DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Livro de Josué: as conquistas e promessas do povo de Deus

PAREDE DESMORONADA: Sellin e Watzinger e mais recente Kenyon acharam restos de um muro de tijolos desmoronado à base da parede de pedra. Bryant Wood aponta a base da parede de tijolos. As conclusões de Wood datam a destruição da parede no tempo de Josué (1400 A.C.). Fonte:http://www.melodiasdaccb.kit.net/cidade%20de%20jerico.htm


INTRODUÇÃO

Neste trimestre de Lições Bíblicas estudaremos o livro de Josué. Porém, antes de analisarmos a primeira lição – Josué, um líder escolhido por Deus – faremos uma síntese da estrutura dos Livros Históricos e do próprio livro, tema deste trimestre. Como é do conhecimento dos professores e professoras da Escola Dominical, o Antigo Testamento divide-se no cânon protestante em Históricos, Poéticos e Proféticos. Os Históricos são subdivididos em:

(1) Pentateuco, os cinco (Gn, Êx, Lv, Nm, Dt) – que são obras históricas escritas antes do estabelecimento do povo em Canaã –; e

(2) Históricos Próprios, os doze (Js, Jz, Rt, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs, 1 e 2 Cr, Ed, Ne, Et). Estes magníficos livros dividem-se em:

(a) Nove que tratam da ocupação de Canaã pelos israelitas (Js, Jz, Rt, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs, 1 e 2 Cr); e

(b) Três que descrevem o período de expulsão e repatriação do povo eleito (Ed, Ne, Et).

Talvez o professor deva apresentar aos alunos a relação entre esses doze históricos com os livros proféticos e pós-exílicos. Os nove primeiros livros ajustam-se adequadamente ao ministério dos profetas pré-exílicos, enquanto os três últimos aos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias – todos pós-exílicos. Ezequiel e Daniel, como o professor já sabe, são livros do período do cativeiro babilônico.

A relação entre o Pentateuco e os Livros Históricos é clara, os cinco primeiros são pré-Canaã e preparam o povo para a ocupação da Palestina. A relação entre o livro de Josué, o primeiro dos Livros Históricos, com o Pentateuco é tão estreita, que, o teólogo germânico J. Wellhausen, preferia o título Hexateuco em vez de Pentateuco. Mas as opiniões de Wellhausen, nesse sentido, nunca foram unanimente aceitas.

Não somos escusados de frisar, que os Livros Históricos também podem ser classificados em:

(1) Livros do Período Teocrático: São os livros anteriores ao reinado e composto pelos livros de Josué, Juízes e Rute. Neste período, de 1405 a 1075 a.C., Israel está sob a liderança direta do Eterno.

(2) Livros do Período Teocrático-Monárquico: Composto pelos livros que tratam da ascensão, divisão e queda de Israel e Judá: 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas. Neste período, de cerca de 1070 a 586 a.C., Israel está sob a liderança direta de seus representantes régios, uns obedientes a Deus e a Torah, outros desobedientes a ambos. Entretanto, Deus está governando, abatendo e suscitando reis conforme à sua vontade.


(3) Livros do Período Pós-Cativeiro: Os livros de Esdras, Neemias e Ester são obras que descrevem este período de disciplina e repatriação dos israelitas, de 537 a cerca de 432 a. C. São chamados também de pós-cativeiro babilônico. Portanto, o Livro de Josué é a primeira descrição do período teocrático entre os dois seguintes, Jz e Rt.

TÍTULO
O nome Josué, no hebraico, Yehōshuāh (Nm 13.16), é composto pela abreviação do nome divino (Yahweh) e pelo vocábulo "salvação". Literalmente significa "Salvação de Yahweh", ou "Yahweh é Salvador". O nome "Josué", no Antigo Testamento, corresponde a "Iēsous", "Jesus", em o Novo Testamento (At 7.45). Daí a razão pela qual Clyde Francisco, afirma que "assim como o primeiro Jesus conquistou a terra da mão do inimigo, o segundo Jesus conquistou vitoriosamente o céu, pela vitória sobre o pecado" [1].

Josué era chamado originalmente de Oséias (Nm 13.8; Dt 32.44), entretanto, seu nome fora mudado por Moisés em Cades (Nm 13.16). Oséias significa “salvação”, todavia, seguindo a prática hebréia e semítica de mudar o nome a fim de ratificar a mudança de posição ou destino, Moisés, influenciado pelo Espírito de Deus, muda o nome do primogênito da tribo de Efraim para Yehōshuāh. Com a mudança do nome, altera-se também a função e a responsabilidade do indivíduo diante do Senhor e do povo israelita.

CANÔN HEBRAICO
No cânon hebraico, o livro de Josué é o primeiro rolo dos "Livros dos Profetas". Os judeus denominavam os seis primeiros livros históricos (Js, Jz, 1 e 2 Sm e 1 e 2 Rs) de "Primeiros Profetas", considerando-os, porém, como quatro. Estes "Primeiros" contrastavam com os "Últimos Profetas" (Is, Jr, Ez e os Doze Profetas Menores). Ellisen, sabiamente os distingue: "Os 'Primeiros Profetas' são históricos; os 'Últimos Profetas' são exortativos" [2]. Lembremos que os profetas de Israel além de serem líderes espirituais do povo, também eram historiadores da teocracia, veja, por exemplo, as Crônicas de Samuel, o vidente (1 Cr 29.29), Crônicas de Natã, o profeta (1 Cr 29.29), Profecias de Aias, o silonista (2 Cr 9.29), Visões de Ido, o vidente (2 Cr 9.29), e o famoso Livro da História de Natã, o profeta (2 Cr 9.29). O ambiente histórico é o cenário profético dos profetas de Israel.

