]. Prostituição de ambos os sexos, sacrifícios de crianças e sincretismo religioso eram alguns dos pecados em função dos quais Deus ordenou aos israelitas a destruição completa dos habitantes de Canaã.
A história contida revela a fidelidade do Senhor como Deus da Aliança (Js 1.2,6), pois cumpriu o segundo aspecto da aliança abraâmica: a ocupação da terra de Canaã. Segundo Ellisen, “a primeira promessa de uma semente levou 25 anos para ser cumprida; a segunda, levou aproximadamente 700 anos. A promessa de um rei levaria mais 400” [7]. E a vinda daquele em quem seriam benditas todas as nações, mais 1400 anos.

Na estrutura geral da obra destacam-se:

a) A Preparação e travessia do Jordão (1-4)
b) A Redenção de Raabe (2.12-21; 6.22-25)
c) O Pecado de Acã (7)
d) A Divisão do Território (13-22.34)
e) A Morte e Sepultura de Josué (24)

O propósito do livro, porém, não é friamente histórico, mas sim moralizador, vendo na história o “dedo” de Deus, e o apoio divino ao heroísmo dos obedientes e o castigo providencial do pecado e da rebelião.

SÍNTESE GERAL DA CONQUISTA DE CANAÃ

CAPÍTULO 1: Deus encoraja o Líder

CAPÍTULO 2: Os espias enviados a Jericó, e Raabe

CAPÍTULO 3: A travessia do Jordão

CAPÍTULO 4: O memorial de pedras

CAPÍTULO 5: Teofania do Príncepe do Exército do Senhor

CAPÍTULO 6: A ruína de Jericó

CAPÍTULO 7: A derrota dos israelitas

CAPÍTULO 8: A destruição de Ai

CAPÍTULO 9: A sagacidade dos gibeonitas

CAPÍTULO 10: Israel vence os cinco reis

CAPÍTULO 11: Diversas vitórias de Josué

CAPÍTULO 12: Comparação entre as conquistas de dois líderes

SÍNTESE GERAL DA DIVISÃO DE CANAÃ

CAPÍTULO 13: Os limites das tribos de Rúben, Gade e da tribo de Manassés

CAPÍTULOS 14-15: Os limites da tribo de Judá. Calebe recebe Hebrom, como herança

CAPÍTULOS 16-17: As porções dos filhos de José

CAPÍTULOS 18-19: A terra é delineada e repartida por sorte entre as tribos

DESPEDIDA E MORTE DE JOSUÉ

CAPÍTULOS 23-24: Últimas palavras de Josué e a morte do líder


O LIVRO DE JOSUÉ

Título: Josué
Autor: Josué (24.26)
Data: 1405-1375 a.C.
Tema: A Vitória da Fé na Conquista de Canaã (Hb 11.30,31)
Propósito: Registrar a fidelidade de Deus no cumprimento das promessas.
Estrutura:
I. A Entrada em Canaã (1-5)
II. A Conquista de Canaã (6-12)
III. A Divisão de Canaã (13-24)

Notas
[1] FRANCISCO, C. T. Introdução ao Velho Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1979, p.71.
[2] ELLISEN, S. A. Conheça melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 1993, p.63.
[3] ARCHER JR. G.L. Merece confiança o Antigo Testamento? 4.ed., São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova, 1986, p. 295.
[4] Id. Ibid.p. 296.
[5] Confira MERRILL, E. H. História de Israel no Antigo Testamento. RJ: CPAD, 2001; ARCHER JR. G.L. Merece confiança o Antigo Testamento? 4.ed., São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova, 1986, p. 297.
[6] Confira em nossa obra A família no Antigo Testamento: história e sociologia, detalhes a respeito dos cultos e costumes cananeus.
[7] ELLISEN, Id. Ibid., 1993, p.71.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

SHEKINÁH


Estava na comodidade de minha casa, quando, contra minhas próprias regras, deixei a televisão ligada no programa de certo pregador, empresário e pastor. Na pregação exibida no dia 14 do mês em curso, o preletor, que possui mestrado, doutorado e também é diretor de um curso teológico por correspondência, ensinava a respeito da "SHEKINÁH" ou "SHECHINAH".

