DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Formação e Aperfeiçoamento de Professores da EB: Métodos de Ensino


                              by Esdras Costa Bentho





Introdução

Peterossi e Fazenda com muita propriedade afirmaram que a “rigor não existe o método absoluto e eficiente” [1]. Não se usa um método absoluto e único em educação. Os processos que envolvem o ensino-aprendizagem, a educação e a formação do sujeito inclui, como asseverou Moura, “toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos”, chamado pela autora de “metodologia de ensinagem”. 

Metodologia de ensinagem inclui muito mais do que a simples aplicação de uma técnica em determinado momento da prática pedagógica. Envolve toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos que possibilita a realização do processo ensino-aprendizagem. Pressupõe a utilização de métodos, técnica de ensino, atividades e os diferentes recursos pedagógicos, ou como denomina Vygotsky, os instrumentos psicológicos. [2]

Ensinar, portanto, é romper com a teia dos condicionamentos culturais e sociais. É pôr-se em movimento oposto à paralisia que se recusa à alteridade. É abrir-se ao colóquio dialético-dialógico.

Além de o professor conhecer a matéria a ser ensinada e os objetivos de ensino, Marques assevera que a consideração do professor em relação ao aluno é indispensável na escolha do método. De acordo com Marques “a escolha do método é determinada pela matéria a ser ensinada, pela maneira como o professor considera o aluno e pelos objetivos”.[3] Essa consideração necessariamente implica em um processo de desconstrução da visão míope que o professor tem de seu aluno.

Assim, para que o professor ensine, independente do método, é necessário que rompa, como afirmara Bakhtin, com as “fronteiras exteriores que configuram o homem”.  O olhar espacial do mestre, que configura o outro como mero recorte da realidade que o cerca, produz uma visão distorcida. Às vezes, encerra o sujeito no determinismo histórico e no fatalismo teleológico. As “fronteiras exteriores”, trata-se, segundo Bakhtin, de uma visão associada ao aspecto físico, transitório, circunstancial, metamórfico. Porém essa forma de “ver a outrem” [4] se reduz na subjetividade do professor que, desatento, julga pela aparência fugaz, em constante mutação.

Para que o aluno aprenda de modo eficiente, portanto, é necessário um conjunto de operações didáticas, que assim podem ser resumidas: 

1) da parte do professor: a) domínio do assunto tratado; b) método didático; c) planejamento da aula; d) adequação significativa do conteúdo ministrado à realidade do educando; e) linguagem didática;

2) da parte do aluno: a) interesse e disposição para aprender; b) desenvolvimento das atividades sugeridas; c) empatia com o professor; 

3) da parte do ambiente de ensino: a) salas adequadas; b) disposição da mobília; c) ambiente acolhedor; d) estímulos visuais e cognitivos.

Por fim, antes de explicitarmos alguns métodos é necessário entender que uma mudança significativa no ensino e no uso correto dos recursos didáticos, principalmente os recursos tecnológicos digitais, que já se tornaram onipresentes na vida contemporânea, deve considerar os estudos modernos sobre a cognição. Os atuais estudos sobre a relação entre cognição, tecnologia e aprendizagem requer que o professor faça uma revisão conceitual nas teorias antigas que não consideravam (e não poderiam) essa tríplice relação.

Classificação dos Métodos de Ensino segundo Libâneo [5]


O educador Libâneo fez uma síntese dos métodos clássicos e correntes mais usados no contexto da educação brasileira. Esses métodos foram classificados de acordo com os seus aspectos externos, ou os conteúdos de ensino.


1. Método de exposição pelo professor

Nesse método, a atividade dos alunos é receptiva, embora, não necessariamente passiva, cabendo ao professor a apresentação dos conhecimentos e habilidades, que podem ser expostos das seguintes formas:


Exposição verbal
- como não há relação direta do aluno com o material de estudo, o professor explica o assunto de modo sistematizado, estimulando nos alunos motivação para o assunto em questão.


Demonstração – o professor utiliza instrumentos que possam representar fenômenos e processos, que podem ser, por exemplo: visitas técnicas, projeção de slides.


Ilustração - é utilizada pelo professor, tal como na demonstração, a apresentação de gráficos, sequências históricas, mapas, gravuras, de forma que os alunos desenvolvam sua capacidade de concentração e de observação.


Exemplificação - nesse processo, o professor faz uma leitura em voz alta, quando escreve ou fala uma palavra, para que o aluno observe e depois repita. A finalidade é ensinar ao aluno o modo correto de realizar uma tarefa.


2. Método de trabalho independente

Esse método consiste na aplicação de tarefas para serem resolvidas de forma independente pelos alunos, porém dirigidas e orientadas pelo professor. A maior importância do trabalho independente é a atividade mental dos alunos, para que isso ocorra de forma adequada é necessário que as tarefas sejam claras, compreensíveis e à altura dos conhecimentos e da capacidade de raciocínio dos alunos, tendo o professor que assegurar condições para que o trabalho seja realizado e acompanhar de perto a sua realização.


3. Método de elaboração conjunta


A forma mais típica desse método é a conversação didática, onde o professor através dos conhecimentos e experiências que possui, leva os alunos a se aproximar gradativamente da organização lógica dos conhecimentos e a dominar métodos de elaboração das ideias independentes. 
A forma mais usual de aplicação da conversação didática é a pergunta, tanto do professor quanto dos alunos. Para que o método tenha validade e aplicabilidade é necessário que a preparação da pergunta seja feita com bastante cuidado, para que seja compreendida pelo aluno. Por isso, esse método é reconhecido como um excelente procedimento para promover a assimilação ativa dos conteúdos, suscitando a atividade mental, através da obtenção de respostas pensadas sobre a causa de determinados fenômenos, avaliação crítica de uma situação, busca de novos caminhos para soluções de problemas.


4. Método de trabalho em grupo


Esse método consiste, basicamente, em distribuir temas de estudo iguais ou diferentes a grupos fixos ou variáveis, compostos de três a cinco alunos, e que para serem bem sucedidos é fundamental que haja uma ligação orgânica entre a fase de preparação, a organização dos conteúdos (planejamento) e a comunicação dos seus resultados para a turma.

Entre as várias formas de organização de grupos, destacamos as seguintes:

Debate - consiste em indicar alguns alunos para discutir um tema polêmico perante a turma.

Philips 66 - para se conhecer de forma rápida o nível de conhecimento de uma classe sobre um determinado tema, o professor organiza seis grupos de seis alunos que discutirão a questão em poucos minutos (seis minutos) para apresentarem suas conclusões. Pode ser organizado também em cinco grupos de cinco alunos, ou ainda em dupla de alunos.


Tempestade Mental - esse método é utilizado de forma a ser dado um tema, os alunos dizem o que lhes vem à cabeça, sem preocupação com censura. As ideias são anotadas no quadro-negro e finalmente só é selecionado o que for relevante para o prosseguimento da aula.


Grupo de Verbalização – Grupo de Observação (GV–GO) - nesse método, parte da classe forma um círculo central (GV) para discutir um tema, enquanto os demais formam um círculo em volta para observar (GO). O GO deve observar, se os conceitos empregados na discussão são corretos, se os colegas estão lidando bem com a matéria, se estão todos participando, etc.


Seminário - Um aluno ou um grupo de alunos prepara um tema para apresentá-lo à classe.


5. Atividades Especiais


São aquelas que complementam os métodos de ensino e que concorrem para a assimilação ativa dos conteúdos. Podemos citar como exemplo:


Estudo do meio - é a interação do aluno com sua família, com seu trabalho, com sua cidade, região, país, através de visitas a locais determinados (órgãos públicos, museus, fábricas, fazendas, etc.), todavia, o estudo não se restringe apenas a visitas, passeios, excursões, mas, principalmente, à compreensão dos problemas concretos do cotidiano, pois não é uma atividade meramente física e sim mental, para que, através dos conhecimentos e habilidades já adquiridos, o aluno volte à escola modificando e enriquecido, através de novos conhecimentos e experiências.


Planejamento - O professor deve visitar o local antes e colher todas as informações necessárias para depois, em sala de aula, junto com os alunos, planejar as questões a serem levantadas e os aspectos a serem observados e as perguntas a serem feitas ao pessoal do local a ser visitado.