AUTOR
O livro é anônimo. Contudo, a tradição mais remota do povo hebreu considerava que Josué era o autor de todo o livro, com exceção dos cinco últimos versículos, escritos, talvez, por Eliazar ou seu filho Finéias.
Consideremos os seguintes elementos:

a) Josué. Josué foi testemunha ocular dos fatos, além de ser escritor autorizado (ver 24.26). Archer afirma que o primeiro capítulo possui detalhes biográficos íntimos que "só Josué ter sabido" ou contado [3]

b) Evidências internas. Há muitas evidências que atestam que a história era registrada por uma pessoa que presenciou os eventos registrados na obra (cf. 5.1,6). Estes versículos, na primeira pessoa do plural, atestam, provavelmente, a ação literária de Josué.

c) Edição Posterior. Edições posteriores eram comuns. Observe que a morte de Moisés, por exemplo, é uma adição ou adendo editorial feito após a morte do grande líder (Dt 34). O registro da morte de Josué não é nenhuma prova de que o comandante das tribos de Israel não tenha escrito a obra que leva o seu nome (24.29,30). G. Archer, atesta a autoria dupla do livro, baseado no texto de 24.31 [4]. Portanto, é provável que Josué e, mais tarde um outro historiador, tenha acrescido os relatos após a morte de Josué, talvez, como já afirmamos, Eliazar ou seu filho Finéias.

DATA E LOCAL
O arqueólogo John Garstang e Bryant Wood, após acuradas escavações e comparações entre documentos antigos, determinaram que a queda de Jericó ocorreu por volta de 1400 a. C. (o fim do período da Idade do Bronze Antigo I). Certos documentos que foram descobertos em Tel-el-Armana, no Egito, e em Ugarite, na Síria Ocidental, confirmam a data afirmada pelos dois arqueólogos, pois referem-se aos "Habirus" em Canaã, bem próximo de 1400 a. C. [5].
O local da escrita, provavelmente foi em Canaã, uma vez que o próprio Josué foi o autor da obra. A data, ainda que incógnita, deve estar relacionada a um período depois da queda de Jericó, entre 1400 a 1375 a. C.

ESFERA DE AÇÃO
Os fatos do livro de Josué descrevem períodos que se iniciam com a morte de Moisés e terminam com a morte de Josué. O registro inicia onde o de Deuteronômio termina.

ANÁLISE
O Livro de Josué descreve a conquista e a divisão da terra de Canaã, tendo como background as características corruptas e brutais da religião canaanita, claramente retratada nos tabletes de Ras Shamra [6]. Prostituição de ambos os sexos, sacrifícios de crianças e sincretismo religioso eram alguns dos pecados em função dos quais Deus ordenou aos israelitas a destruição completa dos habitantes de Canaã.
A história contida revela a fidelidade do Senhor como Deus da Aliança (Js 1.2,6), pois cumpriu o segundo aspecto da aliança abraâmica: a ocupação da terra de Canaã. Segundo Ellisen, “a primeira promessa de uma semente levou 25 anos para ser cumprida; a segunda, levou aproximadamente 700 anos. A promessa de um rei levaria mais 400” [7]. E a vinda daquele em quem seriam benditas todas as nações, mais 1400 anos.

Na estrutura geral da obra destacam-se:

a) A Preparação e travessia do Jordão (1-4)
b) A Redenção de Raabe (2.12-21; 6.22-25)
c) O Pecado de Acã (7)
d) A Divisão do Território (13-22.34)
e) A Morte e Sepultura de Josué (24)

O propósito do livro, porém, não é friamente histórico, mas sim moralizador, vendo na história o “dedo” de Deus, e o apoio divino ao heroísmo dos obedientes e o castigo providencial do pecado e da rebelião.

SÍNTESE GERAL DA CONQUISTA DE CANAÃ

CAPÍTULO 1: Deus encoraja o Líder

CAPÍTULO 2: Os espias enviados a Jericó, e Raabe

CAPÍTULO 3: A travessia do Jordão

CAPÍTULO 4: O memorial de pedras

CAPÍTULO 5: Teofania do Príncepe do Exército do Senhor

CAPÍTULO 6: A ruína de Jericó

CAPÍTULO 7: A derrota dos israelitas

CAPÍTULO 8: A destruição de Ai

CAPÍTULO 9: A sagacidade dos gibeonitas

CAPÍTULO 10: Israel vence os cinco reis

CAPÍTULO 11: Diversas vitórias de Josué

CAPÍTULO 12: Comparação entre as conquistas de dois líderes

SÍNTESE GERAL DA DIVISÃO DE CANAÃ

CAPÍTULO 13: Os limites das tribos de Rúben, Gade e da tribo de Manassés

CAPÍTULOS 14-15: Os limites da tribo de Judá. Calebe recebe Hebrom, como herança

CAPÍTULOS 16-17: As porções dos filhos de José

CAPÍTULOS 18-19: A terra é delineada e repartida por sorte entre as tribos

DESPEDIDA E MORTE DE JOSUÉ

CAPÍTULOS 23-24: Últimas palavras de Josué e a morte do líder


O LIVRO DE JOSUÉ

Título: Josué
Autor: Josué (24.26)
Data: 1405-1375 a.C.
Tema: A Vitória da Fé na Conquista de Canaã (Hb 11.30,31)
Propósito: Registrar a fidelidade de Deus no cumprimento das promessas.
Estrutura:
I. A Entrada em Canaã (1-5)
II. A Conquista de Canaã (6-12)
III. A Divisão de Canaã (13-24)

Notas
[1] FRANCISCO, C. T. Introdução ao Velho Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1979, p.71.
[2] ELLISEN, S. A. Conheça melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 1993, p.63.
[3] ARCHER JR. G.L. Merece confiança o Antigo Testamento? 4.ed., São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova, 1986, p. 295.
[4] Id. Ibid.p. 296.
[5] Confira MERRILL, E. H. História de Israel no Antigo Testamento. RJ: CPAD, 2001; ARCHER JR. G.L. Merece confiança o Antigo Testamento? 4.ed., São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova, 1986, p. 297.
[6] Confira em nossa obra A família no Antigo Testamento: história e sociologia, detalhes a respeito dos cultos e costumes cananeus.
[7] ELLISEN, Id. Ibid., 1993, p.71.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

SHEKINÁH


Estava na comodidade de minha casa, quando, contra minhas próprias regras, deixei a televisão ligada no programa de certo pregador, empresário e pastor. Na pregação exibida no dia 14 do mês em curso, o preletor, que possui mestrado, doutorado e também é diretor de um curso teológico por correspondência, ensinava a respeito da "SHEKINÁH" ou "SHECHINAH".

