DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tragédia em Santa Maria


Elegia à juventude rio-grandense
por esdras costa bentho

Foi-se a juventude
Foi-se parte da esperança do mundo
Sob o céu plúmbeo estrelas cintilantes
dos morteiros da morte pirotécnica

Foi-se a juventude
Levando um pedaço do amor de todos
carregando o carinho do mundo
na tóxica mistura da canção lúgubre

Foi-se a juventude
Na porta narcisa um convite à vida
No palanque da alegria a desventura da dor
Na saída ferrolhos do Hades

 Fica da juventude a lembrança
Imortal da vida que não se viveu...


Homenagem aos parentes e mortos da maior tragédia brasileira

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Parábolas bíblicas: um estudo introdutório




Esdras Costa Bentho


Parábola no Antigo e Novo Testamento

O termo grego parabolē (parabolh,) é traduzido com diversos sentidos no contexto do Novo Testamento. Depois dos Evangelhos, somente o escritor aos Hebreus emprega o vocábulo por duas vezes (9.9; 11.19), mas seu uso frequentemente está relacionado aos ensinos de Jesus nos Evangelhos. Em Hebreus 9.9 o vocábulo é traduzido por “alegoria” (ARC), “ilustração” (NVI), “parábola” (TB, ARA) e “símbolos” (BP, TEB, BJ). Em Hebreus 11.19 a ARA traduz o vocábulo por “figuradamente”, seguida pela NVI e ARC; a TEB por “prefiguração”; a BP lê “símbolo” e a TB traz “figura”. Em Mateus 13.18 as versões traduzem literalmente por “parábola”. Em Mateus 21.45 a ARC verte o vocábulo por “palavras” enquanto a TB, ARA, TEB e a NVI mantêm o sentido literal “parábolas”. Os Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) usam o termo por quarenta e oito vezes, de acordo com na27 e gnt4:

 parabolai/j      [12]         Mt .3,10,13,34,35; etc.                                                                                       

parabola.j     [4]           Mt 13.53; 21.45; Mc 4.10,13;

parabolh,         [3]           Mc 4.30; Lc 8.11 [Hb 9.9; 11.19];

parabolh.n    [26]          Mt 13.18,24,31,33,36; 15.15 (etc)

parabolh/j    [3]             Mt 13.34; Mc 4.34; Lc 8.4.

O vocábulo procede da preposição para (para,), isto é, “ao lado de”, que expressa movimento “próximo a”; e de ballō (ba,llw), que significa “lançar”, “jogar”, “pôr” ou “colocar”. O significado literal, portanto, é “jogar ou lançar ao lado de”, e, por extensão, “comparar”, “figura”, “parábola”. Parábola é a justaposição de “uma coisa ao lado de outra” com a finalidade de comparar e ilustrar uma ou mais verdades.

Todavia, não se deve limitar a parábola as figura de comparação (metáfora, símile), às figuras de contraste (ironia, eufemismo), e às figuras compostas (alegoria, fábula, enigma)1, mas antes entendê-la como artifício retórico de argumentação análoga, usada como arguto recurso literário, didático e retórico capaz de incluir várias outras figuras. A relação entre as figuras de comparação (o`moio,w) e a parábola (paraba,llw) está explícito em Marcos 4.30.
O próprio J. Jeremias demonstrou a inutilidade de se tentar classificar rigidamente as diferenças entre esses recursos retóricos e estilísticos, uma vez que o māšal inclui “toda sorte de linguagem figurada”.2 Schottroff, no entanto, prefere limitar a parábola ao contexto dos Evangelhos Sinópticos em vez de estudá-la em um sentido mais amplo.3 Entendo que a preocupação da autora é fugir da limitação a que os escritores ocidentais de tradição aristotélica sempre recaem ao considerar esse recurso dentro do escopo da Retórica, apenas como ilustração para facilitar a compreensão em assuntos de redobrado esforço cognitivo.
Certo é que o emprego sinóptico discorda dessa maneira usual de compreender a parábola. Em Marcos 4.11-13, por exemplo (ver Mt 13.13-17), a parábola é usada com sentido completamente diferente, enigmático. Não é narrada para explicar, mas para ocultar o sentido! Outros textos, como Lucas 4.23, “Médico, cura-te a ti mesmo” (VIatre,( qera,peuson seauto,n), traduzido pela ARC como “provérbio”, como se tratasse de um mero aforismo, é uma parábola, de acordo com a tradição sinóptica (ver 1Sm 10.12; 24.13; Ez 16.44).
Certamente equivale a um aforismo semelhante aqueles que encontramos nos livros de sabedoria do Antigo Testamento, todavia, melhor definido como uma parábola de caráter epigramático sintético e que se presta a uma comparação direta ou metafórica. Percebe-se, portanto, que o ensino parabólico é direto e simples, a fim de que toda audiência possa compreender a insensatez ou a sabedoria demonstrada pelos atores parabólicos. Todavia, a base para a compreensão do recurso parabólico na tradição sinóptica acha-se não somente no Antigo Testamento, mas também nos escritos de Qumran e nos pseudoepígrafos.4