No afã de dirimir controvérsias e demonstrar o seu notório saber do Antigo Testamento e da vasta cultura hebraica que possui, o pregador afirmou que a "SHEKINÁH" somos nós. Em sua grandiloqüência verbal, afirmou que, ao olhar a si mesmo no espelho, vê a "SHEKINÁH" de Deus, pois ele é a "SHEKINÁH". O pior de tudo: o pregador afirmou que foi Deus, o Senhor, quem disse isso!

Entre "glórias" e "aleluias" (sic) de uma multidão que, encandeada pelo rubro da mensagem, ignorava as razões da fé e mais se interessava pela "emoção bíblica", o prezado pregador disse à multidão que cada um deles era a "SHEKINÁH" de Deus. Mais uma vez o conhecimento de Deus, por meio do λογος θεου ou da Sagrada Escritura, era desprezado e usurpado pela pseudoconcordância, falsa aplicação e paralogismo verbal.

Vejamos em poucas palavras o sentido e conceito de "SHEKINÁH".

Sentido etimológico. "SHECHINAH", ad litteram, significa "habitação". Se ainda me lembro bem das aulas primárias de línguas bíblicas, este vocábulo procede do aramaico shekēn, isto é, "habitar", e refere-se à Habitação de Deus sobre a pessoa, a congregação de Israel, ou objeto sagrado como a arca ou o tabernáculo. A idéia é que Deus "pousava" ou "pairava" sobre algo, irradiando seu kabōd. Segundo os rabinos, a "SHEKINÁH" "pairava" ou "pousava" sobre os judeus que oravam ou citavam o Shēma. O termo não aparece nas páginas das Escrituras Hebraicas, sendo, portanto, um vocábulo tardio, próximo talvez da época do Segundo Templo.

Conceitos judaicos. Talvez seja necessário explicar um pouco mais o semema, embora esteja escrevendo sem auxílio de meu dicionário, que, infelizmente, deixei na "cidade dos príncipes" (Joinville, SC). O consensus gentium atribui um sentido distorcido a este termo, mas qual o conceito verdadeiro?

Na literatura midrashica o termo é usado para substituir o Nome divino. Preocupados com o emprego indevido do Nome Sagrado, os exegetas judeus usavam vez por outra o vocábulo "SHEKINÁH" para substituí-lo. "SHEKINÁH" referia-se à Presença ou Radiância de Deus, ou até mesmo ao próprio Senhor manifestado. De acordo com a compreensão dos exegetas e místicos do judaísmo, a "SHEKINÁH" era uma teofania muito freqüente no relacionamento entre Deus e Israel. Neste sentido, a manifestação divina a Moisés, na teofania visível e audível da sarça ardente, era a aparição da "SHEKINÁH", ou a presença da deidade pairando sobre a sarça. Afirmavam ainda os exegetas talmúdicos que a "SHEKINÁH" "abraçou" amorosamente a Moisés no monte Sinai, assim como uma galinha aos seus pintinhos.

No período mais tardio, próximo à época do Segundo Templo, a palavra "SHEKINÁH" foi usada para substituir a linguagem antropomórfica empregada para Deus. Quando alguns aspectos da filosofia neoplatônica foram inseridos na teologia judaica através dos escritores alegóricos e midrashicos, o uso de "SHEKINÁH", para referir-se à deidade, foi aliado à expressão Bat kol, isto é, "a Voz de Deus". Os dois vocábulos foram usados intercambiavelmente, e a distinção entre ambos não está clara na literatura cabalista e talmúdica. Mesmo após a destruição do Segundo Templo, 70.d.C., os judeus entendiam que a "SHEKINÁH" ainda os acompanhava.

Considerações Neotestamentárias. Nas páginas do Novo Testamento também não encontramos qualquer menção à "SHEKINÁH", conforme a concepção talmúdica. É possível que o escritor aos Hebreus (1.1-4) tenha usado απαύγασμα [apaugasma] (v.3), "efulgência", "brilho", "radiância", "esplendor" como epizeuxe desta manifestação divina no AT. Todavia, a "SHEKINÁH" fora substituída pela encarnação do Verbo: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória (δόξαν), como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1.14).