No afã de dirimir controvérsias e demonstrar o seu notório saber do Antigo Testamento e da vasta cultura hebraica que possui, o pregador afirmou que a "SHEKINÁH" somos nós. Em sua grandiloqüência verbal, afirmou que, ao olhar a si mesmo no espelho, vê a "SHEKINÁH" de Deus, pois ele é a "SHEKINÁH". O pior de tudo: o pregador afirmou que foi Deus, o Senhor, quem disse isso!

Entre "glórias" e "aleluias" (sic) de uma multidão que, encandeada pelo rubro da mensagem, ignorava as razões da fé e mais se interessava pela "emoção bíblica", o prezado pregador disse à multidão que cada um deles era a "SHEKINÁH" de Deus. Mais uma vez o conhecimento de Deus, por meio do λογος θεου ou da Sagrada Escritura, era desprezado e usurpado pela pseudoconcordância, falsa aplicação e paralogismo verbal.

Vejamos em poucas palavras o sentido e conceito de "SHEKINÁH".

Sentido etimológico. "SHECHINAH", ad litteram, significa "habitação". Se ainda me lembro bem das aulas primárias de línguas bíblicas, este vocábulo procede do aramaico shekēn, isto é, "habitar", e refere-se à Habitação de Deus sobre a pessoa, a congregação de Israel, ou objeto sagrado como a arca ou o tabernáculo. A idéia é que Deus "pousava" ou "pairava" sobre algo, irradiando seu kabōd. Segundo os rabinos, a "SHEKINÁH" "pairava" ou "pousava" sobre os judeus que oravam ou citavam o Shēma. O termo não aparece nas páginas das Escrituras Hebraicas, sendo, portanto, um vocábulo tardio, próximo talvez da época do Segundo Templo.

Conceitos judaicos. Talvez seja necessário explicar um pouco mais o semema, embora esteja escrevendo sem auxílio de meu dicionário, que, infelizmente, deixei na "cidade dos príncipes" (Joinville, SC). O consensus gentium atribui um sentido distorcido a este termo, mas qual o conceito verdadeiro?

Na literatura midrashica o termo é usado para substituir o Nome divino. Preocupados com o emprego indevido do Nome Sagrado, os exegetas judeus usavam vez por outra o vocábulo "SHEKINÁH" para substituí-lo. "SHEKINÁH" referia-se à Presença ou Radiância de Deus, ou até mesmo ao próprio Senhor manifestado. De acordo com a compreensão dos exegetas e místicos do judaísmo, a "SHEKINÁH" era uma teofania muito freqüente no relacionamento entre Deus e Israel. Neste sentido, a manifestação divina a Moisés, na teofania visível e audível da sarça ardente, era a aparição da "SHEKINÁH", ou a presença da deidade pairando sobre a sarça. Afirmavam ainda os exegetas talmúdicos que a "SHEKINÁH" "abraçou" amorosamente a Moisés no monte Sinai, assim como uma galinha aos seus pintinhos.

No período mais tardio, próximo à época do Segundo Templo, a palavra "SHEKINÁH" foi usada para substituir a linguagem antropomórfica empregada para Deus. Quando alguns aspectos da filosofia neoplatônica foram inseridos na teologia judaica através dos escritores alegóricos e midrashicos, o uso de "SHEKINÁH", para referir-se à deidade, foi aliado à expressão Bat kol, isto é, "a Voz de Deus". Os dois vocábulos foram usados intercambiavelmente, e a distinção entre ambos não está clara na literatura cabalista e talmúdica. Mesmo após a destruição do Segundo Templo, 70.d.C., os judeus entendiam que a "SHEKINÁH" ainda os acompanhava.

Considerações Neotestamentárias. Nas páginas do Novo Testamento também não encontramos qualquer menção à "SHEKINÁH", conforme a concepção talmúdica. É possível que o escritor aos Hebreus (1.1-4) tenha usado απαύγασμα [apaugasma] (v.3), "efulgência", "brilho", "radiância", "esplendor" como epizeuxe desta manifestação divina no AT. Todavia, a "SHEKINÁH" fora substituída pela encarnação do Verbo: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória (δόξαν), como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1.14).

Eis aqui a verdadeira "SHEKINÁH": nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, encarnado, manifestado em carne, com toda δόξα (doksa) do Pai. Ele é, conforme Hb 1.1-4, a hypóstasis (υπόστασις), a "essência", a "substância", a própria "natureza" do Pai encarnada, ou ainda a "impressão", a "estampa", a "gravação" – o χαρακτηρ (kharakter) do Pai. Também o Filho é descrito como απαύγασμα, o esplendor do Pai. Esta última palavra, sendo neutra no grego, tem o sentido ativo de emitir brilho, a glória ou a "SHEKINÁH" que radiava Dele. As perícopes que afirmam tais verdades são tantas que nos omitimos citá-las, a fim de que não prolonguemos a querela.

Portanto, a "SHEKINÁH" de Deus, não sou eu, nem o pregador que deu ensejo a esse ensaio, ou qualquer outra pessoa, a não ser a Bendita Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Quando olho no espelho, vejo um homem que necessita da graça e misericórdia de Deus, um ser-ai, não abandonado, amado pelo Pai. O Espírito de Deus habita em nós, no entanto, não somos o Espírito; a glória de Deus habita no crente através de seu Espírito, todavia não somos a glória: "Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2 Co 4.7).