Execução - Com base nos objetivos do estudo e o tipo de atividade planejado e com a orientação do professor, os alunos vão tomando notas, conversando com as pessoas, perguntando sobre suas atividades, de modo que os objetivos planejados sejam atingidos adequadamente.


Exploração dos resultados e avaliação - através da preparação de um relatório sobre as visitas, os alunos registrarão o que aconteceu, o que foi visto, o que aprenderam e que conclusões tiraram. Os resultados serão utilizados para a elaboração de provas, e para avaliar se os objetivos foram alcançados.

Conclusão
Os métodos de ensino não são um fim, mas um meio pelo qual o professor logra alcançar os objetivos estabelecidos. O método, entretanto, por mais eficiente que possa parecer, não é mais importante do que o aluno. O método deve ser empregado levando-se em consideração os paradigmas socioculturais e educacionais, os objetivos de ensino, a natureza do conteúdo, o nível do aluno, a natureza da aprendizagem, a realidade sociocultural do aluno, da escola e da comunidade em que estão inseridos. No uso dos métodos de ensino é indispensável que o professor conheça satisfatoriamente os conceitos teóricos que sustentam a metodologia empregada. Portanto, o melhor método de ensino sempre estará relacionado a esses conceitos e ao seu contexto fundante, bem como à relação dialética-dialógica entre o professor e o aluno.

Esdras Costa Bentho
Pedagogo, Mestre e Doutorando em Teologia, PUC-RJ.
esdrascb@hotmail.com
Notas
1. PETEROSSI, Helena. G.; FAZENDA, Ivani C.A. Anotações sobre metodologia e prática de ensino na escola de 1º grau. 3.ed., São Paulo: Edições Loyola, 1988, p.28.
2. MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. – Maceió;EDUFAL, 2009, p.24.
3. MARQUES, Juracy C. A aula como processo. 2.ed., Brasília:Globo; Porto Alegre: INL, 1976, 149.
4. BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.57.
5. LIBÂNEO, JOSE CARLOS. Didática. São Paulo: Cortez, 1994, p.140-176.

Referências Bibliográficas
PETEROSSI, Helena. G.; FAZENDA, Ivani C.A. Anotações sobre metodologia e prática de ensino na escola de 1º grau. 3.ed., São Paulo: Edições Loyola, 1988.
MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. – Maceió;EDUFAL, 2009.
MARQUES, Juracy C. A aula como processo. 2.ed., Brasília:Globo; Porto Alegre: INL, 1976.
BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.


sábado, 16 de dezembro de 2017

Métodos de Ensino e o Olhar do Professor na EBD



                 "Ensinar é um ato de louvor e agradecimento ao Criador"

by Esdras Costa Bentho

Introdução

Peterossi e Fazenda com muita propriedade afirmaram que a “rigor não existe o método absoluto e eficiente”1. Não se usa um método absoluto e único em educação. Os processos que envolvem o ensino-aprendizagem, a educação e a formação do sujeito inclui, como asseverou Moura, “toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos”, chamado pela autora de “metodologia de ensinagem”. Metodologia de ensinagem inclui muito mais do que a simples aplicação de uma técnica em determinado momento da prática pedagógica. Envolve toda a teia de relações entre professor e alunos-alunos que possibilita a realização do processo ensino-aprendizagem. Pressupõe a utilização de métodos, técnica de ensino, atividades e os diferentes recursos pedagógicos, ou como denomina Vygotsky, os instrumentos psicológicos.2

Ensinar, portanto, é romper com a teia dos condicionamentos culturais e sociais. É pôr-se em movimento oposto à paralisia que se recusa à alteridade. É abrir-se ao colóquio dialético-dialógico.

Além de o professor conhecer a matéria a ser ensinada e os objetivos de ensino, Marques assevera que a consideração do professor em relação ao aluno é indispensável na escolha do método. De acordo com Marques “a escolha do método é determinada pela matéria a ser ensinada, pela maneira como o professor considera o aluno e pelos objetivos”.3 Essa consideração necessariamente implica em um processo de desconstrução da visão míope que o professor tem de seu aluno.

Assim, para que o professor ensine, independente do método, é necessário que rompa, como afirmara Bakhtin, com as “fronteiras exteriores que configuram o homem”.  O olhar espacial do mestre, que configura o outro como mero recorte da realidade que o cerca, produz uma visão distorcida. Às vezes, encerra o sujeito no determinismo histórico e no fatalismo teleológico. As “fronteiras exteriores”, trata-se, segundo Bakhtin, de uma visão associada ao aspecto físico, transitório, circunstancial, metamórfico. Porém essa forma de “ver a outrem”4 se reduz na subjetividade do professor que, desatento, julga pela aparência fugaz, em constante mutação.

Para que o aluno aprenda de modo eficiente, portanto, é necessário um conjunto de operações didáticas, que assim podem ser resumidas: 

1) da parte do professor
a) domínio do assunto tratado; b) método didático; c) planejamento da aula; d) adequação significativa do conteúdo ministrado à realidade do educando; e) linguagem didática; 

2) da parte do aluno: a) interesse e disposição para aprender; b) desenvolvimento das atividades sugeridas; c) empatia com o professor; 

3) da parte do ambiente de ensino: a) salas adequadas; b) disposição da mobília; c) ambiente acolhedor; d) estímulos visuais e cognitivos.

Por fim, antes de explicitarmos alguns métodos é necessário entender que uma mudança significativa no ensino e no uso correto dos recursos didáticos, principalmente os recursos tecnológicos digitais, que já se tornaram onipresentes na vida contemporânea, deve considerar os estudos modernos sobre a cognição. Os atuais estudos sobre a relação entre cognição, tecnologia e aprendizagem requer que o professor faça uma revisão conceitual nas teorias antigas que não consideravam (e não poderiam) essa tríplice relação.

Classificação dos Métodos de Ensino segundo Libâneo5

O educador Libâneo fez uma síntese dos métodos clássicos e correntes mais usados no contexto da educação brasileira. Esses métodos foram classificados de acordo com os seus aspectos externos, ou os conteúdos de ensino.

1. Método de exposição pelo professor

Nesse método, a atividade dos alunos é receptiva, embora, não necessariamente passiva, cabendo ao professor a apresentação dos conhecimentos e habilidades, que podem ser expostos das seguintes formas:


• Exposição verbal
- como não há relação direta do aluno com o material de estudo, o professor explica o assunto de modo sistematizado, estimulando nos alunos motivação para o assunto em questão.


Demonstração – o professor utiliza instrumentos que possam representar fenômenos e processos, que podem ser, por exemplo: visitas técnicas, projeção de slides.


Ilustração - é utilizada pelo professor, tal como na demonstração, a apresentação de gráficos, seq
uências históricas, mapas, gravuras, de forma que os alunos desenvolvam sua capacidade de concentração e de observação.


Exemplificação - nesse processo, o professor faz uma leitura em voz alta, quando escreve ou fala uma palavra, para que o aluno observe e depois repita. A finalidade é ensinar ao aluno o modo correto de realizar uma tarefa.


2. Método de trabalho independente

Esse método consiste na aplicação de tarefas para serem resolvidas de forma independente pelos alunos, porém dirigidas e orientadas pelo professor. A maior importância do trabalho independente é a atividade mental dos alunos, para que isso ocorra de forma adequada é necessário que as tarefas sejam claras, compreensíveis e à altura dos conhecimentos e da capacidade de raciocínio dos alunos, tendo o professor que assegurar condições para que o trabalho seja realizado e acompanhar de perto a sua realização.


3. Método de elaboração conjunta


A forma mais típica desse método é a conversação didática, onde o professor através dos conhecimentos e experiências que possui, leva os alunos a se aproximar gradativamente da organização lógica dos conhecimentos e a dominar métodos de elaboração das ideias independentes.

A forma mais usual de aplicação da conversação didática é a pergunta, tanto do professor quanto dos alunos. Para que o método tenha validade e aplicabilidade é necessário que a preparação da pergunta seja feita com bastante cuidado, para que seja compreendida pelo aluno. Por isso, esse método é reconhecido como um excelente procedimento para promover a assimilação ativa dos conteúdos, suscitando a atividade mental, através da obtenção de respostas pensadas sobre a causa de determinados fenômenos, avaliação crítica de uma situação, busca de novos caminhos para soluções de problemas.