Como afirmou Manson, a pesquisa a respeito da natureza da parábola não deve se restringir “as obras dos retóricos ocidentais”, mas sim, ao “Velho Testamento”5, como faz J. Jeremias ao descrever as parábolas como uma forma de māšal. Nesta categoria, Sellin, Fohrer e Vermes incluem uma variedade de ideias baseadas na comparação: “máxima, provérbio propriamente dito, pronunciamento de sabedoria, similitude e a assim chamada parábola-histórica, seja em prosa ou em poesia”.6 De modo geral, o māšal designa os gêneros literários da doutrina sapiencial do Antigo Testamento empregados de modo elástico e abundante nas escrituras veterotestamentárias. Não se pode negar a correspondência entre as duas tradições, semítica e helênica, entretanto é necessário distinguir entre o modo de falar e a função da parábola na primeira em relação à segunda. Àquela supera esta pela natureza própria da mensagem que transmite.

Lembremos que no Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX) traduz o termo hebraico māšal (lv'm') por parabolē (parabolh,); e que o vocábulo semítico é usado com frequência para se referir aos “provérbios” (māšal) dos sábios (1Sm 24.13; Ez 17.2; 18.2; etc.).7 Em sentido lato, tanto o termo hebraico quanto o grego significam “ditos de sabedoria”, ou “comparação com intenção didática”. O significado restrito, por sua vez, quer dizer “comparação”, “correspondência” ou “translação de sentido”, como se emprega geralmente em o Novo Testamento. Mas as correspondências são epidérmicas e fugidias. As parábolas greco-romanas, de acordo com Snodgrass, apresentam significativas diferenças das parábolas de Jesus, embora algumas apresentem o mesmo padrão. Porém, o vocábulo māšal e parabolē como se apresentam nas Escrituras tem um campo semântico superior ao uso comum heleno-latino.8 Segundo Osborne, com exceção da parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37), as de Jesus são diferentes das mais 325 rabínicas e também das parábolas helênicas.9
Essa estreita relação da parábola nos Sinópticos com o māšal no Antigo Testamento dificulta uma definição abrangente, uma vez que é necessário enfatizar o conceito semítico sem, contudo, ignorar o ocidental. O especialista Snodgrass, após extensa pesquisa, demonstrou a dificuldade de se definir correta e completamente as parábolas pelo caráter multifacetado e amplo desse recurso literário.10 C. H. Dodd também reconheceu a problemática.11  Stein reconhece que é difícil defini-la e prefere enfatizar mais sua classificação juntamente com o gênero māšal; afirma