Espero que este texto sirva de fundamento para possíveis discussões e esclarecimentos a respeito do assunto. O nosso propósito não foi o de esgotar o assunto, pois isso impediria a criatividade e participação dos amigos que acompanham e participam deste pequeno espaço.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Jogos e Brincadeiras nos Tempos Bíblicos: três perguntas


  • Recentemente fui entrevistado pela Revista JC, publicação denominacional das Assembléias de Deus no Brasil, dirigida aos jovens cristãos, a respeito dos jogos e brincadeiras nos tempos bíblicos. Pelo caráter e conteúdo histórico-cultural estou reproduzindo a entrevista que, embora não tenha sido publicada na íntegra pelo periódico, segue aqui com todos os termos.

1) Como era o lazer naquela época? Havia muitas opções? Era considerado algo desnecessário ou importante na cultura hebraica? E em outras culturas?

R.: Inicialmente, precisamos descrever que as Sagradas Escrituras não se ocupam do tema em apreço. Quando o salmista emprega o termo shā'a, isto é, "recrear", "deleitar" ou "brincar" no Salmo 119.16, o faz em sentido litúrgico ou teologal. A concepção greco-romana de "lazer", "brincar", "esporte" ou "jogar" ou mesmo da antropologia filosófica que trata do homo ludens (homem lúdico) é basicamente inexistente dentro do ambiente judaico-cristão primitivo. Geralmente, o lúdico ou esportivo era empregado como uma metáfora das verdades espirituais. 1 Coríntios 9.24, por exemplo, é uma prova contundente do que estamos afirmando.

A labuta diária do judeu no Antigo Testamento não o permitia inclinar-se a tal divertimento ou passatempo, sendo o sábado, um dia de repouso e, as festas religiosas, uma ocasião de estímulo e adoração. Isto não quer dizer que os hebreus desconheciam brincadeiras, parlendas ou jogos. Os jogos e a busca de lazer eram basicamente ocupados pelas atividades e festas religiosas.

Engana-se quem pensa que o judeu comum era triste, cabisbaixo. Pelo contrário, era alegre, divertidíssimo. A música e a dança constituíam-se elementos culturais fortíssimos entre os hebreus do AT. No entanto, no período interbíblico alguns judeus helenistas, obedecendo a Antíoco Epífanes, introduziram em Jerusalém uma praça de esporte, ato considerado pagão pelos patrícios mais conservadores. Como é perceptível, os judeus da Antiguidade davam pouco valor aos jogos (jocus, gracejo, graça, zombar), e não se ocupavam com o lúdico (ludus, divertimento, passatempo). Considere que a palavra "brincar", no hebraico, śāchaq, tem um sentido positivo (brincar, divertir-se) e negativo (zombar, rir com deboche, ridicularizar).

O amor aos jogos, esportes e ao lúdico era considerado um ato vulgar ou irreligioso para o hebreu. As crianças não eram proibidas de brincar e desenvolver seus jogos particulares, mas deveriam tomar todo cuidado para que as brincadeiras não fossem irreverentes, sacrílegas, ou que ofendessem a moral ou a santidade divina (Lv 24.11,16). Os hebreus costumavam evitar certos gracejos maliciosos. Mas é possível que os hebreus de família abastada desfrutassem de certos jogos, como o arco e flecha, a caça entre outros e, que as atividades, como o treinamento militar, também incluíssem nos intervalos jogos ou brincadeiras correlatas.

Já entre os outros povos do Oriente Próximo, os esportes e jogos eram mais freqüentes. Diversas iconografias atestam que o jogo de damas, de dados, o malabarismo com bolas, e até mesmo jogos de azar eram muito freqüentes entre os egípcios e os povos mesopotâmicos.

2) Quais as formas de diversões para jovens, adultos e crianças?

R.: Os jogos infantis não eram tão diferentes daqueles que as crianças ainda hoje continuam a jogar e brincar. Muitos jogos e brincadeiras infantis eram reflexos daqueles praticados pelos adultos. A rua era um espaço para a brincadeira e mimetização dos adultos.

O profeta Zacarias (8.5), referindo-se às bênçãos futuras de Israel, afirma que "as ruas se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão". Isto indica que durante certo período o brincar nas ruas era muito perigoso em função das constantes guerras, transferindo esse espaço do brincar para dentro das casas. Mas, em dias de paz, as brincadeiras e jogos eram praticados nas ruas.

O próprio Jesus faz referência às brincadeiras infantis nas ruas e praças (Mt 11.16,17). Segundo o texto mateano, as crianças brincavam de "tocar flauta", "danças" e, transgressoras como são do mundo dos adultos, imitavam as carpideiras que choramingavam nos velórios. Você já imaginou um grupo de crianças mimetizando essas profissionais do pranto? Com certeza era muito hilário. As crianças costumavam brincar com os animais (Jó 41.5), bolas de gude, uma forma de amarelinha, assobios, chocalhos feitos de cerâmica e pedrinhas, jogos de tabuleiro também eram muito freqüentes. Um desses jogos, conhecido como Jogo Real de Ur, data de 1800 aC. Os jogos como os mancalas (jogos de tabuleiro), muito conhecidos na África, estavam presentes no cotidiano das crianças hebréias.

A vida dos jovens e adultos também refletia a realidade e o contexto em que viviam. As festas sabáticas, os cânticos, as músicas e as danças, arco e flecha, propor enigmas e jogos de prendas eram os tipos de diversões mais comuns entre eles. Em o Novo Testamento, Mateus 27.27-31, menciona um jogo muito conhecido entre os adultos, o "Basileu". Neste jogo, o pino de madeira que o jogador usava para movimentar-se nas linhas marcadas no chão, foi substituído pelo próprio Senhor! Ainda hoje temos registros desses jogos em Jerusalém.

3) Havia brincadeiras que não eram permitidas ao povo de Deus por serem consideradas profanas ou mesmo por terem origem em outros povos? (até um tempo atrás algumas formas de diversão eram proibidas por nossa própria denominação e até hoje são tabus com jogar bola e certos tipos de jogos em tabuleiros, assistir televisão... Naquela época também havia restrições deste tipo?)