4. Método de trabalho em grupo


Esse método consiste, basicamente, em distribuir temas de estudo iguais ou diferentes a grupos fixos ou variáveis, compostos de três a cinco alunos, e que para serem bem sucedidos é fundamental que haja uma ligação orgânica entre a fase de preparação, a organização dos conteúdos (planejamento) e a comunicação dos seus resultados para a turma.

Entre as várias formas de organização de grupos, destacamos as seguintes:

Debate - consiste em indicar alguns alunos para discutir um tema polêmico perante a turma.

Philips 66 - para se conhecer de forma rápida o nível de conhecimento de uma classe sobre um determinado tema, o professor organiza seis grupos de seis alunos que discutirão a questão em poucos minutos (seis minutos) para apresentarem suas conclusões. Pode ser organizado também em cinco grupos de cinco alunos, ou ainda em dupla de alunos.


Tempestade Mental - esse método é utilizado de forma a ser dado um tema, os alunos dizem o que lhes vem à cabeça, sem preocupação com censura. As ideias são anotadas no quadro-negro e finalmente só é selecionado o que for relevante para o prosseguimento da aula.


Grupo de Verbalização – Grupo de Observação (GV–GO) - nesse método, parte da classe forma um círculo central (GV) para discutir um tema, enquanto os demais formam um círculo em volta para observar (GO). O GO deve observar, se os conceitos empregados na discussão são corretos, se os colegas estão lidando bem com a matéria, se estão todos participando, etc.


Seminário - Um aluno ou um grupo de alunos prepara um tema para apresentá-lo à classe.

5. Atividades Especiais


São aquelas que complementam os métodos de ensino e que concorrem para a assimilação ativa dos conteúdos. Podemos citar como exemplo:


Estudo do meio - é a interação do aluno com sua família, com seu trabalho, com sua cidade, região, país, através de visitas a locais determinados (órgãos públicos, museus, fábricas, fazendas, etc.), todavia, o estudo não se restringe apenas a visitas, passeios, excursões, mas, principalmente, à compreensão dos problemas concretos do cotidiano, pois não é uma atividade meramente física e sim mental, para que, através dos conhecimentos e habilidades já adquiridos, o aluno volte à escola modificando e enriquecido, através de novos conhecimentos e experiências.


Planejamento - O professor deve visitar o local antes e colher todas as informações necessárias para depois, em sala de aula, junto com os alunos, planejar as questões a serem levantadas e os aspectos a serem observados e as perguntas a serem feitas ao pessoal do local a ser visitado.


Execução - Com base nos objetivos do estudo e o tipo de atividade planejado e com a orientação do professor, os alunos vão tomando notas, conversando com as pessoas, perguntando sobre suas atividades, de modo que os objetivos planejados sejam atingidos adequadamente.


Exploração dos resultados e avaliação - através da preparação de um relatório sobre as visitas, os alunos registrarão o que aconteceu, o que foi visto, o que aprenderam e que conclusões tiraram. Os resultados serão utilizados para a elaboração de provas, e para avaliar se os objetivos foram alcançados.

Conclusão

Os métodos de ensino não são um fim, mas um meio pelo qual o professor logra alcançar os objetivos estabelecidos. O método, entretanto, por mais eficiente que possa parecer, não é mais importante do que o aluno. O método deve ser empregado levando-se em consideração os paradigmas socioculturais e educacionais, os objetivos de ensino, a natureza do conteúdo, o nível do aluno, a natureza da aprendizagem, a realidade sociocultural do aluno, da escola e da comunidade em que estão inseridos. No uso dos métodos de ensino é indispensável que o professor conheça satisfatoriamente os conceitos teóricos que sustentam a metodologia empregada. Portanto, o melhor método de ensino sempre estará relacionado a esses conceitos e ao seu contexto fundante, bem como à relação dialética-dialógica entre o professor e o aluno.

Esdras Costa Bentho
Pedagogo, Mestre e Doutorando em Teologia, PUC-RJ.
esdrascb@hotmail.com

Notas
1. PETEROSSI, Helena. G.; FAZENDA, Ivani C.A. Anotações sobre metodologia e prática de ensino na escola de 1º grau. 3.ed., São Paulo: Edições Loyola, 1988, p.28.
2. MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. – Maceió;EDUFAL, 2009, p.24.
3. MARQUES, Juracy C. A aula como processo. 2.ed., Brasília:Globo; Porto Alegre: INL, 1976, 149.
4. BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.57.
5. LIBÂNEO, JOSE CARLOS. Didática. São Paulo: Cortez, 1994, p.140-176.

Referências Bibliográficas
PETEROSSI, Helena. G.; FAZENDA, Ivani C.A. Anotações sobre metodologia e prática de ensino na escola de 1º grau. 3.ed., São Paulo: Edições Loyola, 1988.
MOURA, T.M. de Melo. Metodologia do ensino superior: saberes e fazeres da/para a prática docente. 2 ed.rev. – Maceió;EDUFAL, 2009.
MARQUES, Juracy C. A aula como processo. 2.ed., Brasília:Globo; Porto Alegre: INL, 1976.
BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

domingo, 19 de novembro de 2017

GUSTAVO GUTIÉRREZ AVALIA ATUALIDADE DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E O PAPADO DE FRANCISCO

Por Cristina Fontenele
Considerado o pai da Teologia da Libertação (TdL), Gustavo Gutíerrez segue admirado por várias gerações de teólogos. O sacerdote dominicano, com estilo simples e franco, concedeu uma entrevista exclusiva à Adital para falar sobre a atualidade da TdL, quem são os pobres na América Latina e como avalia o contexto político no continente. Sobre o encontro com o Papa Francisco, na Assembleia da Cáritas, em 2015, o teólogo diz reconhecer no pontífice um homem valente, que conduz a Igreja em um momento de Kairós, que, em grego, significa momento certo, oportuno.
gutierrezgustavoSobre a força da juventude, Gutiérrez brinca que não basta ser jovem para promover mudanças, pois um ser livre pode seguir variados caminhos. Espirituoso, o sacerdote explica a importância do humor, que também pode ser uma forma de comunicação, além de ajudar o ser humano a avançar na idade.
Para o teólogo e sacerdote Gustavo Gutiérrez, a Teologia precisa estar próxima do trabalho pastoral, sendo a mensagem da Teologia da Libertação uma proposta atual.
Adital: Como avalia a atualidade da Teologia da Libertação? Quais as perspectivas e como renovar as lideranças?
Gustavo Gutiérrez: Sei que está subtendido, mas prefiro explicitar. Minha primeira preocupação, como cristão, sacerdote, é fazer teologias, e isto não é o Evangelho. A Teologia é um ato segundo, que reflete, precisamente, sobre a vida dos cristãos, à luz da mensagem evangélica. Minha maior preocupação é isso. Eu fui, durante toda a vida, pároco, assessor de movimentos e, claro, gosto muito da Teologia, e fiz Teologia. Creio que é importante estar muito próxima do trabalho pastoral. No caso do meu país, o mundo pastoral é muito circunscrito. Nunca ensinei numa Faculdade de Teologia, mas, agora, aos 70 e tantos anos, comecei a ensinar em uma Faculdade. Um pouco tarde. Antes, eu desenvolvia o trabalho pastoral, reflexões, escrevi também. Me encanta a Teologia e a vejo como uma compreensão da esperança. Para mim, é uma hermenêutica da esperança e continua sendo. Isto significa a questão dos sinais dos tempos, pois todo teólogo precisa ver em que momento vive. Claro que o fundamento, a raiz, é a mensagem cristã, mas a maneira de vivê-la, hoje, depende das condições.
Sobre a renovação das lideranças, você não vai encontrar 1 milhão de pessoas que trabalham em Teologia, por muitas razões, mas isto também não é necessário. No fundo, um cristão é sempre um teólogo, porque pensa sua fé. Quando eu, enquanto cristão, ‘penso que’, na verdade, já estou fazendo Teologia. Esta é a Teologia que falamos, com o conhecimento das fontes, às vezes, debatida, como em qualquer disciplina na atualidade.