Eis aqui a verdadeira "SHEKINÁH": nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, encarnado, manifestado em carne, com toda δόξα (doksa) do Pai. Ele é, conforme Hb 1.1-4, a hypóstasis (υπόστασις), a "essência", a "substância", a própria "natureza" do Pai encarnada, ou ainda a "impressão", a "estampa", a "gravação" – o χαρακτηρ (kharakter) do Pai. Também o Filho é descrito como απαύγασμα, o esplendor do Pai. Esta última palavra, sendo neutra no grego, tem o sentido ativo de emitir brilho, a glória ou a "SHEKINÁH" que radiava Dele. As perícopes que afirmam tais verdades são tantas que nos omitimos citá-las, a fim de que não prolonguemos a querela.

Portanto, a "SHEKINÁH" de Deus, não sou eu, nem o pregador que deu ensejo a esse ensaio, ou qualquer outra pessoa, a não ser a Bendita Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Quando olho no espelho, vejo um homem que necessita da graça e misericórdia de Deus, um ser-ai, não abandonado, amado pelo Pai. O Espírito de Deus habita em nós, no entanto, não somos o Espírito; a glória de Deus habita no crente através de seu Espírito, todavia não somos a glória: "Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2 Co 4.7).

Espero que este texto sirva de fundamento para possíveis discussões e esclarecimentos a respeito do assunto. O nosso propósito não foi o de esgotar o assunto, pois isso impediria a criatividade e participação dos amigos que acompanham e participam deste pequeno espaço.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Jogos e Brincadeiras nos Tempos Bíblicos: três perguntas


  • Recentemente fui entrevistado pela Revista JC, publicação denominacional das Assembléias de Deus no Brasil, dirigida aos jovens cristãos, a respeito dos jogos e brincadeiras nos tempos bíblicos. Pelo caráter e conteúdo histórico-cultural estou reproduzindo a entrevista que, embora não tenha sido publicada na íntegra pelo periódico, segue aqui com todos os termos.

1) Como era o lazer naquela época? Havia muitas opções? Era considerado algo desnecessário ou importante na cultura hebraica? E em outras culturas?

R.: Inicialmente, precisamos descrever que as Sagradas Escrituras não se ocupam do tema em apreço. Quando o salmista emprega o termo shā'a, isto é, "recrear", "deleitar" ou "brincar" no Salmo 119.16, o faz em sentido litúrgico ou teologal. A concepção greco-romana de "lazer", "brincar", "esporte" ou "jogar" ou mesmo da antropologia filosófica que trata do homo ludens (homem lúdico) é basicamente inexistente dentro do ambiente judaico-cristão primitivo. Geralmente, o lúdico ou esportivo era empregado como uma metáfora das verdades espirituais. 1 Coríntios 9.24, por exemplo, é uma prova contundente do que estamos afirmando.

A labuta diária do judeu no Antigo Testamento não o permitia inclinar-se a tal divertimento ou passatempo, sendo o sábado, um dia de repouso e, as festas religiosas, uma ocasião de estímulo e adoração. Isto não quer dizer que os hebreus desconheciam brincadeiras, parlendas ou jogos. Os jogos e a busca de lazer eram basicamente ocupados pelas atividades e festas religiosas.

Engana-se quem pensa que o judeu comum era triste, cabisbaixo. Pelo contrário, era alegre, divertidíssimo. A música e a dança constituíam-se elementos culturais fortíssimos entre os hebreus do AT. No entanto, no período interbíblico alguns judeus helenistas, obedecendo a Antíoco Epífanes, introduziram em Jerusalém uma praça de esporte, ato considerado pagão pelos patrícios mais conservadores. Como é perceptível, os judeus da Antiguidade davam pouco valor aos jogos (jocus, gracejo, graça, zombar), e não se ocupavam com o lúdico (ludus, divertimento, passatempo). Considere que a palavra "brincar", no hebraico, śāchaq, tem um sentido positivo (brincar, divertir-se) e negativo (zombar, rir com deboche, ridicularizar).

