DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

quinta-feira, 12 de março de 2009

A Natureza divino-humana da Ekklēsía



A igreja mística, una e universal (Heilsgemeinde), é também, em seu aspecto local, antropológica e multicultural (lokale Begrenzung), de acordo com as manifestações de cada povo ou raça. Lembremos que um dos primeiros problemas da “comunidade das origens”, para usar uma expressão de Joachim Jeremias [1], não foi doutrinário, mas principalmente multicultural e antropológico, manifestado na disputa entre judeus e gentios em virtude dos costumes correspondentes a cada raça (At 2.8-13; 6.1,2; 10; 11;15).
Surge, portanto, uma igreja na Palestina com acento judaico, e outra, helenista-cristã, na Ásia Menor, com uma identidade gentílica, sem os entraves da religião judaica: “... e isto lhes agradeço, não somente eu, mas também todas as igrejas dos gentios” (Rm 16.4).
Por conseguinte, a igreja é mística, espiritual, mas também humana, antropológica. Sua presença e natureza são tanto divina como terrena. Ela é Corpo de Cristo e, de acordo com Tomás de Aquino, “a congregação dos fiéis a caminho para a glória” [2], todavia composta de pecadores remidos pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Embora os membros sejam imagem divina em processo de transformação escatológica (2 Co 3.18; 1 Jo 3.1-3), todos, são igualmente humanos e falíveis.
Ela é espiritual e humana; mística e natural. Enquanto a natureza divina da ekklēsía promana da unidade com Cristo, seja como corpo seja como ramo (Jo 15; Ef 1.22,23), a identidade humana dimana não apenas do relacionamento mútuo de seus membros, mas de sua natureza como povo redimido (Gl 3.13). Cabe perfeitamente nesta assertiva o conceito antropológico do teólogo e pensador reformado Francis A. Schaeffer. Este concebe a ekklēsía como “humanidade que fora convocada para sair de uma humanidade perdida”. [ 3]
A igreja é constituída de pecadores redimidos por Cristo que, à semelhança de Isaías, está diante do Trono, contudo, tremendo em sua humanidade impura. A igreja deve reconhecer sua grandeza – ela é Corpo de Cristo – mas jamais pode se esquecer de suas limitações e fraquezas – o pecado ainda é uma realidade latente, não obstante sua transformação à semelhança de Cristo (Ef 4.13).
Pascal afirmara que a verdadeira religião é aquela que permite que conheçamos nossa mais íntima natureza, sua grandeza, insignificância e a razão para ambas. De acordo com o cientista e teólogo francês, a fé cristã é a única que tem esse conhecimento.[4]
É na relação celíflua com o Λόγος que os membros da ekklēsía conhecem o verdadeiro propósito de sua criação, redenção e glorificação. Nesse inaudito e glorioso convívio a índole carnal sede para “o novo homem” que “segundo Deus” foi criado em verdadeira justiça e santidade de vida (Ef 4.24). Em Cristo, a ekklēsía vive e reflete a verdadeira humanidade, “o novo homem segundo Deus”; o poema que foi criado em Cristo (Ef 2.10). Ao “ter sido feito semelhante aos homens”, Jesus tornará os redimidos semelhantes a Ele (Hb 2.17; 1 Jo 3.2; Fp 3.21).
Nenhuma instituição humana cumpre essa função, somente a ministração salvífica da Santíssima Trindade é capaz de transformar pecadores redimidos à semelhança do Filho de Deus, e convertê-los em Corpo de Cristo! Não são os programas litúrgicos, as inúmeras festividades, o estatuto, as tradições, os bons costumes e as convenções sociais da igreja que transformam pecadores à imagem de Cristo, mas o relacionamento entre o homem e Deus através do sacrifício vicário de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da ação noutética do Santo Espírito.
Ainda que esta seja a natureza transformacional da ekklēsía – organismo espiritual, santo e universal – a igreja também vive suas limitações locais como corpo e membro uns dos outros. A natureza una, espiritual e santa do Corpo de Cristo opõe-se à realidade social, cultural e humana da igreja visível.

Notas
[1] JEREMIAS, Joachim. A mensagem central do Novo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005, p. 55. Jeremias assim chama a “comunidade pré-paulina”.
[2] AQUINO, Tomás. Suma teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 192, Vl. VIII.
[3] SCHAEFFER, F.A. Verdadeira espiritualidade. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.207.
[4] PASCAL, B. Mente em chamas: fé para o cético e indiferente. Brasília: Editora Palavra, 2007. p. 173.

16 comentários:

Cristão Reformado disse...

Graça e Paz Pr. Esdras,

Ótimo artigo!

Em Cristo,

Ednaldo.

Marcello de Oliveira disse...

Shalom!

1. Nobre Pr "Ezra", mais um belo texto de sua destra pena. Já virei seguidor do seu distinto blog. O blog combina profundidade, sem perder a simplicidade.