Adital: Porque falar do [Concílio] Vaticano II, após 50 anos?
Gutiérrez: Porque é o seu aniversário, assim como a pessoa faz aniversário, é igual. 50 anos de Vaticano II sempre impressiona e, além disso, sua mensagem continua sendo atual.
Adital: O que é a prática do método ver-julgar-agir?
Gutiérrez: É estar atento à história. Ver quer dizer ver a realidade para não elucubrar – "isto seria bom...” – está associado à expressão "sinal dos tempos”. É preciso discernir os fatos, as causas e o porquê se produzem os efeitos, então, vem o momento de julgar. E, depois, a última coisa é, no fundo, a razão de ver e de julgar, que é atuar. Não é que se deva escrever um livro sobre os problemas, mas, sim, o fato de como me comprometo diante disso. É algo muito simples, nasceu nos anos 1920, como um método na Bélgica e França, começou com o sacerdote belga [Joseph] Cardijn, que, anos depois, se tornou cardeal. Julgar é ler os fatos, a partir das exigências do Evangelho. O agir tem um tom mais modesto, seria o "como podemos fazer?”. Há pessoas que podem isso, enquanto outras podem outra coisa. Ao mesmo tempo, existem pessoas que podem fazer outra coisa e não isto, pessoas que não têm capacidade para isso, ou tempo, ou idade ou profissão. Há uma diversidade de ações. Isto é a realidade. As Conferências Episcopais latino-americanas – Medellín, Puebla, Santo Domingo, Aparecida – usaram o método ver-julgar-agir. É uma metodologia.
Adital: O senhor já declarou que não basta ser jovem. O que isto significa?
Gutiérrez: Estou convencido disto e digo racionalmente. É verdade que a força da juventude, a saúde, o conhecimento, mudaram coisas muito importantes, mas, no fundo, são pessoas livres. Podem trabalhar muito mal e podem usar o seu conhecimento de outra maneira, isto também ocorre. Por exemplo, nem todos os que estudam Medicina vão ser médicos compreensivos com o paciente. Hoje em dia, quase não existem. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem médicos de uma impessoalidade impressionante, mas que sabem muito. A Medicina clássica era muito mais do contato mais pessoal. O diálogo com o paciente é muito importante, tomando como exemplo a Medicina. Então, creio que é isto o que ocorre. Quanto à Teologia, existem muito jovens latino-americanos, senão todos, mas não é uma profissão da qual se pode viver. Nós, como somos sacerdotes, não temos salário profissional suficiente para sobreviver. Então, essas pessoas que podem estudar outra coisa, que podem ser um profissional, com uma entrada econômica, estão sacrificando-se. Enfim, todos os jovens, todas as pessoas podem começar bem e não terminar bem.
Adital: O senhor já comentou sobre a força dos pobres. Quais são os pobres de hoje, principalmente na América Latina?
Gutiérrez: Eu falei a partir das escrituras e não das Ciências Sociais, ou da Economia. O pobre é o que não conta, é o insignificante, e eles são bem numerosos. Existe a pobreza que se chama monetária ou econômica, e é preciso estudá-la. A condição feminina por exemplo. Não é que toda mulher seja pobre, mas basta que seja mulher para que existam direitos que não estão presentes. Assim também ocorre com a cor da pele, indígenas, mestiços (eu sou mestiço), japoneses, chineses, alguns europeus no Pacífico (a imigração chegava muito por aí). Veja, o conhecimento é poder.
Adital: Como avalia o papado de Francisco e como foi o encontro dos senhores na Assembleia da Cáritas, em 2015?
Gutiérrez: Acredito que a Igreja está em um movimento muito interessante, rico e com um grande frescor do Evangelho. Essas questões do Papa, de "sair”, ir contra a corrupção, de abrir-se, é um momento de alegria, e ele é muito valente, porque isso não é fácil. Claro que as pessoas que estão com ele também resistem. O Papa Francisco criou um clima muito diferente, que, além disso, tem um apoio imenso de pessoas que não são cristãs, e que veem neste homem alguém que fala a Abraão, que é próximo, e tem o sentido profundamente evangélico. Isto foi o que conversei, quando o encontrei.
Adital: Que reformas considera mais urgentes na Igreja?
Gutiérrez: Ele [Papa] retomou uma coisa muito forte de João XXIII, que é o pobre, e isto é uma urgência. Realmente, a quantidade de pessoas que estão nas migrações, por exemplo, é um escândalo. Estamos em um século com tantos recursos e essas pessoas precisam correr do seu país, senão as matam. Isto é uma superurgência. Ao mesmo tempo, existem também, naturalmente, questões da Igreja, discutidas durante o Sínodo da Família, o rechaço enorme da corrupção, não querer o dinheiro corrompido. Muito se pode chamar de reforma, numa parte mais institucional, é preciso mudar as regras também do comportamento dos funcionários. O clima que estamos vivendo é algo como voltar ao princípio. Falando teologicamente e biblicamente também é o que o chamamos de um Kairós, palavra que quer dizer momento oportuno, este é o momento atual.
Adital: É um momento, então, de diálogo inter-religioso? Como é possível, diante de tantos conflitos no mundo em torno da religião?
Gutiérrez: O diálogo já havia começado antes. Os conflitos diminuíram muito em relação ao século passado, quando havia guerras. Agora, são outras guerras, a exemplo do que ocorre com os muçulmanos. Eu sei que ainda há muito por fazer, embora já mudaram o que havia de mais violento em outros tempos. Existe, por exemplo, o fundamentalismo, as pessoas que creem que isto é assim e é assim para todos. É preciso respeitar a diversidade cultural, as histórias, todos os povos têm, como os seres humanos, suas pequenas histórias, estão acostumados a elas. Às vezes, existem coisas que não estão bem em qualquer cultura, então, é preciso entrar em diálogo para se compreender melhor. O diálogo inter-religioso é muito importante, mas é preciso estabelecer a justiça porque, sem ela, não há paz. E a justiça é reconhecer os direitos de todos, e é, justamente, o que falta para os pobres. Recordo uma frase de Hannah Arendt, filósofa judia alemã, que diz que "ser pobre é não ter direitos, não ter direitos a ter direitos”. Isto é preciso ser interrompido. Não é possível que haja seres humanos sem direitos respeitados. Isto é a lei da vida, lei da liberdade.
Adital: Como avalia o clima na América Latina, que passou por eleições recentes, como na Argentina, Guatemala e Haiti?
Gutiérrez: Há uma grande variedade, mas uma coisa geral que se pode dizer é que existem eleições. Digo isto porque tivemos, na América Latina, países com ditaduras. Na Argentina, Uruguai, no Brasil, ou seja, houve uma mudança grande. Agora, é verdade que não foi suficiente. Não basta ter eleições para dizer que estamos bem. Estamos no continente mais desigual economicamente e isto é preciso combater. Os ricos são cada vez mais poderosos e os pobres cada vez mais pobres. Li uma frase de um grande economista e filósofo que diz: "o mundo é espetacularmente rico e desesperadamente pobre”, é notável esse homem. Isto não deveria ocorrer, mas está na América Latina e ainda não há um trabalho para mudar.
Adital: Mas o senhor já mencionou que a América Latina é o continente da esperança...
Gutiérrez: É uma coisa simpática. Mas claro que também a esperança sempre existirá. Essas são frases que animam as pessoas. A esperança está ausente e presente em toda parte. Na África, na Ásia. E já que estamos falando de pessoas, existe uma frase que diz que "o último que se perde é a esperança”, mas a frase não diz "na América Latina, o último que se perde é a esperança”, portanto, vale para todo ser humano. Por ter havido mudanças importantes, é necessário valorizar, na América Latina, este passo, politicamente falando, de sair de ditaduras para a democracia.
Adital: O que é a espiritualidade para o senhor e como vivê-la, hoje?
Gutiérrez: A espiritualidade cobre muitas realidades. É colocar os chinelos e caminhar por muitos lugares, que não estão nivelados, o que é uma loucura, mas é o fundamental. A mensagem fundamental de Jesus é o amor às pessoas e a primazia dos mais pobres. Há uma pergunta eterna que se faz às famílias – "Mamãe, você ama mais meu irmão do que a mim?” – A resposta eterna é "amo todos de forma igual”. Mas, se a mãe não protege os menores, ficam todos doentes. Então, por que primeiro os pobres? Porque são mais fracos. É uma coisa tão simples e as pessoas não entendem. Dizem – "Não, Deus não fala somente para os pobres...” Deus ama todas as pessoas, mas, ao mesmo tempo, primeiro os fracos.
Adital: Sobre monsenhor [Óscar] Romero [ex-arcebispo de San Salvador], qual o significado da sua beatificação?
Gutiérrez: Começo pelo fim. Acredito que é muito importante e rico para a América Latina a história da beatificação e canonização, por uma razão muito simples, porque, no começo, não entenderam o essencial. Ele morreu, claro que impactou muito, mas, em El Salvador, muitas pessoas batizadas, católicas, se queixavam de que ele era comunista. Então, esse reconhecimento vai valorizar muitos testemunhos do mesmo estilo, em uma quantidade de lugares na América Latina. Na Argentina, antes de Romero, mataram o monsenhor [Enrique] Angelelli, depois de Romero foi [Juan] Gerardi, na Guatemala, e uma quantidade de laicos e religiosos. Vai valorizar na medida em que reconhecer que Romero foi assassinado por cristãos e por defender os pobres, o que será interessante para a Igreja latino-americana.
Adital: O senhor já falou muito sobre o humor. Qual a importância dele na vida?
Gutiérrez: É não se levar a sério e não acreditar que se é a última Coca-Cola, como dizem. Não é uma chacota, nem significa que você não esteja sofrendo. No mundo, existem muitas pessoas sofrendo, mas não é uma indiferença nem tampouco superficialidade. Acredito que não é preciso perder o humor. Eu brinco um pouco dizendo que há sacramento para recuperar a graça e não há sacramento para recuperar o humor. Eu creio que o humor alimenta e pode ser uma coisa psicológica também. As pessoas que se reprimem não agem. Mesmo diante de uma situação difícil, uma pessoa pode manter uma distância e ter humor. O humor também é uma maneira de comunicar algo. Eu brinco muito porque é minha maneira de ser, mas não significa que tudo esteja bem, que não tenho preocupações e que a pobreza, para mim, não é um escândalo com tanta gente sofrendo. Não. Eu trabalhei toda a minha vida com gente pobre, como pastor, sempre nas periferias, e é bastante doloroso, mas não posso chorar todo dia, e o povo também não. O que quero é que saiam dessa situação. Existe ainda uma obsessão pelo dinheiro e esta preocupação supera, em muitas pessoas, a proximidade com o outro. Creio que o humor ajuda também a se chegar mais longe na idade.
Fonte: Adital
http://www.revistamissoes.org.br/2016/02/gustavo-gutierrez-avalia-atualidade-da-teologia-da-libertacao-e-o-papado-de-francisco/