R.: Havia sim. As brincadeiras com bonecos e bonecas não eram freqüentes ou permitidos entre os judeus. Embora muito comum entre os egípcios, canaanitas e mesopotâmicos, o hebreu procurava evitar, em função do mandamento de Êx 20.4, essas representações.

A idolatria era tão comum entre os povos antigos que, às vezes, os historiadores e arqueólogos têm dificuldade em afirmar quando se trata de um brinquedo ou um ídolo para adoração. Todo e qualquer brinquedo esculpido era proibido entre os hebreus. Brinquedos que continham em seu bojo o elemento divinatório também eram proibidos pelos judeus. Brincar de adivinhação, fazer gracejos com coisas sagradas eram terminantemente proibidos. Outro brinquedo não muito utilizável entre os hebreus dos tempos bíblicos, era o dado ou congênere. Embora os arqueólogos tenham encontrado no território judeu alguns dados, isso não significa que eles eram usados com freqüência nos jogos profanos, uma vez que possuía certo caráter sagrado.

A imagem que ilustra este tema não representa os templos bíblicos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ensaio à Exegese de 1 Coríntios 4

Introdução

Paulo, em 1 Co 4, retoma e conclui o assunto dos capítulos anteriores, especificamente 3.1-17. Para isto, emprega o advérbio houtōs (ou[toj - desta maneira; portanto), para ligar o assunto anterior a uma nova oração que exprime conclusão. Ele pretende encerrar o debate a respeito dos grupos partidários em Corinto, e apresentar os comportamentos que a igreja local deve adotar em relação aos obreiros da igreja. Sua assertiva é tão veemente que ele nega à igreja o direito de julgá-lo, assim como julgar os demais apóstolos. Contudo, orienta os crentes a respeito do correto relacionamento entre a comunidade e os seus líderes. O grupo que julgava-se iluminado e maduro e, com isto com o direito de submeter os apóstolos ao seu "tribunal" particular, é instado a olhar corretamente os líderes apostólicos.

Estrutura

O capítulo 4 é formado por três parágrafos: vv.1-5; 6-13; 14-21. No texto grego não há qualquer interrupção nas linhas de cada bloco, indicando que se trata de um só pensamento. O início de cada seção é marcado por um vocábulo que acentua o comentário da oração precedente: (v. 1) houtōs (ou[toj - desta maneira; portanto); (v.6) tauta (tau/ta - estas coisas); (v.14) ouk (ouvk - não, em tom litúrgico). Vejamos em perspectiva as estruturas.


1. vv. 1-5: Nesta seção, Paulo trata de dois assuntos em particular: o seu apostolado (vv.1,2) e o seu julgamento perante a igreja (vv.3-5). Nos vv.1,2 ele destaca dois termos. O primeiro acentua sua vocação: ministros (u`phre,taj- hypērétas), isto é, servo, ajudador (Jo 18.36 [serventuários]; At 13.5 [assistente]), e o segundo, suas responsabilidades: despenseiros (oivkono,moij - oikonómois), ou seja, mordomo, servo administrador (Lc 12.42; 16.1). O caráter do despenseiro é ressaltado, "fiel" (pisto,j - pistós), mas também sua mordomia, os "mistérios de Deus" (musthri,wn qeou/ - mystēriōn Theou), veja Cl 2.2, "mistério de Deus", Cl 4.3, "mistério de Cristo"; Cl 1.26,27. Paulo não reivindica qualquer proeminência entre os coríntios, mas enfatiza seu serviço (ministro) e sua responsabilidade (despenseiro).


No versículo 3, há mudança da terceira pessoa "nós" para a primeira "eu" – do geral para o particular. Paulo considera coisa de somenos importância o fato de os coríntios o julgarem, pois como ministro de Cristo quem o julga é Deus (v.4); nem ele mesmo se considera apto a julgar a si mesmo (v.3), mas espera que no tempo oportuno o Senhor julgue e galardoe cada um segundo "os desígnios do coração" (v.5).


2. vv. 6-13: Nesta seção, Paulo retoma mais uma vez a discussão iniciada em 3.5, apresentado que ele e Apolo servem de "figura" ou "esquema" (sch/ma - schēma), pois embora a igreja esteja dividida entre Paulo e Apolo, os dois, os dois ministros desfrutam de comunhão e serviço sacrifical a favor do Evangelho. Paulo critica a soberba dos coríntios (v.7): "Porque quem te diferença?", isto é, "Quem te julga superior?". Nos versículos 8-13, Paulo usa a "ironia retórica", apresentando o seu apostolado e contrapondo-o ao "reinado majestoso dos coríntios" (Broadman: 1987, p.370).


3. vv.14-21: Nesta seção Paulo apresenta-se como "pai" espiritual dos coríntios e solicita-os que sejam "imitadores" de seu pai espiritual...... (continua).

Crédito da imagem:

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Tempo: um ensaio à semântica neotestamentária


Introdução

Nos estudos proféticos é necessário distinguir os principais períodos e tempos de que tratam as Sagradas Escrituras. Ao lermos as páginas do Cânon Sagrado constatamos o uso de uma linguagem tanto histórica quanto profética que discorre sumariamente sobre os tempos, estações, dias, e assim sucessivamente. Muitos dos fatos que ocorrem dentro desses períodos são considerados sinais. Nos estudos proféticos, "sinal" é tudo aquilo que serve de advertência e, que possibilita prever ou reconhecer a aproximação de um acontecimento profético relevante.

No grego, o vocábulo sēmeion (shmei/on), traduzido por sinal [não confundir com sēmeron (sh,meron), isto é, "hoje", "neste dia"], tanto pode significar "atos milagrosos", quanto ‘sinalizar um evento profético’ (Mt 12.38; 24.3), podendo, às vezes, os dois sentidos serem combinados (At 2.19,22).