Em ambos os casos, os termos podem referir-se a um provérbio (1Sm 24.13; Ez 18.2,3; Lc 4.23; 6.39); uma sátira (Sl 44.11; 69.11; Is 14.3,4; Hc 2.4); uma charada (Sl 49.4; 78.2; Pv 1.6); um dito simbólico (Mc 7.14,17; Lc 5.36,38); uma símile extensa ou similitude (Mt 13.33; Mc 4.30,32; Lc 15.8-10); uma parábola histórica (Mt 25.1-13; Lc 14.16,24; 15.11-32; 16.1-8); um exemplo de parábola (Mt 18.23-25; Lc 10.29-37; 12.16-21; 16.19-31); e, até mesmo, uma alegoria (Jz 9.7-20; Ez 16.1-5; 17.2-10; 20.49 – 21.5; Mc 4.3-9,13-20; 12.1-11).12
Apesar do aviso dos especialistas atrevo-me a conceituá-la como: Recurso literário do gênero narrativo e dito fictício que ilustra ou oculta uma verdade moral e religiosa com o propósito de inserir o ouvinte-leitor dentro do enredo para que ele atente para a advertência, o exemplo, a doutrina ou o comportamento que deve ser apreciado ou rejeitado de acordo com o propósito da parábola.

Nesse aspecto é necessário que se entenda a parabolē como recurso importante e necessário aos textos ou ensinos:

a) Admoestativos: isto é, que se propõem por meio de uma analogia   ou comparação advertir de uma falta, aconselhar a uma atitude, ou a exortar (2Sm 12.1-7; Mt 18.23s; Lc 12.16s; 16.1s, etc.);
b) Indicativos: ou seja, que procuram impressionar o leitor-ouvinte a  fim de que sinta admiração, espanto ou repulsa concernente algum ensino de caráter moral ou religioso (Lc 7.40-43; 8.4-18; 16.1-13; etc.);
c) Atitudinais: pois tem por objetivo levar o leitor e ouvinte a se posicionarem a favor ou contra uma ideia, opinião ou verdade em uma controvérsia. O ouvinte-leitor, quando ouve ou lê a comparação é conduzido a decidir-se a favor ou contra aquilo que está evidente na parábola (Mt 20.1-16; 21.28-32, etc.);
d) Aférese: uma vez que o sentido está contido na descrição, mas oculto por supressão da linguagem direta, provocando a suspensão do juízo por parte daqueles que não tem empatia com a mensagem comunicada (Mt 13.13-17; Mc 4.11-13, etc.).
Entre as inúmeras pessoas no Antigo Testamento que usaram este recurso, podemos citar como exemplo, ainda que não exclusivamente:
a) O Profeta Ezequiel: O profeta Ezequiel está entre os inúmeros personagens bíblicos que fizeram uso desse recurso estilístico e didático, a fim de comunicar uma mensagem parenética, nem sempre clara e acessível àqueles que estivessem à margem dos contextos político e religioso de seu tempo (cf. Ez 17.3-10; 19.2-9,10-14; 21.1-5; 24.3-5; cf. Is 5.1-7).

b) Os Sábios de Israel: As parábolas também eram usadas pelo povo, sábios e profetas de Israel em forma de provérbios parabólicos (cf. Ez 18.1-3; Sl 78.2; ver 2Sm 12.1-14; 14.1-11; 1Rs 20.35-40).13 O propósito da parábola facilmente é visto quando observamos o uso da figura nas mensagens e ensinos dos sábios e profetas. Uma verdade ficava mais clara e inteligível ao povo quando era  acompanhada de uma narrativa que colocava a realidade a ser percebida com a história a ser contada.

De modo semelhante, com o emprego do método parabólico para descrever o ensino e a mensagem do Reino de Deus, Jesus pretendia tornar a realidade e verdades do Reino de Deus compreensível ao homem de seu tempo, desde que esse respondesse positivamente ao seu ensino. Esta é a principal razão pela qual repetidamente a parábola se inicia com o adjetivo e derivados de homois (o[moij; Mt 13.24; 31, 44, 45, 47), traduzido por “semelhante”, mas que também significa “da mesma natureza”, “igual” ou “similar”. A similitude está na relação entre a narrativa e a coisa exemplificada. Contudo, a eficiência da parábola, como atesta Manson, não depende de sua “possível virtude ilustrativa”, mas da “reação” daqueles a quem a parábola é dirigida.14