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Grito dos Oprimidos e a Missão Profética da Igreja


A pobreza em sentido lato é penúria ou falta daquilo que é fundamental para a subsistência humana. Um ser humano pobre é alguém que não tem condições de garantir sua sobrevivência e, consequentemente, viver com qualidade de vida e dignidade. Ao pobre faltam bens e serviços necessários para uma vida digna. Ele é despido da dignidade e humanização da qual todo homem e mulher têm direito.
Identificar os fatores responsáveis pela pobreza não é fácil, embora se conheçam as fontes pelas quais a miséria e penúria brotam (econômicos, socioculturais, históricos, políticos, corrupção e, no plano teológico, alguns situam o pecado). Encontrar teorias sociais e econômicas que expliquem a pobreza no Brasil e no Mundo também não é difícil. Soluções para o problema escutam-se à uma, em cada eleição à Presidência, ao Governo e Prefeitura. Alguns chegam mesmo a dizer que “é hora de cuidar das pessoas”, mas nada é feito em relação a elas: os pobres, órfãos e aposentados são vulgarmente protelados e rapidamente esquecidos.
De modo geral, a pobreza ainda é vista nos rostos das crianças que, ainda nos braços maternos, sofrem e morrem de inanição. Nos rostos das crianças pobres que, escapando da morte, são exploradas em trabalhos forçados ou nos semáforos das metrópoles. Nos rostos dos moradores de comunidades pobres, ou no rosto dos jovens sem esperança. 
Mas será que Deus não se importa com a escassez e pobreza das pessoas? Sim, Deus se preocupa. Ele é o criador de todas as coisas. Ele criou o mundo para ser um lar de prosperidade e harmonia para todos. À semelhança do sofrimento de Israel no Egito, Ele vê, escuta, conhece e age (Êx 3.7-8). É nesse contexto que Moisés é chamado para ser profeta (Êx 3.10). É nesse contexto que a Igreja se faz profética. Tal qual Moisés, a Igreja também é chamada para adentrar nessa luta. Ela é convocada não apenas para ajudar o necessitado, mas para abrir a boca a favor do injustiçado, do pobre, do oprimido. Sua função não é apenas anunciar a salvação do Senhor, mas também denunciar o estado de opressão do povo. Ao anunciar a salvação em Cristo e acolher na comunidade o excluído, sendo mãe para o órfão, amparo para o necessitado, ela cumpre parte de sua tarefa no mundo hoje. Todavia, a insuportável corrupção que se alastra em todas as camadas e instituições sociais impelem a Igreja a dar um passo mais além e compreender mais profundamente seu chamamento profético e função soteriológica. A Igreja é chamada a viver e ensinar a ética de Cristo ao homem moderno. E à semelhança da missão de Cristo, "anunciar aos pobres as boas-novas e proclamar a libertação dos oprimidos; anunciar o ano aceitável do Senhor" (Lc 4.18-19). Não podemos interpretar "o anúncio do ano aceitável" apenas escatologicamente, mas também politicamente - A justiça de Deus é o cetro do Reino dos Céus, como anunciara a Escritura (Sl 45.6-7; Hb 3.3-4). Devemos abrir a boca a favor do oprimido: “Abre a tua boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham em desolação” (Pv 31.8).
A condenação das injustiças sociais continuou por meio das vozes dos profetas de Israel. Isaías condena o culto hipócrita que escondia atrás de si a ganância, a miséria, a injustiça: “Aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai das causas das viúvas (Is 1.16-17, ver 58. 6-8). A religiosidade pode esconder as mais injustas ações contra os homens! Infelizmente, hoje a religiosidade não esconde apenas as injustiças mas se faz a si mesma uma fonte de ganância! Igualmente, Amós condena a hipocrisia litúrgica e a incapacidade daqueles que se escondem na pseudopiedade de agir com justiça em relação aos pobres: “Afasta de mim o som dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas violas. Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso (Am 5.23, 24). Se entoarmos cânticos a Deus, e se o estivermos ouvindo atentamente, ouviremos: JUSTIÇA! A Igreja deve estar atenta a voz de Deus para o nosso tempo. Acredito piamente, pela Escritura, que o Senhor não está satisfeito com nossa inércia e silêncio diante das injustiças de nosso tempo.
A Igreja não deve se calar diante das injustiças sociais de nosso tempo!
“Abre a tua boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham em desolação” (Pv 31.8).
Esdras Costa Bentho

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

 Todo ponto de vista é a vista sempre a partir de um ponto. Uma resenha crítica de uma obra é sempre uma “vista sobre algum ponto”, uma vez que a subjetividade do resenhista sempre destacará nuanças da obra sob o seu singular olhar. A crítica ou resenha não é mais importante do que a própria obra assim como não é o crítico que conta, mas o autor que expõe suas ideias e se sujeita a todo tipo de reação dos leitores.

Depois de tantos terem feito uma nota ou resumo da obra do professor César Moisés Carvalho, Pentecostalismo e Pós-Modernidade, editado pela CPAD (2017), debruço-me talvez atrasado sobre essa hercúlea tarefa. Inicialmente minhas ocupações com o doutoramento não permitiram antecipar qualquer crítica ao livro. Depois, a obra é densa e extensa, e qualquer julgamento precipitado corre o risco de ser impreciso e ilegítimo. Como suspeita, tem o fato de eu ser amigo do autor. Conheço o irmão César e dele posso afirmar que é um homem temente a Deus, fiel à família e aos amigos, um eletricista eficiente e filho nobre de Goioerê. Professor e pensador arguto, comprometido com a verdade e que não tem receio de mudanças. Exímio contador de causos ainda da época de sua atuação como pastor de uma comunidade pentecostal no Paraná, ao qual abrilhanta com detalhes pitorescos oriundos de uma memória homérica. Profissional comprometido com aquilo que faz, une eficiência e paixão a cada trimestre das Lições Bíblicas. Escritor preocupado em apresentar seus textos dentro das normas técnicas que, com muito esforço, aprendeu até dominá-las durante a Iniciação Científica do curso de Pedagogia. Professor admirado pelos alunos da Faecad pela acuidade técnica e carisma. É uma pessoa preocupada em ser sujeito de sua formação e em tornar-se cada vez mais humano! Minha admiração pelo autor talvez seja um fator que desqualifique minha análise da obra Pentecostalismo e Pós-Modernidade.