Quando a Escritura fala de "últimos tempos", "últimos dias", "sinais dos tempos", "tempos dos séculos" entre outros, a que se refere? Vejamos inicialmente a problemática apresentada por Jesus em resposta aos seus discípulos em Atos 1.7: "E disse-lhes: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder". Antes de sua morte vicária e sacrifical Jesus respondeu aos fariseus em Mateus 16.2: "Quando é chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está rubro [...] hipócritas, sabeis diferençar a face do céu e não conheceis os sinais dos tempos?". Em outra ocasião com os seus discípulos, estes lhe perguntaram: "Dize-nos quando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo?" (Mt 24.3).

Portanto, um resumo e organização dos principais termos e expressões usados nas páginas do Novo Testamento, possibilitará o entendimento sobre o sentido de tempo nas Escrituras.

1. Tempos Proféticos

a) Sinais dos Tempos (sēmeia tōn kairōn/shmei/a tw/n kairw/n). Mateus 16.3: “E pela manhã: Hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Hipócritas, sabeis diferençar a face do céu e não conheceis os sinais dos tempos?”.

b) Tempo dos Gentios (kairoi ethnōn/kairoi. evqnw/n). Lucas 21.24: “E cairão a fio de espada e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem.”

c) Últimos Tempos (Hysterois Kairois/u`ste,roij kairoi/j). 1 Timóteo 4.1: “Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios”.

d) Últimos Dias (Eskhatais hēmerais/ evsca,taij h`me,raij). 2 Timóteo 3.1: “Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos”.

e) Tempos da Restauração (Chronōn apokatastaseōs/cro,nwn avpokatasta,sewj). Atos 3.21:“o qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio”.

f) Tempos e Estações (Chronōn kai kairōn/cro,nwn kai. tw/n kairw/n). 1 Tessalonicenses 5.1:“Mas, irmãos, acerca dos tempos e das estações, não necessitais de que se vos escreva”. [Dentro do contexto da epístola é provável que ‘tempos’ (chronōn - cro,nwn) se refira as etapas escatológicas em geral, enquanto ‘estações’ ou ‘tempos fixados’ (kairōn - kairw/n), a períodos específicos da escatologia referida por toda a epístola].

2. Tempo Histórico

a) Tempos Antigos (geneōn archaiōn/genew/n avrcai,wn). Atos 15.21: “Porque Moisés, desde os tempos antigos [literalmente gerações antigas], tem em cada cidade quem o pregue e, cada sábado, é lido nas sinagogas”.

b) Tempos Passados (Parōkhēmenais geneais/parwchme,naij geneai/j). Atos 14.16: “o qual, nos tempos passados, deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos”.

3. Tempo Salvífico

a) Tempos dos Séculos (Khronōn aiōniōn/cro,nwn aivwni,wn). 2 Timóteo 1.9: “que nos salvou e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos [literalmente ‘tempos eternos’]” (Tt 1.2).

b) Tempos Eternos (Khronois aiōniois/cro,noij aivwni,oij). Romanos 16.25: “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto”.

c) Tempos do Refrigério (Kairoi anapsykseōs/kairoi. Avnayu,xewj). Atos 3.19,20: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham, assim, os tempos [fixados] do refrigério pela presença do Senhor”.

d) Plenitude dos Tempos (Plērōma tou Khronou/plh,rwma tou/ cro,nou). Gálatas 4.4: “mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. (Ef 1.10)

4. Tempo "A Era Messiânica"

a) Últimos Dias (Eskhatou tōn hēmerōn/evsca,tou tw/n h`merw/n). Hebreus 1.1[2]:“Havendo Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos, nestes últimos dias, pelo Filho”.

b) Últimos Tempos (Eschatou tōn Khronōn/evsca.tou tw/n cro,nwn). 1 Pedro 1.20:“ o qual, na verdade, em outro tempo, foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado, nestes últimos tempos, por amor de vós”.

5. Tempo Natural

a) Tempos Estações [Frutíferas] (Kairous karpophorous/kairou.j karpofo,rouj). Atos 14.17: “contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria o vosso coração”.

b) Tempos Ordenados (Prostetagmenous kairous/prostetagme,nouj kairou.j). Atos 17.26: “e de um só fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos [literalmente ‘posto em ordem os tempos fixados’] já dantes ordenados e os limites da sua habitação”.

c) Tempos Fixados (Kairous/kairou.j). Gálatas 4.10: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos”.

Um dos sinais proféticos, a apostasia, fora descrita por Paulo em 1 Timóteo 4.1: “Mas o Espírito expressamente diz que, nos últimos tempos, apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios”. É necessário observar que últimos tempos (hysterois kairois/u`ste,roij kairoi/j) nesse contexto, refere-se à palavra profética persuasiva comunicada pelo Espírito Santo. O uso de kairois no lugar de khronos designa um tempo do qual não podemos administrar ou evitar; ele é certo, determinado ou fixado por Deus e infalivelmente ocorrerá. É um tempo que somente Deus tem o controle. Neste caso específico, a apostasia antecederia os últimos dias (eskhatais hēmerais), ou seja, é um sinal que precede e demarca o final do tempo dos gentios (kairoi ethnōn), segundo Lucas 21.24: “E cairão a fio de espada e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem.”

Sejamos, pois, atentos aos sinais que Deus estabeleceu como sinalização da aproximação de sua vinda.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Ensaio à Prolação do Grego Neotestamentário



A prolação do grego bíblico

Uma das grandes contribuições da Renascença européia à cultura ocidental foi o interesse pela literatura clássica da Grécia e Roma. A filosofia e cultura heleno-latina foram estudadas copiosamente pelos artistas e filósofos humanistas. A concepção religiosa de Jerusalém cede lugar à cosmovisão secular inspirada nas ruas de Atenas e Roma. Era uma época de paradoxos para o cristianismo, pois ao mesmo tempo em que o humanismo provocava o distanciamento dos estudos teológicos, aproximava os estudiosos da pesquisa dos manuscritos gregos do Novo Testamento. O latim passa a ser substituído por línguas vernáculas nacionais e abandona-se a Vulgata Latina para a leitura dos manuscritos gregos.