O amor aos jogos, esportes e ao lúdico era considerado um ato vulgar ou irreligioso para o hebreu. As crianças não eram proibidas de brincar e desenvolver seus jogos particulares, mas deveriam tomar todo cuidado para que as brincadeiras não fossem irreverentes, sacrílegas, ou que ofendessem a moral ou a santidade divina (Lv 24.11,16). Os hebreus costumavam evitar certos gracejos maliciosos. Mas é possível que os hebreus de família abastada desfrutassem de certos jogos, como o arco e flecha, a caça entre outros e, que as atividades, como o treinamento militar, também incluíssem nos intervalos jogos ou brincadeiras correlatas.

Já entre os outros povos do Oriente Próximo, os esportes e jogos eram mais freqüentes. Diversas iconografias atestam que o jogo de damas, de dados, o malabarismo com bolas, e até mesmo jogos de azar eram muito freqüentes entre os egípcios e os povos mesopotâmicos.

2) Quais as formas de diversões para jovens, adultos e crianças?

R.: Os jogos infantis não eram tão diferentes daqueles que as crianças ainda hoje continuam a jogar e brincar. Muitos jogos e brincadeiras infantis eram reflexos daqueles praticados pelos adultos. A rua era um espaço para a brincadeira e mimetização dos adultos.

O profeta Zacarias (8.5), referindo-se às bênçãos futuras de Israel, afirma que "as ruas se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão". Isto indica que durante certo período o brincar nas ruas era muito perigoso em função das constantes guerras, transferindo esse espaço do brincar para dentro das casas. Mas, em dias de paz, as brincadeiras e jogos eram praticados nas ruas.

O próprio Jesus faz referência às brincadeiras infantis nas ruas e praças (Mt 11.16,17). Segundo o texto mateano, as crianças brincavam de "tocar flauta", "danças" e, transgressoras como são do mundo dos adultos, imitavam as carpideiras que choramingavam nos velórios. Você já imaginou um grupo de crianças mimetizando essas profissionais do pranto? Com certeza era muito hilário. As crianças costumavam brincar com os animais (Jó 41.5), bolas de gude, uma forma de amarelinha, assobios, chocalhos feitos de cerâmica e pedrinhas, jogos de tabuleiro também eram muito freqüentes. Um desses jogos, conhecido como Jogo Real de Ur, data de 1800 aC. Os jogos como os mancalas (jogos de tabuleiro), muito conhecidos na África, estavam presentes no cotidiano das crianças hebréias.

A vida dos jovens e adultos também refletia a realidade e o contexto em que viviam. As festas sabáticas, os cânticos, as músicas e as danças, arco e flecha, propor enigmas e jogos de prendas eram os tipos de diversões mais comuns entre eles. Em o Novo Testamento, Mateus 27.27-31, menciona um jogo muito conhecido entre os adultos, o "Basileu". Neste jogo, o pino de madeira que o jogador usava para movimentar-se nas linhas marcadas no chão, foi substituído pelo próprio Senhor! Ainda hoje temos registros desses jogos em Jerusalém.

3) Havia brincadeiras que não eram permitidas ao povo de Deus por serem consideradas profanas ou mesmo por terem origem em outros povos? (até um tempo atrás algumas formas de diversão eram proibidas por nossa própria denominação e até hoje são tabus com jogar bola e certos tipos de jogos em tabuleiros, assistir televisão... Naquela época também havia restrições deste tipo?)

R.: Havia sim. As brincadeiras com bonecos e bonecas não eram freqüentes ou permitidos entre os judeus. Embora muito comum entre os egípcios, canaanitas e mesopotâmicos, o hebreu procurava evitar, em função do mandamento de Êx 20.4, essas representações.

A idolatria era tão comum entre os povos antigos que, às vezes, os historiadores e arqueólogos têm dificuldade em afirmar quando se trata de um brinquedo ou um ídolo para adoração. Todo e qualquer brinquedo esculpido era proibido entre os hebreus. Brinquedos que continham em seu bojo o elemento divinatório também eram proibidos pelos judeus. Brincar de adivinhação, fazer gracejos com coisas sagradas eram terminantemente proibidos. Outro brinquedo não muito utilizável entre os hebreus dos tempos bíblicos, era o dado ou congênere. Embora os arqueólogos tenham encontrado no território judeu alguns dados, isso não significa que eles eram usados com freqüência nos jogos profanos, uma vez que possuía certo caráter sagrado.

A imagem que ilustra este tema não representa os templos bíblicos.

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



Related Posts with Thumbnails