Pentecostalismo e Pós-Modernidade: quando a experiência sobrepõe-se à Teologia (426 p.), foi publicado em 2017 pela CPAD, editora na qual o autor trabalha. A Apresentação do livro é da lavra do próprio autor. O professor e pastor pentecostal David Mesquiati de Oliveira, da Faculdade Unida de Vitória, ES, foi o prefaciador, e a apresentação da orelha do livro é labor deste resenhista. A obra está dividida em duas partes: “O que escrevi antes de saber o que era Pós-Modernidade”, e “O que venho escrevendo depois de aprender o que é Pós-Modernidade”, antecedido pela Introdução que, na verdade, poderia ser um capítulo da segunda parte da obra, ou então um intermezzo, entre a primeira e segunda. Pela própria organização do livro percebe-se que se trata de uma coletânea de artigos (de 1999 a 2016) que marca a transição teológica do autor de um pensamento apologético-dogmático para uma reflexão mais madura e crítica; de uma hermenêutica teológica centrada na tradição reformada para uma hermenêutica da experiência, à moda Ricoeur.

Na primeira parte nota-se o entusiasmo (no grego o termo designa “estar possuído por um Deus”) com que defende aspectos teológicos da tradição pentecostal imersa na teologia reformada. Na segunda (e Introdução), uma prudente moderação (no gr. phrónesis – exame dialético das opiniões) a fim de evitar os extremos, quer de sua tradição, quer da qual se desenlaça.  Nas duas partes, dialoga com a tradição de fé na qual foi formado, e Gadamer pode muito bem explicar a relação entre tradição-pertencimento e, acrescento, inovação. A inovação, de algum modo, sempre rompe com algum aspecto da tradição.
Na segunda seção o autor realiza um exercício hermenêutico de diálogo com o passado a partir de uma perspectiva crítica. Como se sabe a tradição às vezes freia a criatividade, a subjetividade e individualidade do pensador, que deve ficar limitado a ela, impedindo a criatividade e o avanço teórico-teológico. O autor aventurou-se nesse mister talvez para reencontrar e ressignificar o telos perdido pela tradição.  Ele assume a condição de estar situado numa tradição da qual aprende e ensina. Isto o diferencia de outras análises feitas a partir “de fora” do pentecostalismo.  

Como amigo do autor, li vários artigos da primeira seção e participei de conversas a respeito dos da segunda, e da Introdução. De início percebe-se a falta de uma definição ou discussão a respeito das duas variáveis que compõem o título: pentecostalismo e pós-modernidade. Há tantas controvérsias a respeito dessas duas expressões que um rápido e imediato esclarecimento do sentido pretendido pelo autor não poderia faltar. Nas notas de rodapé da Introdução é sugerido algum insight da oposição entre Modernidade e Pós-Modernidade, mas somente leitores maduros extrairiam dali algum conceito. Acredito que se trata de uma opção do autor, já que no bojo do capítulo são apresentados autores que discutiram a questão profusamente, seja negando, seja confirmando-a. Todavia, há alguns artigos da primeira parte que esclarecem o sentido dos termos do título, mas ainda presos ao contexto do qual o autor se liberta na segunda parte.

A mudança do pensamento do autor na segunda seção implicitamente é um convite para que o leitor também se desvencilhe de conceitos equivocados sobre a pós-modernidade que, não obstante seus limites, constitui-se uma oportunidade para a teologia pentecostal. O ponto fundamental da Introdução e da segunda seção é a valorização da experiência e a crítica ao racionalismo positivista presente na teologia pentecostal em seu diálogo com a teologia reformada e sua herança fundamentalista. Fica claro que faltou aos teólogos pentecostais brasileiros uma dialética madura e inteligente ao traduzir conceitos reformados em teologia pentecostal – aqui, talvez seja de bom alvitre a leitura do artigo As matrizes teológicas do pentecostalismo clássico (p.303-333), na qual o autor discute as “raízes reformadas do pentecostalismo” (p.315-322). Não houve síntese, então uma ruptura torna-se necessária. É isto que pretende o autor, com grande êxito. Mas somente teólogos pentecostais preocupados com uma reconfiguração do pentecostalismo clássico tirarão daqui a epistemologia necessária para uma teologia pentecostal latino-americana. Para muitos, no entanto, isso não é necessário porquanto não entendem o caráter epocal e histórico da doutrina. Além disso, somos todos muito vaidosos para dar a um jovem mestre tanto crédito!

Neste ponto parece-nos de fulcral importância o esclarecimento de que a obra surge no acirrado debate entre calvinismo e arminianismo, entre pentecostalismo e cessacionismo presbiteriano, que, ao meu ver, dão o tônus da crítica e contribuição do autor ao debate, reforçado pela obra A mecânica da Salvação (CPAD, 2017), do também assembleiano Pr. Silas Daniel. O jovem professor César forneceu à teologia pentecostal clássica os pressupostos teóricos necessários para uma reconfiguração da teologia pentecostal nacional. Sua proposta inicial não foi a de construir sozinho o edifício teológico mas lançar um fundamento para uma construção em conjunto, em diálogo-dialético com os seminários e faculdades pentecostais de teologia. Estes serão os responsáveis por reconstruir ou erigir, a partir da leitura crítica da própria obra, novos estudos em nível de pós-graduação e, aproveitando o ensejo do CNE/CES 4/2016 para o Bacharelado em Teologia, reestruturar o currículo dentro dos quatros eixos exigidos pelo Ministério da Educação e Cultura.

Vejo, não em toda obra, mas em muitos capítulos da segunda seção o estabelecimento de fundamentos históricos-teológicos para a configuração de um novo paradigma para a teologia pentecostal clássica, portanto, não percamos essa oportunidade! Neste aspecto destaco os seguintes capítulos: Introdução (p.23-69), Hermenêutica Pentecostal (209-280), Revelação, Experiência e Teologia Pentecostal (335-370), A Experiência Religiosa e do Espírito como Instrumentos de transformação da forma de crer e pensar (371-405).

Noutra ocasião trataremos com mais acuidade esses capítulos, afinal, uma resenha não deve ser mais extensa do que a obra resenhada.

Por fim, a capa da obra combina perfeitamente com o título. Quem já leu obras sobre a pós-modernidade e sua relação com a arquitetura sabe muito bem da influência da escola Bauhaus, a qual a capa ilustra perfeitamente: Forma e função - aço e vidro.

domingo, 9 de julho de 2017

O Mal: uma perspectiva pastoral


Introdução
Neste ensaio será apresentado uma breve perspectiva pastoral concernente o problema do mal vivido nas comunidades cristãs. O principal objetivo é analisar uma situação-limite da experiência de sofrimento e verificar como as diversas respostas ao problema do mal considerariam a questão do sofrimento e da oração de livramento ou petição.

1.    O fato
            Em um dos mais trágicos acidentes ocorridos no Estado de Minas Gerais, conhecido pelos meios de comunicação como “tragédia no rio Doce”, conta-se o drama vivido pela soldadora Geovanna Rodrigues, de vinte e oito anos. Depois do rompimento de duas barragens em Mariana, Fundão e Santarém, administrada pela mineradora Samarco, a senhora Geovanna passava os dias nas proximidades do ginásio da cidade à espera de informações sobre o filho desaparecido, que mais tarde teve o corpo reconhecido pela mãe.
Thiago Damasceno, de sete anos, cuja paixão era andar de bicicleta, fora levado pela enxurrada de lama que devastou diversas cidades e sepultou o futuro de centenas de moradores. Segundo o Portal G1, as duas barragens despejaram 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério e água destruindo os distritos de Bento Rodrigues, Camargos, Paracatu, Ponte do Gama e cidades adjacentes[1].
O pequeno Thiago morava em Bento Rodrigues, o primeiro subdistrito a ser atingido pela lama de rejeitos da mineradora. Segundo a avó paterna, Carminha de Jesus, de quarenta e oito anos, os dois foram surpreendidos pela força da lama enquanto estavam no quarto. Carminha conta o momento dramático do desenlace: “Eu segurei as mãos dele, mas a enxurrada era muito forte. Ele gritava dizendo: ‘Jesus, me salva, não quero morrer’”.