Nesse período, dois humanistas cristãos se destacaram: o holandês Desidério Erasmo (1467-1536) e o alemão Johann Reuchlin (1455-1522), preceptor de Philipp Melanchthon. O primeiro foi o responsável pela elaboração e organização do Novo Testamento grego conhecido como Textus Receptus, usado por Lutero e João Ferreira de Almeida. O segundo, dedicou-se também ao estudo do grego e do hebraico, elaborando tratados que auxiliassem o estudante devoto nas línguas originais.


Pronúncia erasmiana. Porém cada um dos humanistas defendia uma leitura do grego diferente. Reuchlin aprendera o grego com professores nativos e defendera a leitura da koinē neotestamentária em idioma moderno. Erasmo, entretanto, por meio do estudo comparativo dos manuscritos, erros dos copistas entre outros instrumentos lingüísticos, propôs uma outra pronúncia do grego koinē. A prolação "erasmiana", como ficou conhecida, respeitava a pronúncia individual das vogas breves e longas, e o valor sonoro distinto de cada signo do alfabeto grego. A ortoépia ensinada por Erasmo também foi chamada de etacismo pelo fato de pronunciar o ēta (ē) diferentemente do iōta (i).


Pronúncia iotacista. Todavia, a prosódia do grego ensinada por Reuchlin seguia as mesmas regras do grego moderno, assim como os helenos hodiernos continuam a fazê-lo. A de Erasmo, no entanto, percorria caminhos diferentes, de acordo com as pesquisas do humanista holandês. A pronúncia transmitida por Reuchlin, chamada de iotacismo, por identificar a vogal longa ēta (ē) com o iōta (i), fora ensinada pelo erudito Manuel Crisolvas em Florença. O iotacismo foi difundido na Alemanha através da gramática grega elaborada por Melanchthon, sobrinho de Reuchlin.


Críticas. Porém, o juízo crítico pede ao estudante do grego neotestamentário para que julgue os fatos e não dogmatize entre uma pronúncia e outra. Por meio da crítica textual, descobriu-se o fragmento de um manuscrito antigo, atribuído ao cômico Aristófanes, que grafa o balido da ovelha como: "βη... βη... βη". Seguindo a ortoépia sugerida por Reuchlin e do grego moderno, o balido da ovelha seria "vi...vi...vi", enquanto, na erasmiana "bē...bē...bē". De acordo com os helenistas modernos, o grego seja clássico seja koinē, jamais foi pronunciado como os dois humanistas pretenderam. No Brasil, os seminários e faculdades teológicas em sua maioria ensinam à pronúncia erasmiana, pronúncia também seguida pelo manual de introdução ao grego neotestamentário que estou elaborando, já em fase de conclusão.


Contudo, na Europa, principalmente na França, os helenistas e lingüistas já ensinam a "pronúncia reconstruída" – uma tentativa de aproximar-se da prosódia e ortoépia do grego antigo. Já o gramático espanhol e professor de grego bíblico, A. Septién, em sua opus magna, Grego Bíblico ao Alcance de Todos, ensina a prolação do grego neotestamentário conforme a pronúncia moderna. Provavelmente ainda ocorram muitos avanços e retrocessos no estudo do grego clássico ou bíblico.



terça-feira, 21 de outubro de 2008

História e seus Pressupostos

Angelus Novus - Paul Klee

História. O termo história, procede do grego histōr cujo significado literal é “instruído”; “aquele que sabe”; “juiz”. O histōr, como chamavam os gregos, era um sábio ou mestre que compartilhava o seu saber sobre o passado com outros. O conteúdo ministrado era conhecido como histōria. Desde então, o termo história tem sido definido ambiguamente como “registros do passado” ou “o estudo dos acontecimentos que se passaram”. Segundo Borges, o termo se refere aos “acontecimentos históricos” (a história-acontecimento) que são objetos de análises do conhecimento histórico (da história-conhecimento).[1] História, portanto, é tanto a descrição dos eventos passados quanto o estudo desses mesmos eventos.

Revolução Francesa. Mas, de acordo com Reis, somente após a Revolução Francesa, a história foi redescoberta “seja como produção do futuro, seja como reconstrução do passado”.[2] Nesta acepção, história não se limita a reconstituição do passado, mas a produção do futuro. De um lado temos os historiadores que vêem a história como uma reconstituição fiel do passado e fidelidade à tradição, enquanto de outro, os filósofos, que a viam como uma ruptura com o passado e uma construção do futuro. No entanto, o sentido histórico, “deveria articular conhecimento do passado e produção do futuro, sem romper estas duas dimensões”.[3] Assim sendo, só a história explica qualquer fenômeno humano – fora dela ou do exterior dela, nada que lhe é interior pode ser explicado.[4] Portanto, passado, presente e futuro não são elementos contraditórios, mas interdependentes. A história do presente é uma indagação feita pelo historiador concernente aos problemas contemporâneos. É preciso conhecer o presente e, em história, o fazemos, sobretudo, através do passado, remoto ou próximo. A história e o futuro, são elementos especulativos sob o ponto de vista humano, em que se discutem as tendências e probabilidades e não suas certezas.

Heródoto. Atribui-se ao grego Heródoto, considerado por alguns como o “pai da história”, o emprego do vocábulo para designar o estudo ou a investigação do passado. Todavia, em nossa abordagem, “história”, além de possuir o significado acima expendido, restringe-se ao desenvolvimento e transformações históricas nas quais o próprio Deus intervém. E, a transformação, como afirma Borges, “é a essência da história”.[5]

Historicismo Religioso

O termo historicismo foi empregado por Karl Werner, em 1881[6], na obra Giambatista Vico como Filósofo e Pesquisador Erudito, a fim de se referir às principais correntes de pensamento que evidenciavam a estrutura histórica da realidade humana. Entre essas escolas destacavam-se as teorias dialética, hegeliana e religiosa. A primeira é descrita como a história da matéria, do trabalho e da técnica humana. A segunda, da manifestação do Absoluto. Filósofos e historiadores como Wilhelm Dilthey, Karl Mannheim e Arnold Toynbee compreenderam a história como a “essência da condição humana”. O homem, como todos sabemos, é um ser finito, temporal e histórico; é o agente humano que faz a história. A terceira corrente, historicismo religioso, foco de nossa análise, refere-se à história enquanto conhecimento, relato, ou transcrição dos fatos, mas não se limita apenas a estes dados, mas a interpretá-los, apreender a sua significação.

