
1. Religião, uma definição complexa. Definir concreta e objetivamente o termo "religião" é uma tarefa difícil em virtude do caráter polissêmico do termo. Otto Maduro em sua obra Religião e Luta de Classes descreve com pesar as críticas recebidas em função de ter omitido uma definição do vocábulo em sua obra anterior, Marxismo e Religião. O Dicionário Crítico de Sociologia, de autoria dos sociólogos franceses Boudon e Bourricaud e publicado pela editora Ática, 1993, não define o termo embora trate sobre ele. Isto fez-me lembrar da aguda crítica de Charles Taliaferro, na obra Filosofia da Religião, ao afirmar que muitos filósofos da religião preferem as vantagens em demarcar o que se entende por religião em vez de definir o que é e consiste uma religião. [1] Até mesmo o respeitadíssimo sociólogo da religião, o alemão Joachim Wach, em sua obra Sociologia da Religião, afirma que uma definição de religião está fora de sua proposta, mas que é exeqüível compreendê-la como "a experiência do Sagrado." [2]
Segundo o sociólogo venezuelano, Otto Maduro, o termo religião é "um vocábulo situado histórica, geográfica, cultural e demograficamente no seio de uma certa comunidade lingüística e que é esta situação particular que dá o sentido ao vocábulo; um sentido rico, mas, no fundo, um sentido complexo, variável, multívoco e confuso." [3] O sociólogo refere-se, provavelmente, à dificuldade de sustentar um definição do semema a partir de seu étimo e de seu contexto macrocultural. As línguas de origem indo-européias, por exemplo, não possibilitam, através do étimo, um conceito unívoco.
2. A via etimológica latina. Durante muito tempo os cristãos latinos sustentavam a definição de Cícero de que "religião" era procedente de re-ligio e deriva-se do verbo re-legere, ou seja, "reler ou interpretar ao pé da letra" que, por extensão, significa cuidadosa reconsideração e profunda concentração da mente em estudo que reclama respeito e reverência. Esta é, provavelmente, uma das razões pelas quais os cristãos latinos eram identificados como aqueles que liam os seus escritos e neles retornavam pela busca do sagrado.
3. A via etimológica helênica. O étimo grego também não favorece adequadamente uma definição plausível e definitiva de religião. O sentido provavelmente esteja além das definições léxico-sintáticas. Cabe aqui, portanto, a intervenção daquilo que Rudolf Otto declarou a respeito da religião, como sendo esta um mysterium tremendum et fascinosum, classificando-a como uma experiência difícil de ser definida pela ciência. O contexto bíblico, por exemplo, oferece variegadas significações, embora destaque o mysterium. No grego do Novo Testamento, o vocábulo thrēskeía é traduzido por “religião” em At 26.5, e “culto” nos textos de Cl 2.18; Tg 1.26.
Nas definições latinas observamos uma preocupação com o sagrado, mas na helênica com um "sistema complexo em torno do sagrado ou divino". Os dois conceitos em conjunto é muito mais apropriado do que um em detrimento ao outro. Há, contudo, uma direção nas várias definições neotestamentárias que parecem corroborar com a posição de Joachim Wach a respeito do caráter objetivo da experiência religiosa. Se a "Religião é a experiência do Sagrado" e a "experiência do sagrado" pode ser definida como a "experiência de qualquer pessoa com a divindade", logo, latreia e thrēskeia enquanto "serviço sagrado dedicado à divindade" estão ligados ao caráter objetivo da qual afirmou o sociólogo alemão. O aspecto subjetivo devido às suas implicações com a filosofia de Schleirmacher, a psicologia e a antropologia veremos em outro momento.
4. A via filosófica negativa. Na filosofia a religião não desfrutou ainda de uma definição unívoca. Os filósofos ocidentais a definiram de modo distinto e controverso. Uns criticaram negativamente a religião enquanto outros positivamente. Os que consideravam a religião negativamente era FEUERBACH – este considerava a religião uma invenção humana que se origina na fobia, no medo – ; KARL MARX – referiu-se à religião como "ópio para o povo", uma invenção da sociedade capitalista para explorar e um "instrumento de evasão para os oprimidos e de justificação para os opressores" [6]; COMTE, o patrono do positivismo, ao descrever as vias do conhecimento humano (religiosa, metafísica e científica), classifica a religião como um estágio de ignorância, ultrapassada pela ciência; NIETZSCHE, que afirmara "Deus está morto", considerava a religião como um empecilho ao desenvolvimento dos super-homens; FREUD, criticou a posição dos filósofos anteriores e acreditava, segundo Mondin, que a religião era um "processo de sublimação de uma luta primordial entre os membros do clã doméstico" [7], Deus é apenas a projeção da culpa familiar e a religião a "neurose obsessiva universal da humanidade", isto é, "um delito coletivo"; HEIDEGGER, sustentava que a filosofia não pode falar positivamente a respeito de Deus e da religião.
5. A via filosófica positiva. A via positiva da religião também foi defendida por vários filósofos. HEGEL, por exemplo, definia a religião como "consciência da essência absoluta em geral". O filósofo Paulo Meneses explica que a definição hegelina na seção VII da Fenomenologia, envolve a religião natural (a consciência absoluta tomando consciência de si na natureza); a religião da arte (na forma de consciências-de-si humanas) e, a religião revelada, quando a própria essência absoluta se manifesta como humanidade.[8] Mais adiante veremos outras opiniões favoráveis à religião.
6. Proposta sugerida por OTTO MADURO. Este define a religião sob o aspecto sociológico, porém reconhecendo as limitações que a mesma inclui: "Religião é uma estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo social referentes a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos crentes com anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados etc.) e diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento em sociedade com seus 'semelhantes'." [9]
[2] WACH, Joachim. Sociologia da religião. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, Coleção Sociologia da Religião, p. 25.
[3] MADURO, Otto. Religião e luta de classes. 2.ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1983, p.31.
[4] TEIXEIRA, Alfredo B. Dogmática Evangélica. 2.ed., São Paulo: Pendão Real, 1976, p.43.
[5] CHAUÍ, M. Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2001, p.133.
[6] MONDIN, B. O homem, quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. 7.ed.,São Paulo: Paulinas, 1980, p.221.
[7] Id.ibid.,p. 223.
[8] MENESES, P. A fé e a ilustração em luta no mundo da cultura. In FILOSOFIA POLÍTICA, Série III, n.3, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p.13.
[9] MADURO, Id. Ibidi., 1983, p.31.
[10] MONDIN, B. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 10.ed.,São Paulo: Paulus, 1980, p.87.