Esdras Costa Bentho é pedagogo, teólogo e mestrando em teologia pela PUC - RJ.
Esta breve introdução faz parte da nova edição de nosso livro Hermenêutica Contextual que será relançado em breve.
NOTAS
1. BENTHO, E.C. Hermenêutica fácil e descomplicada. 13.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.321-324.
2. JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus. 10.ed., São Paulo: Paulus, 2007, Nova Coleção Bíblica, p.13.
3. SCHOTTROFF, L. As parábolas de Jesus: uma nova hermenêutica. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p.128.
4. Cf. SNODGRASS, K. Compreendendo todas as parábolas de Jesus: guia completo. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.80-103; VERMES, G. A religião de Jesus, o judeu. Rio de Janeiro: Imago, 1995, p.87-94; FLUSSER, D. O judaísmo e as origens do cristianismo. Rio de Janeiro: Imago: 2000 [vl.1], 2001 [vl.2], 2002 [vl.3].
5. MANSON, T. W. O ensino de Jesus: pesquisa sobre a sua forma e conteúdo. São Paulo: ASTE, 1965, p.76.
6. VERMES, G. A religião de Jesus, o judeu. Rio de Janeiro: Imago, 1995, p.87; SELLIN, E.; FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1997, Nova Coleção Bíblica 6, vl.2, p.460.
7. Cf. Verberte: lv;m' (māshal). In: HARRIS, R. L. (et al). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p.889. Veja ainda, o vocábulo hd'yxi (hiîdâ), p.618, cujo significado é enigma, parábola ou problema.
8. SNODGRASS, K. Compreendendo todas as parábolas de Jesus: guia completo. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.85-93.
9. OSBORNE, G. R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 372.
10. SNODGRASS, K., Op.cit.
11. DODD, C.H. As parábolas do Reino. São Paulo: Fonte Editorial, 2010.
12. STEIN, R. H. Guia básico para a interpretação da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p. 143.
13. Veja nossa discussão a respeito em BENTHO, E.C. Davi na corte real: vivendo com sabedoria. In:  GONÇALVES, J. (et al.) Davi: as vitórias e derrotas de um homem de Deus. 4.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.35-56.
14. Cf. MANSON, T. W. Op.cit., p.82.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Teologia do Pluralismo Religioso de John Hick: uma introdução para pentecostais pensantes





O teólogo inglês John Hick (1922-2012) é considerado um dos mais importantes filósofos da religião e um dos principais defensores da teologia do pluralismo religioso hodierno. Sua reflexão no campo do pluralismo religioso é estudada por teólogos de diversas confissões e também por especialistas em ciências da religião. 

A teoria de J. Hick tem sido contestada por uns e aceita como um novo paradigma teológico por outros. Faustino Teixeira, por exemplo, em sua obra Teologia e Pluralismo Religioso, afirma que o pluralismo religioso é um novo horizonte para a teologia, “um singular e essencial paradigma que provoca uma profunda mudança na dinâmica da autocompreensão teológica no tempo atual”. 

Teixeira reconhece que o tema tem gerado muita controvérsia na América Latina[1] e, por essa razão, uma leitura crítica e dialógica com os escritos de John Hick não é apenas plausível como também necessária[2]. Como dialogar com o pluralismo religioso sem perder a pujança do Anúncio, da singularidade da salvação em Cristo, o mistério de Deus? O que John Hick afirma em sua obra é contrário aos fundamentos da fé cristã? Vejamos.

Contexto e novidade na compreensão das religiões

J. Hick reconhece que sua teoria é como uma demolição da fé ou apostasia na leitura dos teólogos conservadores, mas afirma que não é mais possível sustentar a ortodoxia. Sua análise debruça sobre as tradições pós-axiais e religiões mundiais: cristianismo, islamismo, hinduísmo e budismo. Partindo do particular para o geral, examina a vida real das pessoas situadas nos contextos das tradições cristãs e das outras religiões. Seu argumento é que a teologia situa-se dentro de um horizonte cultural e que o ritmo da mudança cultural também altera o quadro de referência teológica. Assim, as novas condições afetam não apenas o cristianismo como também as demais religiões. 