Do ponto de vista cristão, história é o diálogo da graça divina e da liberdade humana, o processo ao longo do qual à vontade e o amor de Deus se manifestam não só na criação do mundo e do homem, mas na sua redenção, na encarnação do Verbo divino, na vida, morte e ressurreição de Cristo e sua vinda, revelada e visível. Portanto, a história visível, concreta, revela o plano divino, os desígnios da santa providência – história e meta-história.

A História como Disciplina Teológica

A História como disciplina auxiliar da Teologia, tem sido amplamente inserida nos currículos das Faculdades e Seminários evangélicos em função de sua relevância à compreensão das ciências bíblicas. Essa realidade e metodologia não são estranhas ao contexto acadêmico, muito menos à História de Israel no Antigo Testamento deve ser considerada uma pseudociência por ser tratada fora de seu macro conjunto. Assim como se estuda a História do Direito, da Educação e da Filosofia, sem a pretensão de afirmar que essas abordagens sejam contrárias à História Universal, a História de Israel ou Bíblica é uma contribuição às Ciências do espírito ou ciências histórico-sociais (Geisteswissenschaften). Assim também estudamos:

a) História de Israel no Antigo Testamento;
b) História da Igreja;
c) História das Missões;
d) História da Teologia.

Portanto, ao estudarmos a história de Israel e os costumes religiosos judaicos, reconhecemos que o desenvolvimento de cada sociedade é único, singular, cujas alterações são próprias da ação dos próprios indivíduos, sujeitos e agentes da história, excetuando-se, logicamente, a meta-história. Mesmo que alguns autores neguem a existência de “uma força superior”, externa aos homens, que dirija a história, cremos na providência divina na história de seu povo.

Concepções da História

1. Concepção positivista: Considera a história como uma sucessão de fatos ordenados, de acontecimentos retilíneos, em direção a maturidade da humanidade, ao seu ápice, ao seu progresso, que será atingido quando a humanidade alcançar o estado perfeito ou absoluto. Este estado segundo Chauí é "caracterizado pela renúncia do conhecimento absoluto, das causas últimas, passando então a dirigir as forças intelectuais para a compreensão das leis e das relações que se podem constatar entre os fenômenos por meio da observação e dos instrumentos teóricos." [7]

2. Concepção marxista: Rompeu com a concepção anterior e colocou o centro da história no homem e o cerne da ciência na história.[8] Para Marx e Engels todo homem precisa estar em condições de viver e poder “fazer história”. Para eles o primeiro ato histórico é engendrar os meios para a satisfação das necessidades humanas, como beber, alimentar-se, vestir e morar.[9] Para esses dois pensadores a história é intrinsecamente sociológica, determinada por fatores econômicos. [10]Uma vez que essas necessidades sejam satisfeitas, entra a terceira circunstância, a reprodução humana.

3. Concepção dos Annales. Esta concepção pode ser entendida nas palavras de Lucien Febvre, um de seus mais insignes representantes, que afirmou: "Para fazer história, virem resolutamente as costas ao passado e antes de mais vivam. Envolvam-se na vida."[11] Deve-se a essa concepção o “reconhecimento da ligação indissolúvel e necessária entre passado e presente no conhecimento histórico, reafirmando-se as responsabilidades sociais do historiador”.[12]

4. Concepção da História Nova. De certa forma segue a linha traçada dos Annales. No entanto, segundo Lopes, repousa sua novidade em três processos: novos problemas – põe causa a própria história; novas contribuições – enriquecem, transformam os setores tradicionais da história; novos objetos – aparecem no campo epistemológico da história.[13]

5. Concepção cristã. Esta concepção já ficou demonstrada ao longo do artigo, entretanto, merece um tratamento exclusivo. Infelizmente, já ultrapassamos o limite de caracteres, ideal para uma boa leitura na internet. A abordagem cristã contemporânea da história sempre esteve em busca do enlace e do divórcio. Haja vista as concepções de Oscar Culmann, Jürgen Moltmann, Paul Tilich entre outros. Atualmente, a Teologia Aberta trouxe novos confrontos ao entendimento da ação de Deus na história. Numa outra ocasião trataremos especificamente da abordagem cristã da história, trazendo, se possível for, uma nova perspectiva teologal do dispensacionalismo.


[1] BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 48.
[2]REIS, José Carlos. Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-sociais. Biblioteca Universitária. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2003, p.1.
[3] Id.Ibid, p.2.
[4] Id.Ibid., p.11.
[5] Op.cit. p.50.
[6] E. Imaz, na obra El pensamiento de Dilthey: evolution y sistema, atribui a data de 1879 para o surgimento do emprego do termo historicismo, exclusivamente relacionado ao historicismo filosófico de Vico.
[7] CHAUÍ, Marilena (et al.). Primeira filosofia: lições introdutórias. 3.ed., São Paulo: Brasiliense, 1985, p.113.
[8] LOPES, Eliane Marta T. Perspectivas históricas da educação. 2.ed., São Paulo: Ática, 1989,p. 24.
[9] MARX. K.; ENGELS. F. A ideologia alemã. In: FERNANDES, F. (org.) Marx, Engels: História. São Paulo: Ática, 1983, p. 194 e 31.
[10] Id.Ibid.
[11] FEBVRE, Lucien. Combates pela história. Lisboa.Presença, 1977. v.I, p.56.
[12] LOPES, Op.cit., p;27
[13] Id.Ibidem.

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



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