DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

domingo, 4 de março de 2012

Professores desnecessários à Igreja: o vocacionado iludido (II-III)

O conceito que torna o professor leigo, aquele que carece de formação profissional, uma pessoa autorizada para ensinar pelo “dom” que possui; e o que dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em troca da experiência e capacitação profissional são reducionistas e um perigo para a educação cristã dominical.

Porém, o ideal é que o professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica, e que o educador profissional desempenhe o munus docendi no magistério eclesiástico sem dispensar a capacitação teológica e pneumatológica. A vocação e a capacitação técnica são necessárias e indispensáveis para o completo desempenho da docência cristã dominical.

Outro grave problema em torno da hipervalorização da “vocação” ou do “dom” para o ensino em detrimento à formação técnica é a completa ausência de comprometimento da liderança:

(1) na formação e capacitação de professores;

(2) em preparar as condições materiais para o exercício do magistério cristão; e

(3) no acompanhamento sobre o que se ensina, como se ensina e por que se ensina.

Certa vez, percebi que havia muitas conversões em nossa igreja local, entretanto, esses novos convertidos não recebiam qualquer instrução a respeito de sua nova vida em Cristo. Solicitei, então, ao pastor para que fizéssemos uma classe de discipulado, antes mesmo de a CPAD organizar as lições para o discipulado (projeto que tive a honra de participar escrevendo duas lições: “O céu verdadeiramente existe?”, e, “O inferno verdadeiramente existe?”).

Contudo, o estimado líder disse-me:

– Irmão Esdras, não há espaço na igreja para organizar mais uma classe, mas como o irmão é “vocacionado”, dará um jeito.

E de fato, a solução surgiu, mas com algumas contestações. Havia nas dependências da igreja uma sala com instrumentos velhos e aparelhos eletrônicos defeituosos. Solicitei o espaço, mas o pedido foi rejeitado. Depois de muito insistir, o espaço foi liberado, mas com uma condição: às 7hr30m eu e minha esposa deveríamos tirar os objetos do lugar, transformar o espaço numa sala de aula e, depois de concluído a aula, recolocar as tralhas no lugar. Isto fizemos durante seis meses ininterruptos, até que fui chamado para trabalhar na sede. Eu era diácono na ocasião.

Bom, essa história não é diferente daquelas que ouço toda vez que viajo pelas igrejas do Brasil dando cursos e palestras para professores da ED. Talvez você tenha se identificado com ela.Mas o que de fato aprendemos com essa experiência?

Aprendemos que, com a argumentação de que os vocacionados já estão preparados por Deus para a tarefa, certos líderes jogam toda responsabilidade e fardo “nas costas” do professor, crendo que o fato de serem “chamados” é suficiente para o completo desempenho do ministério de ensino. Todavia, é responsabilidade da liderança, seja da igreja, seja do superintendente da ED, dispor aos professores os aparatos e recursos necessários para o pleno desenvolvimento de suas tarefas educacionais. Como o educador pode se preocupar em atender adequadamente o alunato se está preocupado com o local, com o giz, com o quadro, enfim, com os recursos didáticos? Muitos professores paladinos, no entanto, tiram de seu próprio provento para prover as urgências e demandas da Escola Dominical.

Outrossim, perpassa também pelo conceito de “professor vocacionado” a ideia de que ele não necessita de uma formação técnica, pois o “dom espiritual” é suficiente para o exercício docente.

Mais uma vez o problema hermenêutico serve de esteio para fundamentar essa distorção. Citam-se os textos de Sl 81.10: abre bem a tua boca, e ta encherei”; Jo 14.26: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”; ou ainda 1Jo 3.27, entre outras passagens.

Todavia, se esquecem de que o dom de ensino é encarnacional. O pastor e professor de Teologia da Assembleia de Deus em Cingapura, David Lim, afirma que entre as várias teorias concernentes à natureza dos carismas, três se destacam:

(1) a que afirma que os dons são capacidades naturais; a que

(2) os descrevem como totalmente sobrenaturais, e a

(3) bíblica, chamada encarnacional [1].