2.    As Perguntas
Casos semelhantes acompanham a vida humana desde sua gênese. O mal é absurdo e escandaloso. Está presente em diversas circunstâncias e de muitos modos diferentes. Numa situação semelhante ao do pequeno Thiago muitas perguntas são feitas e tantas outras respostas são dadas para tentar explicar o escândalo do mal. Entre elas:
·         Por que Deus não salvou a criança inocente quando esta pediu-lhe salvação?

·         Se Deus quis salvar, mas não pôde ele é fraco? Se podia salvar mas não o fez ele é mal?
·         Deus é indiferente ao problema do mal?


3.    As Respostas
Para o problema do mal apresentam-se inúmeras respostas. Trata-se, na verdade, do desejo do sujeito pensante em compreender o escândalo e absurdo que cerca a vida humana. Todavia, não se pode dar respostas arcaicas a problemas modernos. As perguntas do homem da modernidade não devem ser respondidas com as respostas antigas da apologética e teodiceia tradicional. As perguntas podem ser aquelas que o homem em sua história de sofrimento sempre fez e fará, mas as respostas devem ser capazes de responder, ou guiar à compreensão e solução do problema. Como afirma Queiruga:

Na nova situação moderna o problema do mal requer uma mediação que faça justiça à sua nova figura secular. De saída, o mal não é um problema religioso mas simplesmente um problema humano universal. A resposta poderá ser ou não religiosa, mas só poderá ser abordada num segundo momento[2].

Obviamente, para o escândalo do mal, nenhuma resposta será completa e satisfatória em sua totalidade. Entre essas respostas encontram-se:

3.1. Contra Deum
De acordo com o argumento “contra Deum”, a presença do mal no mundo é uma prova contundente de que Deus não existe. Se Deus realmente existisse o mal não teria lugar no mundo físico, porquanto ele mesmo como “supremo bem” o erradicaria. Neste primeiro argumento, a angústia, o sofrimento e o mal em todas as formas de entende-lo são consequências a qual o ser lançado no mundo está sujeito. Essa forma de entender o mal e suas manifestações no mundo culpa a própria vítima por uma existência sem sentido. O ser é lançado no mundo sem seu consentimento, para viver o absurdo da vida, da falta de sentido e propósito. As vicissitudes vividas in loco pelo sujeito revelam as limitações e finitude da natureza humana[3].

Deste modo, o homem cerca-se de cultura, trabalho, lazer e leis para encontrar algum sentido para enfrentar o mal no mundo. Todavia, inevitavelmente o mal assolará o indivíduo seja por meio do sofrimento, seja por meio da injustiça, ou da morte. Essa é a única certeza que se pode ter. Esse argumento, muito comum na filosofia niilista e esboçada por Freud[4], não atende aos apelos do coração humano e não responde a presença do mal no mundo. O niilismo esvazia o homem e o mundo de sentido e se constitui um desafio para a fé cristã.
Primeiro, pelo fato de o niilismo atingir diversas áreas da vida humana. Segundo, o niilismo de matiz nietzschiano não apenas afirma a falta de sentido das coisas, mas encoraja ao ser a não procurar sentido no mundo. Ele proclama a morte do sentido. Na filosofia niilista resta ao homem o vazio, a desilusão em não encontrar um propósito, um sentido para a vida. Não existe, portanto, qualquer valor ou conceito de verdade, mas a falta deles. O homem está só. O mundo não avança em direção a um telos. O niilismo rejeita toda a verdade objetiva e lança o homem em um vazio, desespero e solidão. Na filosofia niilista não apenas as representações de Deus estão mortas, mas o próprio Deus[5].
O argumento “contra Deum” inicialmente não resolve o problema do mal e do sofrimento, mas o racionaliza. O mal não é algo que se possa evitar. A resposta ao absurdo do mal é o absurdo da existência. Sem Deus, o homem carrega solitariamente o peso do mal. Ao afastar Deus do mundo, a modernidade assume incondicionalmente a responsabilidade pelo mal. Não há qualquer recurso transcendente. A oração é compreendida dentro do jogo da linguagem[6], da psicologia, um mantra e autoajuda.

3.2. Pro Deo
O argumento clássico “pro Deo” é o discurso da teodiceia, da apologética. Esse argumento tem sido o mais comum entre os cristãos, desde Agostinho. Este atribuía a Deus a criação de todas as coisas, a perfeição, a harmonia da natureza e das coisas, a fonte da qual flui tudo o que é bom.
O mal na esfera física e moral é visto como consequência da escolha do homem (consentimento da vontade) ao abandonar a Deus, enquanto na esfera espiritual é visto como a rebelião do anjo mau, que abandona sua natureza boa e santa[7].
O mal no mundo é o resultado da escolha, da liberdade e incapacidade do sujeito em obedecer a Deus e manter-se fiel ao propósito pelo qual fora criado. Desde então diversos argumentos (ético, cosmológico, metafísico) foram desenvolvidos tendo como linha mestra a distinção agostiniana entre mal moral, mal físico e mal como entidade pessoal. Argumentos desenvolvidos em sua maior parte com dados da razão e da revelação das Escrituras, como a ciência de Deus[8].
Nos argumentos pro Deum o problema do mal é de responsabilidade humana. O homem é responsável pelo mal porquanto foi ele quem cedeu à tentação e à voz do demônio contra o Criador. Deus é inocentado. Deus está fora do mal, embora o permita. Todo contexto do pecado original é interpretado dentro do ambiente da culpa e da vontade corrompida do homem pela concupiscência. É uma interpretação que justifica a Deus, apresentando o real responsável pela entrada do mal no mundo.
Nesta perspectiva, as tragédias, as enfermidades, as injustiças sociais, o drama humano como um todo são consequências do pecado ou da desobediência do próprio homem. Deus criou o homem para a vida, a felicidade, a paz e justiça. Contudo, se o mesmo não vive plenamente essas virtudes a culpa é do próprio homem que usa sua liberdade em oposição à vontade de Deus.
Tal conceito não responde a razão pela qual o homem sofre, mas põe a culpa e o peso do mal sobre o homem. É um sistema de culpabilidade que tem enfermado a compreensão do sujeito a respeito de si. No afã de defender Deus, acusa o homem, responsabiliza-o. O mal e o sofrimento são, portanto, castigos. A justiça de Deus exige reparação. Esta vem de formas diferentes: desastre, tragédias, sofrimentos. A imagem Deus é a do vingador, do justiceiro.
A teodiceia coloca Deus longe do sofrimento humano. É asséptica[9]. A oração seria o meio, o mecanismo, o instrumento que tiraria Deus de sua passividade e o faria se deslocar do céu e intervir na vida humana.
A oração, como afirma Rubio, é “mágico-mecanicista”[10]. Deus está do lado de fora, do outro lado do sofrimento humano. Este argumento também não ajuda ao sofrente, pois é um sistema que culpa a vítima, e a faz responsável por sua própria dor.
Ao entrar em colapso como teoria de explicação do mal, consequentemente, a oração de petição – considerada como um modo mágico e mecânico de se relacionar com Deus – também perdeu sua força. A oração do aflito, “Senhor salva-me” e a imediata perda da vida humana requer que esse tipo de oração mágica e mecânica seja repensada em perspectiva com a providência divina[11].
3.3. In deo e Ad Deum
O argumento “in Deo” entende que o mal é um problema de Deus assim como um problema do homem. O mal não deve ser enfrentado à parte de Deus. E Deus não precisa ser defendido quanto a natureza e presença do mal no mundo. Deus não precisa ser poupado quanto presença do mal no mundo. Ele é Deus de salvação. O argumento “ad Deum” entende que o problema do mal não pode ser enfrentado sem que o compreenda em sua relação “para com Deus”.
Ambos conceitos acolhem o problema e colocam-no na relação entre Deus e o homem, mediado pela súplica, pela alteridade. “Deus aceita ser o cordeiro de Deus e objeto de maldição”[12]. Deus não é indiferente ao sofrimento dos homens.