Segundo a leitura do autor três fatores colaboraram para essa virada de rumo: (a) As informações que o Ocidente recebeu das tradições religiosas mundiais; (b) As viagens dos ocidentais para o Oriente; (c) A imigração dos orientais para o Ocidente. Esses fatores possibilitaram ao Ocidente e à tradição cristã ocidental a constatação de valores, culturas e novas tradições salvífica até então desconhecidas pela maioria dos cristãos, além de “derrubar certa homogeneidade que caracterizava as sociedades do passado”[3]

De acordo com Hick, essa aproximação traz a averiguação de que um adepto de outra religião não é um ser humano melhor ou pior do que o cristão. Parece-me que Hick ao usar um argumentun ad hominem confunde o conteúdo da fé com a experiência da fé, muito embora acredite que tanto o cristianismo quanto as religiões universais produzam pessoas santificadas e por isso a salvação não pode estar restrita a uma religião. 

Todavia, no criativo e ficto diálogo elaborado por Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, Marco Pólo diz ao grande Kublai Khan: “Você sabe melhor do que ninguém, sábio líder, que jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma relação entre eles” [4]. Nessa mesma perspectiva afirma Libanio

Jesus é distinto do Cristianismo, mas o Cristianismo é impensável sem a fé em Jesus Cristo e esta só continuou historicamente porque o Cristianismo se tornou realidade social. Assim também as igrejas cristãs são distintas do Cristianismo e de Jesus Cristo. No entanto, existem relações entre essas três realidades[5].
Isto posto, o fato de muitos cristãos não viverem plenamente os ensinos de Cristo e o de adeptos de outras religiões não serem igualmente melhores ou piores que os cristãos não significa que a salvação em Cristo não seja singular, embora o testemunho deveria confirmar a fé salvífica (Ef 2, 8-10). Na verdade, toda e qualquer afirmação de Hick a respeito da ética cristã pode encontrar apoio ou contradizer o argumento dependendo da direção que o leve.

 O problema do pluralismo religioso: a pessoa de Cristo

O problema que Hick e os teólogos pluralistas têm de enfrentar não é o modo como os religiosos vivem a sua doutrina, mas a exclusividade da pessoa de Jesus Cristo. Eles precisam descontruir a fé apostólica como se encontra em o Novo Testamento para ajustar Jesus aos conceitos plurais das religiões. 

Para ele, a pessoa histórica de Jesus de Nazaré tem de ser abandonada por um conceito mais universal do Logos, isto é, o Cristo não-histórico. O Logos seria a fonte universal de todas as religiões mundiais, da qual a figura histórica de Jesus de Nazaré é um empecilho. Com isto Hick afirma que todas as religiões mundiais são todas inspiradas e convertidas em fonte de salvação pela mesma influência transcendente, isto é, do Logos, e, portanto, é preciso abandonar o Jesus histórico e aceitar como novo paradigma o Cristo cósmico ou Logos eterno[6]

Por conseguinte, o Transcendente, Divino, Último ou Real, manifestou-se como Cristo para o Cristão, Dharma para os hinduístas e budistas, Allah para os mulçumanos, e assim por diante. Ideia muito semelhante às heresias primitivas que os primeiros teólogos cristãos tiverem que enfrentar. Por conseguinte, para conciliar as religiões, Hick e seus adeptos abandonam a figura histórica de Jesus de Nazaré e a trocam pela teoria do Cristo cósmico. Essa posição dificilmente seria sustentada pelos primeiros teólogos da igreja nascente e, provavelmente, seria condenada pelos primeiros concílios.


Esdras Bentho é Pedagogo e Mestrando em Teologia pela PUC Rio

[1] TEIXEIRA, F. Teologia e Pluralismo Religioso. São Paulo: Nhanduti Editora, 2012, p. 167,163.
[2] HICK, J. Teologia Cristã e Pluralismo Religioso: arco-íris das religiões. Attar Editorial, 2005.
[3] MIRANDA, M. de F. Verdade cristã e pluralismo religioso. In Atualidade Teológica. Ano VII, no 13, janeiro/abril de 2003, p.32.
[4] CALVINO, Í. As cidades invisíveis. São Paulo: Publifolha, 2003, p.27.
[5] LIBANIO, J.B. Qual o futuro do cristianismo? São Paulo: Paulus, 2006, p.21.
[6] BOFF, L. Evangelho do Cristo Cósmico: a busca da unidade do todo na ciência e na religião. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008, p.162-3.


TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



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