Uma entende que os dons espirituais são capacidades ou talentos naturais santificados. Outra erradica qualquer responsabilidade humana nos exercícios dos carismas. A última, entretanto, pressupõe uma ação cooperativa tanto do Espírito quanto do homem.

De acordo com David Lim

Os dons são encarnacionais. Isto é, Deus opera através dos seres humanos. Os crentes submetem a Deus sua mente, coração, alma e forças. Consciente e deliberadamente, entregam tudo a Ele. O Espírito, então, os capacita de modo sobrenatural a ministrar acima de suas próprias capacidades humanas e, ao mesmo tempo, expressar cada dom através de sua experiência de vida, caráter, personalidade e vocabulário. [2]

De modo geral, Lim quer dizer que todo dom pode e deve ser exercido na igreja, levando-se em consideração as idiossincrasias individuais dos crentes e, pelo fato de ser encarnacional, com amor, todo e qualquer dom deve ser avaliado pela comunidade cristã.

Admitindo-se o posicionamento teológico de que os dons são encarnacionais, podemos compreender o que Paulo afirmou em Romanos 12.7 a respeito do carisma do ensino: εἲτε ὁ διδάσκων ἑν τή διδασκαλία (lit. “o que ensina, no ensino”).

A maioria dos tradutores entende que se trata de uma forma intensificada e subentendida de se referir à diligência no exercício do carisma de ensino, acrescentando os termos “dedicação” (ARC,TB); e “esmero” (ARA). Traduções mais literais preferem manter “ensino, ensinando” (BJ); “ensinar, que ensine” (ECP); “ensinamento, para ensinar” (BP); “ensinar, ensine” (NVI).[3]

Russel Champlin, ao interpretar essa perícope, afirma

Aquele cujo ofício consiste em ensinar, deveria esforçar-se por aprimorar os seus conhecimentos, por melhorar a eficácia dos seus métodos de ensino, aumentando o seu interesse pessoal por aqueles que são os seus alunos. Um dos mais graves escândalos das modernas igrejas evangélicas é que a grande maioria dos seus mestres em nada melhora com a passagem dos anos, incluindo nisso tanto o conhecimento como os métodos empregados [...].[4]

Conforme Lim e Champlin, o dom de ensino não é apenas uma capacidade sobrenatural que o Espírito Santo concede ao cristão para o desempenho do magistério eclesiástico, mas também um carisma que deve ser exercido por meio do aprendizado pedagógico constante, da aquisição de técnicas didáticas, e de seu emprego eficiente por parte do professor.

É um dom espiritual, no entanto, seu pleno exercício depende da cooperação, esforço e diligência do crente. O cristão coopera com o Espírito Santo para que o dom, espiritual e potencializado pelo Espírito, desenvolva-se eficientemente e sem nenhum embaraço ou impedimento. O professor é o canal inteligente e discernente pelo qual o Espírito de Cristo ministra aos crentes o conhecimento dos mistérios do Evangelho.

Pelo fato de o dom de ensino ser encarnacional, a igreja deve insistir e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores, a maioria carente de formação adequada. Chama-se a esse processo de educação ou formação continuada.

Continua...

*Esdras Bentho é pedagogo com habilitação em formação de professores, educação infantil, ensino fundamental e gestão escolar. Durante 5 anos foi redator das Lições de Jovens e Adultos da CPAD e participou da elaboração do Novo Currículo de Escola Dominical da CPAD.

Notas

[1] LIM, D. Os dons espirituais. In: HORTON, S. M. (ed.) Teologia Sistemática: uma perspective Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, p. 469.

[2] Ibid., p.470.

[3] ARC – Almeida Revista e Corrigida; TB – Tradução Brasileira; ARA – Almeida Revista e Atualizada; BJ – Bíblia de Jerusalém; ECP – Edição Catequética Pastoral; BP – Bíblia do Peregrino; NVI – Nova Versão Internacional.

[4] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: MILENIUM, Vol. III – Atos- Romanos, 1983, p. 814.

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