3.4. Cum Deo
O argumento “cum Deo” coloca Deus no centro do debate. Ele luta com o homem contra o mal. A luta do homem é a mesma de Deus, cum Deo. Deus é sujeito ativo e se coloca como adversário do mal. Deus incrimina o mal. Não apenas é o primeiro interessado pelo problema do mal como também o primeiro a ser atingido por ele. Deus, portanto, é a resposta radical para o mal. É Deus que se torna objeção contra o mal[13].
Deste modo, o homem não está só quanto ao problema do mal, mas tem a Deus como seu aliado e combatente. A luta de Deus contra o mal é a luta do homem, e vice-versa. Logo, a oração evoca a participação de Deus no dilema humano. Como afirma Rubio, “a oração de petição, como a fé cristã na providência, só tem sentido no contexto duma relação pessoal-dialógica com Deus”[14]. A oração, portanto, é vista como diálogo entre o homem e Deus, principalmente quando emana do sofrimento pessoal. O primeiro efeito da resposta de Deus à lamentação-pedido é a mudança interior do próprio súplice[15].
Por conseguinte, Deus se entristece do mal e toma partido das vítimas, tornando-se também vítima. Ele é misericordioso! Ele carrega o mal juntamente com o sofrente. É com Deus que se deve tratar o problema do mal. Ele é amor e tudo que se opõe ao bem do homem também opõe-se a Deus[16].

4.    Perspectivas Pastorais

O problema do mal está presente na pastoral de muitas maneiras. A primeira é de caráter bíblico. A Sagrada Escritura não “joga o problema do mal debaixo do tapete”, mas reconhece em diversas tradições e gêneros literários a presença do mal na história humana e, até mesmo, independente dela. A segunda é a própria experiência humana de sofrimento na qual todos, indistintamente, estão imbuídos. A terceira é que o mal continua um absurdo, escândalo e mistério até mesmo para o clero. Este também em sua finitude é abarcado pelo sofrimento que também atinge o crédulo. O próprio clero precisa de uma formação que contemple as questões e respostas atuais ao problema do mal. Sem formação e esclarecimento adequado do problema o clero não será capaz de dirimir as controvérsias e restituir a esperança do sofrente. De La Peña lembra-nos que a função da teologia não é explicar o mal[17]. Portanto, quais possibilidades abrem-se para a pastoral? Algumas questões podem ser observadas, sem contudo, pretender absolutizar tais propostas.

1.      Apresentar que a fé cristã é compatível com a percepção e o sofrimento por meio mal[18]. Segundo De La Peña tal compatibilidade é demonstrada no fato de que o próprio Jesus-Deus, se revela como alguém que sofre com os homens. Ele vence assumindo-o solidariamente e transmutando-o em semente de ressurreição[19]. O sofrente não está sozinho em seu mal e não precisa carrega-lo sozinho. A fé em Cristo permite enfrentar o mal de modo mais esperançoso.

2.      Apresentar que a salvação, por meio da graça, preenche a finitude humana pela infinitude divina, “fazendo explodir as barreiras de sua limitação”[20]. De La Peña lembra-nos que o ser humano é criado finito e obcecado pela ideia de felicidade e, com isso, deseja superar toda contingência da vida presente, pois aspira à infinitude. Tal superação, contudo, só é possível na graça de Cristo, visto que Jesus assumiu concretamente uma vida solidária aos homens, uma solidariedade redentora, que também nos permite ser assumidos como filhos de Deus – filhos no Filho[21]. A possibilidade de superação do mal está na vida de comunhão com Deus por meio de Jesus, que une definitivamente Deus e o homem. O Deus de Jesus é um Deus que está incondicionalmente ao lado das vítimas do mal, oferecendo-lhe o calor da sua amizade e a força da sua presença. O Deus de Jesus não se mostra satisfeito com um mundo assolado pelo mal e vem pôr termo a essa situação[22].

3.      Apresentar que o Deus-Ágape implica sempre o compromisso de lutar contra o mal, dentro e fora de nós[23]. Assim, o mal não é superado quando ele é retribuído com outro mal. Ao pagar o mal com o mal, o discípulo, afirma Rubio, “não vence o mal, antes fica enredado no seu intrincado e poderoso emaranhado”[24]. Assim, deve-se retribuir com o bem o mal recebido numa atitude que traduz o gesto do próprio Filho de Deus diante de seus ofensores.


5. Conclusão

O mal mostra-se um grande desafio à fé cristã inculturada. Apesar das diversas tentativas que procuram esclarece-lo, ainda se mantém no âmbito do inexplicável. As opções de respostas são inúmeras e a teologia deve estar atenta as considerações das ciências humanas. Todavia, o grande esforço empreendido pelos pensadores cristãos tem lançado luzes para o exercício de uma pastoral holística, que contemple o homem em todas suas dimensões. A pessoa de Jesus, a sua paixão e o modo como enfrentou o mal, mostrou-nos uma nova face de Deus: Deus está com as vítimas do mal, oferecendo sua amizade e calor.




6. Referências Bibliográficas
AQUINO, T. de. Suma Teológica: Teologia, Deus, Trindade. São Paulo: Edições Loyola, 2001, Volume 1.
ESTRADA, J. A. A impossível teodiceia: a crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Loyola.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão. São Paulo: L&PM, 2010.
GESCHÉ, A. O mal. São Paulo: Paulinas.
HEIDEGGER, M. Introdução à metafísica. Lisboa: Instituto Piaget, 1987.
PAULO II, João. Fides et Ratio. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
QUEIRUGA, A. T. Repensar o mal na nova situação secular. In: Perspectiva Teológica, no 33, 2003, p. 309-330 – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
RUBIO, A. G. Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2001.
RUIZ DE LA PEÑA, J. L. Criação, Graça, Salvação. São Paulo: Loyola, 1998.
____ Teologia da Criação. São Paulo: Loyola, 1998.
SANTO AGOSTINHO. A verdadeira religião e o cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulus, 2012.
WITTIGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.






[1] Disponível em << http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/corpo-do-garoto-thiago-de-7-anos-e-reconhecido-pela-familia-em-mariana.html>>. Pesquisa feita em 14.nov.2016.
[2] QUEIRUGA, A. T. Repensar o mal na nova situação secular. In: Perspectiva Teológica, no 33, 2003, p. 309-330 – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
[3] HEIDEGGER, M. Introdução à metafísica. Lisboa: Instituto Piaget, 1987, p. 58-59. O filósofo fala do Ser como uma “névoa evaporizante” “em que nós estamos”.
[4] FREUD, S. O futuro de uma ilusão. São Paulo: L&PM, 2010.
[5] Ver PAULO II, João. Exigências e tarefas atuais. In: Fides et Ratio. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p.61-74.
[6] WITTIGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Rio de Janeiro: Vozes, Coleção Pensamento Humano, p.27.
[7] A teoria do mal. In: SANTO AGOSTINHO. A verdadeira religião e o cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulus, Coleção Patrística, 2012, § 21-28.
[8] Aquino, T. de. Suma Teológica: Teologia, Deus, Trindade. São Paulo: Edições Loyola, 2001, Volume 1, p.138.
[9] GESCHÉ, A. O mal. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 21.
[10] RUBIO, A. G. Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. 4. Ed., rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2001, p. 667.
[11] Id. ibid., p. 228-232.
[12] GESCHÉ, A. Id. Ibid.
[13] Id. p.32.
[14] RUBIO, A. G. Id. Ibid., p.229.
[15] Id. Ibid., p.667.
[16] QUEIRUGA, A. T. Id. Ibid., p. 320.
[17] RUIZ DE LA PEÑA, J. L. Teologia da Criação. São Paulo: Loyola, 1998, p.137-153.
[18] Id. Ibid., p. 139.
[19] Ibid., p. 152.
[20] RUIZ DE LA PEÑA, J. L. Criação, Graça, Salvação. São Paulo: Loyola, 1998, p.74.
[21] Id. Ibid., p. 85.
[22] ESTRADA, J. A. A impossível teodiceia: a crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Loyola, p. 380.
[23] RUBIO, A. G. Id. Ibid., p.670.
[24] Id. Ibid., p. 670.

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