2. Recordo-me agora, o texto de Paulo, de Efésios 3.10 - "[...] pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potesdades nos céus". Deus está formando uma comunidade multiracial e multicultural como uma bela tapeçaria – Este novo povo, formado por judeus e gentios, reconciliados com Deus e uns com os outros revela a multiforme sabedoria de Deus (poikilos) = multicolorido. Essa palavra era usada para descrever flores, coroas, tecidos bordados e tapetes trançados. A igreja como uma comunidade multi-racial e multicultural é como uma bela tapeçaria. Seus membros vêm de uma vasta gama de situações singulares. Nenhuma outra comunidade humana se assemelha a ela. Sua diversidade e harmonia são sem igual. É a nova sociedade de Deus.


um abraço do companheiro,

Pr Marcello de Oliveira

P.s está no blog a resposta sobre a tradução de Ex 3.14

Carlos Roberto, Pr. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Roberto, Pr. disse...

Caro Pr. Esdras Bentho!
Graça e Paz!

Permitindo Deus nos conheceremos pessoalmente em Vitória-ES.

O amado conseguiu expor as duas realidades da Igreja.
Uma não anula a outra.
Como parte itegrante da Igreja, precisamos aprender a conviver com as duas realidades!
É um exercício permanente!
Ao mesmo tempo que espiritualmente a Igreja é santa e imaculada, de outro lado é hospital e oficina para os pecadores que arerependidos lutam pela santificação através da Palavra de Deus.
Parabéns pelo texto
Deus continue a ser glorificado através da sua lavra.
Um grande abraço!
Pr. Carlos Roberto


Um grande abraço

Anônimo disse...

Caro Pastor Esdras :
Seu texto realmente nos faz pensar a igreja de Cristo, é o que estamos fazendo dela.
Acho interessante que a igreja é um corpo mistico, espiritual e antropológica, o grande problema é que muitos só veem o lado espiritual esquecendo-se do lado antropológico, quando mesclamos esses lados e reconhecemos nossa dependêcia em Deus e também daqueles que de nós se acercam, a igreja é sem duvida nenhuma o melhor lugar para se estar.
Disse certa feita que há muitos pregadores e poucos expositores da palavra, que Deus te conserve assim expondo de forma clara e objetiva sua palavra.

Em Cristo, Sola Fide Marcos

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHA!!!!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jelcimar Jr. disse...

Olá, Esdras.

A paz e a graça do Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Só passando pra dizer que tem selo pra este blog no Páginas Incadernadas - http://paginca.blogspot.com/2009/03/selo.html

Dentre os indicados estão o blog da Norma Braga, o Apologia e o blog O Tempora, O Mores.

Um grande abraço, em Cristo Jesus.

juberd2008 disse...

Pr. Esdras,

Excelente exposição sobre a igreja. Também gosto de ler Joachim Jeremias, apreciei muito a citação do seu livro.

Abraço.

Anônimo disse...

Essa foi minha primeira visita, mais aprendi o caminho.

Alan
www.leidosentidocomum.blogspot.com

Marcello de Oliveira disse...

Shalom!

1. Amado PR "Ezra", estou aguardando sua resposta referente ao texto de Ex 3.14.

2. A resposta de sua pergunta já se encontra lá no blog.

um grande abraço,

Pr Marcello Oliveira

João Paulo Mendes disse...

Caro Pr. Esdras, a Paz do Senhor!!

"Nenhuma instituição humana cumpre essa função, somente a ministração salvífica da Santíssima Trindade é capaz de transformar pecadores redimidos à semelhança do Filho de Deus, e convertê-los em Corpo de Cristo! Não são os programas litúrgicos, as inúmeras festividades, o estatuto, as tradições, os bons costumes e as convenções sociais da igreja que transformam pecadores à imagem de Cristo, mas o relacionamento entre o homem e Deus através do sacrifício vicário de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da ação noutética do Santo Espírito."

Excelente colocação, verdadeiramente a obra é feita por Deus, através do relacionamento com o pecador, é que o transforma, se os líderes da igreja na atualidade entendessem isso, certamente teríamos mais qualidade e talvez quantidade em nossos templos.

Em Cristo,

João Paulo

Luccas FLorencio disse...

Muito bom seu blog parabens !

Marcelo disse...

Caro professor Esdras o senhor tem nos abençoado muito c/ artigos bem interessantes vindo da parte de Deus. parabéns!!
www.lerecrer.blogspot.com

Esdras Costa Bentho disse...

Kharis kai eirene

Prezados irmãos, parceiros do Teologia & Graça, desculpe-me pela demora em responder vossos comentários. Desde a última postagem fui transferido do setor de Educação Cristã para o setor de Bíblias e Obras Especiais da CPAD e, além disso, estive revisando e copidescando importantes obras para serem lançadas ainda nesse semestre.
Logo, o calendário de atividades editoriais bem como minhas novas responsabilidades e adaptação ao novo setor exigiram muito de nosso empenho e esforço.
Ainda posso acrescentar meus estágios em Gestão Educacional em Instituições Não-Escolares, que ocupam muito o meu tempo com relatórios, treinamentos entre outras responsabilidades.
Todavia, acompanhei, li e prestei atenção nas intervenções textuais dos caros amigos.
Agradeço aos pastores Ednaldo, Marcello, Marcos, Rouver, Juber, João Paulo, Luccas, Marcelo, Alessandro, Zwínglio e muitos outros que passaram em nosso blog, até mesmo ao “Anônimo” que, sempre que pode, compartilha suas gargalhadas ... [aos poucos, em vez de rirmos com ele estaremos “rindo dele”.]
Obrigado pela participação de cada um de vocês.
Esdras Bentho

TEOLOGIA & GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ!



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